Poucos episódios serão mais elucidativos acerca do processo de decisão do actual governo do que o da deslocalização (agora falhada) do Infarmed para o Porto. O governo não estudou a viabilidade da medida, mas decidiu. O governo não sabia explicar a medida, mas informou. O governo disse ter decidido há muito tempo, mas ninguém sabia (nem o ministro). O governo não consultou sequer a direcção do Infarmed, mas avançou. O governo ouviu as queixas, mas garantiu serenidade. Milhares aplaudiram, mas ninguém entendeu a viabilidade da medida. O governo estabeleceu prazos, mas depois suspendeu. O governo adiou, mas depois entregou o ónus do fracasso a comissões parlamentares. Eis uma mistura explosiva de propaganda aliada a incompetência.
Começou por ser uma “intenção” anunciada pelo ministro da Saúde, uma ideia dita bem-intencionada: transferir o Infarmed de Lisboa para o Porto, em linha com a aposta de candidatar a cidade a receber a Agência Europeia do Medicamento (EMA). Só que a “intenção” era afinal uma “decisão” cujo único problema, garantiu António Costa, foi a “inabilidade” da sua comunicação. Segundo o primeiro-ministro, nem sequer havia novidade, pois a transferência do Infarmed para o Porto estava decidida há muito tempo – muito antes sequer de se ponderar a candidatura à EMA. Podia-se então perguntar por detalhes ao ministro da Saúde? Não, que ele não sabia responder a nada. Mas a decisão era tão firme que António Costa a repetiu sucessivamente: cinco vezes afirmou que essa era a “decisão do governo”. Curiosamente, ninguém estava informado dessa decisão tomada há tanto tempo. Não sabia a direcção do Infarmed – avisada, com um telefonema do ministro da Saúde, minutos antes de a notícia se espalhar. Não sabiam os funcionários do Infarmed – que se opuseram em bloco à transferência. E não sabia o omnisciente Marcelo – que, explicou-se, afinal também não tinha de saber.
Como revela a sequência, o problema mais evidente foi semprea falta de estudo e avaliação do impacto da transferência do Infarmed. Agora que a avaliação foi efectuada, as conclusões colidem com as intenções e decisões. Resultado: o ministro da Saúde suspendeu o processo e remeteu o dossier à comissão parlamentar da avaliação da descentralização dos serviços públicos. Traduzindo: tirou-o das suas mãos, para que morra definitivamente nas mãos de outros.
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