Desde que foi constituída, a NATO já teve várias actualizações do seu conceito estratégico. É perfeitamente natural que assim aconteça porque é necessário adaptarmo-nos à mudança das circunstâncias, processo que raramente é linear e que requer períodos de ajustamento. A próxima evolução do conceito estratégico da Aliança Atlântica está previsto para a Cimeira de Madrid, em junho deste ano.

A NATO também se adaptou aos contextos e constrangimentos internos, resultantes de visões distintas quanto aos interesses nacionais, quer geopolíticos, quer geoestratégicos, e de questões de personalidade dos líderes dos diferentes países membros. E fê-lo com sucesso, lidando adequadamente com as tensões entre a relutância norte-americana na partilha de capacidade de decisão e a resistência europeia em assumir as suas responsabilidades financeiras.

Não obstante, é inquestionável que os Europeus dependem desde o fim da Segunda Guerra Mundial do guarda-chuva Norte-americano, o qual, entre outras coisas, possibilitou a reconstrução da Europa, uma maior unidade entre os países europeus, ilustrada pela União Europeia, com estatuto de potência económica mundial.

A mudança implementada por Barack Obama na política externa norte-americana com a Estratégia do Leste Asiático, apesar de se focalizar na economia e comércio, não deixou de ter influência ao nível militar através do “Pivot to Asia”, que, entre as suas seis linhas de acção incluía: o fortalecimento das alianças bilaterais de segurança; e o estabelecer duma presença militar de base ampla. Duas coisas são importantes recordar. Primeiro, as administrações de Bill Clinton e de George W. Bush já tinham tomado medidas militares para o Pacífico. Segundo, Obama foi eleito no ano da guerra entre a Rússia e a Geórgia (2008).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quando François Duchêne fez uma análise prospectiva ao papel da Europa no mundo – Europe’s Role in World Peace(1972) – referiu que nos assuntos de guerra e paz, a Europa ocidental desempenharia um papel militar modesto, sendo que esse papel seria substancialmente menor se a zona de rivalidade se deslocasse para a Ásia.

De todas as medidas decididas pela Aliança Transatlântica, a que teve maiores consequências para a Europa foi “Pivot to Asia”. Ora, é perfeitamente compreensível que sejam feitas avaliações estratégicas sobre o Pacífico e a China (NATO2030). Todavia, a forma, o modo e a intensidade aplicadas nessas considerações devem ser objecto de ponderação porque os nossos adversários, nomeadamente russos, também fazem leituras sobre as nossas decisões.

Estamos a sentir os efeitos do “Pivot to Asia”. Embora os problemas já viessem de trás, isto foi o consumar do enfraquecimento do pilar europeu da NATO. Escrevi sobre isso em 2014 – NATO should set Limits on Russia’s Actions in the East (IPRIS Viewpoint 144) –, apelando a uma refocalização da NATO na Europa e no Atlântico.

A invasão russa à Ucrânia terá alguma relação com as leituras que os russos possam ter feito sobre o significado do “Pivot to Asia” e o conteúdo da NATO 2030? Fica a dúvida.

Uma coisa é certa. Longe vão os tempos do Conselho NATO-Rússia, um fórum de consulta, de consenso, de cooperação, de decisão e de acção conjunta para as questões de segurança no âmbito da região euro-atlântica. Durante vinte anos, a Aliança Transatlântica empenhou-se positivamente na construção de uma parceria com a Rússia. Infelizmente, o Kremlin optou por uma via de perturbação da estabilidade europeia e da ordem internacional. As acções russas na Abecásia e na Ossétia do Sul (2008), assim como na Crimeia (2014) e a presente ingerência na Ucrânia ilustram esta afirmação.

Com a invasão russa da Ucrânia, a realpolitik na Europa acabou de ganhar outra preponderância. Nada nos garante que Vladimir Putin fique por aqui. Como tal, a arquitectura da segurança europeia resultante do pós-Guerra Fria acabou. Uma mudança de paradigma parece-me inevitável.

Tenho a certeza de que o que estava inicialmente agendado para discussão na próxima Cimeira da NATO está ultrapassado. Espero que uma parte substancial dos pressupostos esteja a ser objecto de uma profunda revisão e actualização porque a Aliança Transatlântica continua a ser uma organização imprescindível para a segurança internacional.

Talvez tenha chegado a altura para reequacionar a importância, assim como a perenidade, da principal razão que originou a criação da NATO e de, sem qualquer hesitação, a reafirmar. Para tal, também é necessário que os Europeus revejam a sua posição sobre os assuntos de segurança e defesa, particularmente no que respeita ao reforço de verbas nos seus orçamentos e que, no âmbito da UE, uma das respostas claras à realpolitik de Putin seja, mesmo que a médio prazo, a criação de um exército europeu.

Ursula von der Leyen deve reafirmar inequivocamente a sólida união entre os Europeus na Cimeira da Aliança Transatlântica. Ao fazê-lo, reafirmará a própria NATO.

Membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal