A piadinha, apesar de tola, era previsível: então andavam sempre a queixar-se das caras velhas da política, e quando Rui Rio dá os lugares da frente a gente nova, queixam-se também? Bem, tentemos outra vez explicar o óbvio: nenhuma renovação é, em si, boa ou má. Calígula também renovou o senado, promovendo o seu cavalo a senador, e ninguém achou que a instituição ganhara mais do que um novo aroma campestre.

Não vale a pena discutir os méritos pessoais ou profissionais dos novos cabeças de lista. Não foram esses méritos que os tiraram do fundo das listas, onde até agora existiram, mas apenas a vontade de Rui Rio. Nada, portanto, podia ser mais diferente de um verdadeiro rejuvenescimento. Em vez da emergência de uma geração com força própria, temos apenas o interesse do líder em trocar personalidades que podiam discordar dele por simples criaturas suas, gente desconhecida que lhe deve tudo, que depende dele, e que nunca o confrontará com críticas ou divergências. Rio não está a renovar o antigo PSD, mas a substituí-lo por um pequeno partido de incondicionais. É este o instrumento que lhe convém para jogar no xadrez parlamentar, se as eleições de Outubro não derem a António Costa mais do que uma maioria relativa. O objectivo, como toda a gente já percebeu, é procurar um lugar na “geringonça”, a partir de entendimentos sobre a submissão política do poder judicial e o esquartejamento regionalista do Estado.

No princípio de 2018, a presidência do PSD foi disputada por dois candidatos: Rui Rio e Santana Lopes. Um ficou no PSD, como presidente, e o outro saiu. O que estamos a perceber agora é que ambos estão a fazer a mesma coisa. Santana saiu para fundar um partido novo. Rio ficou, mas também ele está a fundar um partido novo, só que dentro do PSD. Os dois partidos têm as mesmas características e os mesmos objectivos:  são iniciativas unipessoais, onde só há naturalmente lugar para amigos e admiradores do líder, e esperam fazer-se valer num parlamento sem maioria absoluta. Rio tem, porém, uma dificuldade: a casa ainda está cheia de pessoas que outrora fizeram do PSD um partido nacional e portanto heterogéneo. Por isso, os acólitos do líder não conseguem esconder o desejo de ver mais gente afastar-se ou demitir-se. No PSD, dizem, só os “sociais democratas” têm lugar. Desde 1974, “social democrata” já significou muita coisa. Agora, parece ser sinónimo de seguidor obediente de Rui Rio.

Para governar e reformar o país, em alternativa ao PS, o PSD precisou de ser um grande partido nacional e, para ser grande, teve inevitavelmente de integrar várias correntes políticas. Mas para aspirar a mandar entre Matosinhos e Viana do Castelo, num Portugal governado em Lisboa pelo PS, não é preciso um grande partido. Basta uma pequena liga regional, assente na idolatria de um dos caciques da paróquia. No entanto, a selecção de um pessoal parlamentar ainda mais subordinado do que o costume pode indicar outra coisa: que Rio admite chegar aí através de uma manobra mais arriscada. Talvez esta: no caso de perder a presidência do PSD, nas eleições internas do fim do ano, abandonar também ele o partido, mas levando consigo uma parte do grupo parlamentar, numa segunda edição da ASDI de 1979.

Tudo isto deve fazer reflectir as gerações do PSD que em 2018, por inconsciência ou calculismo, entregaram o debate e a disputa da liderança a dois velhos abencerragens, Rio e Santana. Julgaram que estava apenas em causa saber quem iria perder nas eleições de 2019, e que a vez deles viria depois. Agora, arriscam-se a descobrir, quando regressarem, que os velhos os deixaram sem partido.

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