Claro que, em teoria, tudo podia ter acontecido, mas aconteceu o pior. O PS volta a conquistar uma maioria absoluta com o país estagnado, os serviços públicos de tanga, as instituições degradadas e muito, muito mesmo, dinheiro da Europa para estoirar. Nunca tive grandes ilusões quanto à afamada estabilidade: o país tem sido politicamente estável nas últimas décadas e não foi por isso que deixou de se arrastar penosamente até ao fundo dos gráficos europeus. A estabilidade governativa não tem sido mais que a garantia da derrocada, não é um bem em si mesmo. Os portugueses não pensaram assim. É a vida. E desengane-se quem julgar que o facto de a Iniciativa Liberal ter alcançado um bom resultado eleitoral fará com que um PS dono de um poder absoluto se revele capaz de implementar reformas. Os socialistas não o farão: o seu projecto de poder é, pelo menos desde 2005, o próprio poder, e não o vai desbaratar com mudanças estruturais na sociedade e na economia. É, pois, tempo de o centro-direita começar a pensar no estado em que quer estar daqui a quatro anos, depois de uma década ininterrupta de poder socialista e com o país ainda mais pobre, como é provável que venha a estar.

Os resultados eleitorais não foram surpreendentes. A maioria absoluta do PS talvez seja a grande novidade, mas o que é certo é que os sinais da derrota do PSD sempre foram bem visíveis. Na noite em que Rui Rio ganhou as directas arrisquei escrever aqui no Observador que António Costa, André Ventura e os Liberais podiam celebrar. Não me enganei. O PSD não foi capaz de apresentar uma alternativa; acreditou nos automatismos da alternância e o resultado está à vista. Nos próximos tempos, muita gente para as bandas do partido andará a dizer que é tempo de pensar no papel que o PSD tem na sociedade portuguesa. Não há outra forma de o dizer e terei que ser directo: com o fim anunciado do CDS, resta acabar com o que sobra do PSD, um partido de caciques locais, sem ambição nacional, sem programa, sem ideias, sem pessoas que se conheçam capazes de disputar a chefia do Governo. Não é muito o que sobra, portanto há que ser pragmático.

Há entre nós uma tendência estranha de considerar que os partidos são eternos, mesmo que a realidade comece a demonstrar o contrário. Não são eternos, de facto, e é bom que não durem quando já não se mostram relevantes. Mesmo que ainda arrastem parcelas importantes do eleitorado, os partidos podem ser politicamente irrelevantes. Porque não é a sua mera existência que lhes dá relevância: é a capacidade que têm de pôr em prática o seu projecto político.

Era, por isso, muito útil que a grande massa social, a que junta jovens e velhos, funcionários públicos e empresários, social-democratas, liberais, conservadores, democratas-cristãos, enfim, todo o tipo de reformistas, de gente com os olhos postos no futuro mas com preocupações sociais, começasse a perceber que não tem, neste momento, representação política suficiente para formar maiorias. Resta-lhes a dispersão eleitoral. É verdade que a IL pode ter muito a ganhar com esta dispersão, mas o que os liberais têm de perceber por uma vez é que se a sua meta é combater o socialismo, isso não se faz atrás de uma barricada, por mais sucesso que tenha na luta pelo terceiro lugar: faz-se federando, agregando, juntando esforços e sensibilidades diferentes com um propósito comum.

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O partido de André Ventura veio para ficar, não vale a pena negá-lo, nem insistir na conversa do costume. É natural que Portugal tenha um partido anti-sistema e populista. O que não é normal é que o centro reformador e liberal dê por perdido tanto eleitorado para esse partido. Não valerá de nada, portanto, continuar com este palavreado recente e ambíguo em relação ao Chega. É preciso que o centro reformador e liberal dê uma garantia aos portugueses: que o Chega existe legitimamente, mas não faz parte daquela família política, que tem todo o direito a existir, mas que não se conta com ele para nada. Se não o fizer, continuará o centro reformador e liberal a ver o PS perpetuar-se no poder com base na chantagem da ameaça populista: «se não votarem em nós, vem aí o fascismo!»

Este centro reformador e liberal, dizia eu, não tem representação política. Ou tem-na, mas de forma dispersa e sem capacidade de governar. E o centro reformador e liberal não se pode contentar com o exercício egocêntrico e vaidoso do debate ideológico: tem de governar, implementar um programa, mudar o país para melhor. E não o fará com o PSD a liderar esse espaço político, porque o PSD, apesar de existir de forma orgânica, deixou de representar seja o que for. Eventualmente estarei errado, mas não consigo deixar de o pensar. Que outra coisa se pode fazer a um partido que não tem, depois do golpe falhado de Paulo Rangel, uma única figura capaz de dar corpo a um projecto político vencedor?

O eleitorado existe. Falta o resto: um partido, um movimento federador, do centro-esquerda à direita democrática, com caras novas e capazes que façam a união do centro democrático, reformador e liberal. Provavelmente, continuarei a pregar no deserto, mas não vejo outro caminho.