Não sei o que escrever. Em muitas semanas, acontece-me não saber sobre que escrever. Mas sempre me desenvencilho. E, tanto quanto percebo, o impacto dos meus artigos pouco tem a ver com a certeza de que se trata do tema certo. Mas esta semana é diferente. Tenho muitas coisas sobre que escrever. Podia responder às reacções ao meu artigo sobre barrigas de aluguer, ou falar do projecto-lei das quotas que poderá ser votado esta semana no Parlamento. São artigos que já tinha mentalmente preparados. Poderia, se quisesse irritar a maioria dos que me lêem no Observador, falar sobre a descida das taxas de juro (passaram de mais de 4 para menos de 3% em três meses) ou sobre o outlook positivo da FITCH ou sobre a saída oficial do Procedimento de Défices Excessivos ou sobre as declarações de Schäuble a pretexto do sucesso que é a história do resgate português.

Mas, nesta semana, ao contrário de muitas outras, eu sei sobre o que escrever. Só não sei o que escrever. Não consigo escrever ou pensar sobre nada que não esteja relacionado com o incêndio e a tragédia que se abateu sobre tantas famílias. Desde os que morreram apanhados pelo incêndio a quem morreu combatendo o incêndio — o bombeiro que merece que a sua família seja muito bem tratada pelo Estado português. Mas não consigo dizer nada que não tenha sido já dito. Não tenho um ângulo que me permita analisar o assunto de uma forma original e tudo o que tenho a dizer parece-me banal perante o inferno a que vimos assistindo desde Sábado.

Amigos sugeriram-me que tentasse explorar o ângulo económico. Explicar como sem uma actividade económica sustentável que explorasse a floresta estaríamos condenámos a ter uma floresta ingovernável. É verdade, claro, todos sabemos. Há muito que a floresta deixou de ser o nosso petróleo verde. Sem actividade económica que a explore não é razoável esperar que ela se mantenha limpa, como tantos exigem. Só quem não sabe o trabalho que dá limpar uma mata e os custos financeiros que tal implica pode pensar o contrário. Mas, na verdade, Henrique Pereira dos Santos já escreveu e já falou sobre a Economia da Floresta. E se sobre floresta não percebo nada, sobre economia gosto de pensar que sim. Do que eu li e ouvi, quem deu os argumentos económicos mais coerentes foi Henrique Pereira dos Santos. Já o tinha feito durante a época de incêndios do ano passado e tornou a fazê-lo este ano, num artigo no Público e numa entrevista na TVI-24. Bem sei, bem sei…, quando vêm os incêndios vêm os especialistas instantâneos em fogos e combate aos fogos e em gestão florestal. Mas, na verdade, este autor escreveu sobre o assunto em Fevereiro e em Abril, pelo que se pode dispensar a acusação de que apenas escreve sobre o assunto em épocas quentes.

E vale mesmo a pena ler o artigo de Abril. Foi escrito a pretexto do processo da Reforma da Floresta que estava em curso. Depois de explicar a inutilidade, Henrique Pereira dos Santos acabou o artigo com uma predição: “O resto já sabemos: se o ano correr de feição e a meteorologia ajudar, lá veremos [o Sr. Ministro] a dizer que a reforma está a ser um êxito e a ter os primeiros resultados, e se, pelo contrário, a meteorologia trouxer uma grande área ardida e um grande alarme social com os fogos de Verão, lá o veremos dizer que ninguém estaria à espera de resultados imediatos na resolução de problemas que ninguém quis resolver nas últimas décadas.” O ministro em causa era Capoula dos Santos e já o pudemos ouvir, há uns dias, na SIC Notícias, fazendo questão de confirmar a predição feita.

O argumento económico de Henrique Pereira dos Santos é relativamente simples e perfeitamente correcto. Se a produção florestal não for economicamente sustentável, nunca teremos uma floresta bem tratada. E se não compete ao Estado substituir o mercado quando este existe, compete ao Estado suprir as falhas de mercado quando elas ocorrerem. E se o mercado, ao contrário da sociedade, não valoriza e não paga os serviços de ecossistemas, então tem de ser o Estado a subsidiar quem presta este tipo de serviços. Não faz sentido subsidiar directamente actividades como a produção de leite ou de carne, que são remuneradas pelo mercado, em vez de subsidiar actividades económicas que prestam serviços que contribuem para a limpeza das florestas, como a pastorícia, a resinagem, o corte de lenha, entre outros.

Repito, de florestas e de fogos nada percebo. Mas estes argumentos económicos fazem todo o sentido. Se a sociedade valoriza as florestas, mas o mercado não remunera os serviços florestais, estamos perante uma falha de mercado que deve ser paga com os nossos subsídios. Alternativamente, se, enquanto sociedade, não estamos dispostos a pagar o que for necessário para manter a floresta, mais vale reduzir a área florestal portuguesa. Poupam-se vidas e dinheiro a combater incêndios.

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