Os tempos mais recentes da saúde política em Portugal têm sido preenchidas com rábulas. Tivemos a do Dr. Centeno ir substituir o Dr. Adalberto na Comissão de Saúde do Parlamento. Foi lá dizer que nunca tinha cativado nada, Deus o livrasse, e que a diferença entre o que foi orçamentado e aquilo que chega ao ministério da saúde não são “cativações”. Também explicou, mais uma vez, que há maus gestores na saúde e deu a entender que a culpa será do Adalberto que não terá mão neles. Uma maçada. Vá lá que sempre pôde experimentar uma comissão parlamentar diferente e provar um pouco do fel com que a oposição e “amigos” brindam o sanitário colega. Despediu-se com a cortesia de querer ser “Adalberto”, devolvendo o cumprimento ao outro que queria ser “Centeno”. Foi bonito. É um Governo de irmãos.

Claro que lá foi dizendo, no que tem o coro da esquerda e do próprio colega da saúde, que está a recuperar o SNS da delapidação anterior, persistindo na fábula de comparar os anos da Troika, vividos com a austeridade que o PS nos tinha imposto, com os 2 anos do atual Governo cujo mote foi, e ainda é, o fim da austeridade. Quando será que se calam com isso e deixarão de andar obcecados com os êxitos de Passos Coelho que tentam escamotear a todo o custo? Não queiram persistir em comparar o incomparável. O contexto entre 2011 e 2015 não tem nada a ver com aquele que decorre desde 2016 e se as diferenças não são maiores, isso deve-se à persistência austeritária do Dr. Centeno, com a cobertura e apoio do Dr. Costa. Quanto ao resto, nada de novo. Vendo bem, aquelas horas na Assembleia não foram feitas para serem úteis ou informativas.

Houve o episódio, quase rocambolesco, da Pediatria do Hospital de S. João, felizmente saído de uma daquelas reclamações públicas a que eu gosto de apelar. Várias lições. Não vale a pena confiar no mecenato. As grandes empresas, as poucas que poderiam ajudar, não metem milhões onde o Estado mais precisaria e nem a tentativa de um primeiro-ministro ir valorizar o projeto surtiu feito mobilizador. Ao Estado o que é do Estado e convenhamos que um departamento de Pediatria num hospital público não é coisa para ser feita por um consórcio privado. Diferente seria se os privados tivessem querido oferecer o dinheiro ao hospital. Pois é. Um peditório ainda vai, mas assegurar a construção de um bloco hospitalar só com dinheiro de donativos é difícil. E depois lá vinha o tribunal de contas, as leis anti-corrupção – funcionam? –, os concursos públicos, a devolução do IVA e não haveria “Um lugar para o Joãozinho” tão cedo. O nosso ministro da saúde lá prometeu, há um mês, que estaria tudo resolvido em 15 dias. Nada de novo. Não está nada resolvido.

Entretanto, o nosso Centeno que tomou o gosto pela saúde, já se meteu ao caminho e vai resolver o assunto, porque já nem ele confia no colega da João Crisóstomo. No fundo, os hospitais EPE também são do Ministério das Finanças e, como são as Finanças que sustentam tudo, o melhor é assumirmos um Governo light e passar as pastas sectoriais a secretarias de Estado. Ficam todos ajudantes do grande Centeno que um dia destes ainda dispensaria o Costa, não fosse a maçada de ter que aturar militantes peticionários, os autarcas mendicantes e os líderes dos outros partidos.

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Espero bem que agora, já que se interessou pela pediatria do S.João e pela saúde em geral, também se interesse pelo IPO de Lisboa e lá liberte os milhões necessários para que se construa um novo edifício de ambulatório. Já nem se pede um novo hospital. Ao menos um edifíciozinho. Uma coisa parecida, em tamanho, com o que prometeram para o Seixal, para consultas e exames complementares de diagnóstico, mais uns laboratórios e um centro de investigação clínica. Já não dará para mais uma sessão pública de apresentação do “Novo IPO”, até porque tem havido algum down grading e a última já só teve o presidente da CML, Dr. Medina. Mas ainda poderá haver uma inauguração a sério, embora ninguém bata o Engº Sócrates que também inaugurou projetos de IPO no Parque da Boavista e até, se bem me lembro, levou Pauliteiros (de Mirandela…), para a inauguração do último troço da CRIL (em Lisboa …) Imagino que não havia Sihks disponíveis naquele horário. Dr. Centeno, não seja como uns socialistas de antanho, agora desaparecidos ou excomungados, que prometeram 45 milhões ao Instituto para depois se irem embora e nos deixarem com as dívidas e uns estádios de futebol. O seu Euro é outro!

E houve a rábula da demissão do ministro da Saúde. Pediu, não pediu, não é o “estilo”, sugeriu, estava nas notas, foi uma bucha metida no discurso? Organizem-se, mas, afinal, qual é o interesse disto tudo? E, claro está, o ofendido governante veio logo dizer que era tudo “populismo”, a expressão com que classifica o que não gosta. Será que demitir o ministro mudaria alguma coisa? Se fosse demitir o das finanças, talvez fosse melhor para a saúde, mas é justo dar algum tempo ao Dr. Centeno, para ir conhecendo os Presidentes dos CA dos hospitais do SNS e estudar os dossiers, antes de o declararmos incapaz para mais esta pasta que vai adicionar às outras todas, com a distinta exceção dos Negócios Estrangeiros. Aí, estamos bem servidos e se do Prof. Santos Silva dependesse, o INFARMED até iria para as Ilhas Lofoten.

Voltando à demissão. O Dr. Adalberto é profissionalmente incompetente? Não é. É ignorante? Enfaticamente, não! Até está melhor preparado agora, que já leva dois anos, do que estava quando começou e se achava o melhor de todos desde a fundação da saúde em Portugal. É trabalhador? Não duvido que sim e imagino que passe horas ao telefone a preparar a política, as nomeações e as suas aparições. Fala demais? Sim, sobretudo quando fala pouco. É inteligente? Muito. Simpático? Muitíssimo. O Mister Nice. Fala bem? Como um crisóstomo. Não podia ser mais a propósito. Financeiramente sério? Não tenham dúvidas e isso é um grande capital nos tempos que correm. Tem culpa de tudo? Nada disso. É conivente, mas é isso que se espera de um membro do governo. Está sempre errado? Que disparate. Os eixos estratégicos em torno de reforçar a promoção da saúde e a prevenção das doenças, apostar nos cuidados primários, aumentar a eficiência dos hospitais, controlar a entrada de novidades terapêuticas e diagnósticas e expandir a rede de continuados, é o que qualquer um faria. O problema está na forma e nos meios, não nos objetivos. Foi arrogante e presunçoso com os seus antecessores? Foi, mas não esteve sozinho na postura. Faltou à verdade alguma vez? Poucas, comparado com outros colegas, mas precisa de ter mais cuidado para não acabar aldraberto. Em suma, demitir-se agora, para quê? Ao menos deem-lhe a oportunidade de ser demitido quando o Dr. Costa achar que a sua presença já é um incómodo eleitoral, quando o Dr. Centeno não o quiser aturar mais ou quando ele precisar de ir ter as férias que ainda não teve.

O maior problema do atual ministro da Saúde é a incapacidade, por si gerada depois de ter procurado assumir uma postura tão politicamente beligerante, de estabelecer consensos em torno das questões da reforma da saúde. Dificilmente os estabelece com as organizações profissionais, para lá de ir concedendo as 35h a quem as pede, e não me parece que possa protagonizar acordos com outros partidos, da esquerda à direita. Esse pode ser o seu impedimento para continuar, numa próxima legislatura, mas não é razão para sair já.

Acredito que há uma base consensual muito grande sobre o que a maioria das pessoas deseja. Não seria preciso pensar demasiado para perceber que ninguém contestará o direito à proteção da saúde e a existência de acesso universal a cuidados gerais e, idealmente, gratuitos no ponto de prestação. Há espaço para acordos políticos sobre a margem das mudanças que podem ser propostas e consignadas em “pacto de regime”. Entenda-se “pacto de regime” como um instrumento que se transforme em legislação e, consequentemente, em medidas de que resultem uma maior probabilidade de continuar a ser possível cumprir o direito à proteção da saúde nos moldes que a Constituição prevê.

Estou certo de que há no PS, PSD e CDS, pessoas capazes – moral e tecnicamente – de encontrarem pontos de acordo, ideologicamente consonantes, para a elaboração das medidas que forem necessárias. Ideologia à parte, parece-me claro que a denominada extrema-esquerda também estará do lado dos que defendem melhor acesso a cuidados de saúde. Ideologia incluída, com o dogmatismo que os caracteriza, PCP e BE já terão mais dificuldade em abandonar um modelo de Estado como único prestador. Mas, apesar da minha desconfiança natural para com os partidos comunistas, é verdade que em teoria, nunca posta em prática nos países onde o marxismo-leninismo ou o maoísmo campearam, defendem uma ampla cobertura sanitária de base populacional e uma responsabilização do Estado e dos cidadãos. Saúde Pública é o tema em que mais facilmente podemos estar todos de acordo.

Na proximidade dos próximos atos eleitorais é provável que não se consiga nenhum entendimento até à emergência de uma nova composição da Assembleia da República. Por enquanto e neste cenário de discussão política, legítima e necessária, é mais importante avançar com propostas fundamentadas, possíveis, sustentáveis e calendarizáveis, do que pedir a demissão de um ministro que, não fosse a sua incontornável tentação de fazer politiquice e deixar-se embalar nas rábulas do espaço mediático, poderia ter feito mais, muito mais, do que criar o vazio em que se vai apagando. Deixemo-nos de rábulas. O governo é que tem de ser todo mudado, não basta mudar um ministro.

Ex-ministro da Saúde