Todas as remodelações governamentais têm duas características em comum. Em primeiro lugar, são uma tentativa de remendar qualquer coisa que não funcionou; em segundo, raramente funcionam. A remodelação que o primeiro-ministro foi obrigado pela quinta vez em três anos segue o mesmo padrão: substituir um ou mais ministros e secretários de Estado que revelaram não estar à altura do cargo, prejudicando assim a reputação e a imagem mediática do governo; se as dezenas de pretensos políticos demitidos estivessem à altura, não eram remodelados; portanto, a remodelação é sempre um sinal de fraqueza de quem os escolheu mal.

A primeira foi a do ministro da Cultura João Soares em Abril de 2016, que foi substituído pelo embaixador Castro Mendes, o qual só aguentou dois anos e meio numa pasta que, normalmente, devia ser «favas contadas» se não fosse a corporativização das «classes artísticas». A segunda foi a do secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Wengorovius Meneses, acerca de cujo afastamento muito haveria a dizer, pois já então estava em causa a péssima escolha do responsável para a pasta da Educação, que ainda hoje permanece num lugar onde nunca devia ter chegado. A terceira foi a de uma remodelação de baixo nível que correu com uma série de secretários de Estado que tinham ido ao campeonato mundial com dinheiro alheio…

A quarta foi a mais grave até à actual. Ocorreu há um ano no seguimento dos incêndios florestais que revelaram a incompetência do governo para gerir um grave problema nacional pelo qual António Costa fôra responsável no tempo de Sócrates. Sabe-se hoje que a ministra Constança Urbano percebeu logo a sua incapacidade para enfrentar a situação e pediu a demissão mas o primeiro-ministro, para não dar parte de fraco, forçou-a a sofrer o segundo grande incêndio e só então a substituiu, ao mesmo tempo que fazia entrar no governo um «amigo pessoal», Pedro Siza Vieira, cuja incompatibilidade para o cargo está ainda, um ano depois, a ser escalpelizada pelo Tribunal Constitucional…

Claro que desta vez pode haver surpresas, sobretudo nos casos em que era notória a falta de vocação para quaisquer posições de responsabilidade política, como sucedia com os antigos ministros da Defesa, da Cultura (pela segunda vez!) e da Economia. Ficaram ainda por remodelar vários outros casos óbvios, como o da Educação. Ao todo, o governo saberá quanta gente por lá passou; são algumas dezenas do gabinete inicial de 58 pessoas, que era efectivamente o «governo das corporações», como então escrevi! Entretanto, metade dos ministérios já mudaram de titular!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar de as sucessivas remodelações nos três anos de existência do governo serem um indicador evidente da sua instabilidade interna e também da instabilidade externa vis-à-vis dos partidos da «geringonça» e, por razões opostas, vis-à-vis da União Europeia, há todavia quem fale deste último tremor de terra governamental como «uma remodelação para inverter a crise». Primeiro ficámos a saber que havia uma «crise» sempre negada pelo primeiro-ministro e depois que essa «crise» iria ser «invertida», coisa rara de acontecer. Mudar caras e nomes é fácil; mudar as políticas e garantir o crescimento económico sem aumentar o défice financeiro é muito difícil!

A remoção do inconsequente ministro da Defesa, que só peca por tardia, não irá mudar nada senão acrescentar ao governo mais um antigo membro dos governos Sócrates. Seja como for, todos os envolvidos no processo de Tancos mentiram e nada leva a crer que venham a dizer a verdade tão cedo! As outras mudanças pretendem ser mais relevantes, sobretudo a entrega do ministério da Economia ao «amigo» Siza Vieira, a qual traduz uma tentativa governamental de actuar junto do sector privado ao contrário do que realmente fará até às eleições com o «bodo aos pobres» do orçamento para 2019.

A nomeação da nova ministra da Cultura, dirigente do PS e colaboradora de António Costa desde a Câmara de Lisboa e dos governos Sócrates, terá a difícil missão de ganhar com pouco dinheiro a confiança da «corporação da cultura» e o respectivo eco mediático em favor ao governo. Mais importante e difícil de explicar é a mudança do ministro da Saúde, o Professor Adalberto Campos Fernandes, médico e administrador hospitalar de mérito com experiência reconhecida. Com efeito, se é certo que ele contribuiu para uma privatização substancial dos serviços e bens de saúde, é indiscutível que o governo actual continua a submeter o SNS à míngua de recursos, ao mesmo tempo que o primeiro-ministro tomava a iniciativa populista de oferecer o INFARMED à cidade do Porto…

Duas coisas são certas, porém: não é uma pessoa desconhecida como a Sr.ª Marta Temido que terá as capacidades que o antigo ministro não teve, apesar das eternas promessas de Centeno, nem o processo de privatização da saúde irá parar. É o habitual «toma lá-dá cá» de António Costa em vez das políticas públicas sérias e eficazes que seriam necessárias. Em suma, as remodelações em série não passam de óbvias manifestações da crise larvar em que este governo tem vivido e viverá!