A direita está reduzida a um papel menor no debate político e público. Sim, estar na oposição não é fácil. E, claro, ainda mais difícil fica sem a colaboração de PCP e BE, que no passado sempre lideraram as ondas de contestação na agenda política. A situação é inédita: a direita está isolada na oposição. E, reconheça-se, não encontrou forma de dar conta do recado. Também por isso, talvez tenha chegado o momento de ponderar uma solução igualmente original.

Qual? A constituição de um governo sombra – ter um “governo” na oposição, com “ministros” informais por cada área da governação, assumindo estes a responsabilidade de acompanhar a actuação do governo, avaliar as suas decisões e propor alternativas. Trata-se de uma prática comum no Reino Unido, por exemplo. E já que a direita não se pode agarrar à irresponsabilidade com que, durante anos, os partidos mais à esquerda fizeram oposição aos governos PS e PSD-CDS, mais vale exibir comprometimento e estar na oposição a trabalhar como se estivesse no governo. Com um programa alternativo, definido e diferenciador. Com uma forte coordenação política. E com uma voz reconhecível para cada área da governação. É arriscado? Talvez. Mas, neste momento, as alternativas não são melhores. É isso que, aparentemente, muita gente à direita ainda não assimilou.

Na semana passada, Passos Coelho deu uma entrevista televisiva que, nos jornais, ficou reduzida a uma frase: se os resultados das eleições autárquicas forem negativos, não se demite. Anda tudo tão desejoso de ver Passos Coelho pelas costas que o que mais importa nas eleições autárquicas é a liderança do PSD. Obviamente, a coligação informal PS-PCP-BE agradece. Mas quem regozija mesmo com isto são algumas cabeças do próprio PSD, que a cada sondagem eleitoral encontram um bom pretexto para atiçar as tropas contra o líder, encontrando aí a resposta para um regresso ao poder. Num partido que tem por hábito sacrificar os seus presidentes, não surpreende. Mas já surpreende a insistência no irrealismo de quem acha que os problemas do PSD (e da direita portuguesa) se resolvem miraculosamente apresentando caras novas. Há ainda muita gente que não está a ver bem o filme.

A habitual alternância de poder permitiu, até recentemente, que o maior partido da oposição se sentasse à espera que chegasse a sua vez. Desgastado o partido no governo, bastava aparecer com a cara lavada e com gente nova nas posições de liderança para cativar a atenção do eleitorado. Portugal governava-se por turnos. Mas isso mudou em 2015. A maioria parlamentar que o PS compôs com PCP-BE-PEV rasgou essa tradição e alterou as regras do jogo.

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Primeiro, as eleições legislativas ficaram bipolarizadas entre esquerda-direita. Na prática, já não basta ganhar. Ou PSD-CDS formam uma maioria absoluta para governar, ou PS-PCP-BE têm condições para apoiar um governo à esquerda. Segundo, a inclusão de PCP-BE numa solução de governo esvazia a contestação social nas ruas, calando os sindicatos sob a sua influência e que, tradicionalmente, agitam a opinião pública nos seus sectores de actuação. Ou seja, um governo à esquerda tem, por definição, menor desgaste se incluir PCP e BE. Não é por acaso que António Costa já veio garantir que, mesmo que vencesse eleições com maioria absoluta, gostaria de ter PCP e BE consigo – é a forma mais eficaz de governar com paz.

Traduzindo: se alguém no PSD (e, já agora, no CDS) se convencer que basta ficar sentado à espera da sua vez, então ficará muito desiludido com o que o aguarda. É que o desafio da direita partidária não está enleado à urgência de caras novas – os partidos não podem inventar novos quadros e, quanto à liderança, veja-se o efeito nulo que a troca de Paulo Portas por Assunção Cristas teve nas sondagens do CDS-PP. Discutir Passos Coelho, Rui Rio, Paulo Rangel ou Luís Montenegro é olhar para o quadro errado.

A questão é que, seja com que liderança for, a direita tem de mudar de estratégia, porque a que usou nos últimos 20 anos já não serve. Precisa de uma ideia para o país que possa expor como sua. Precisa de construir uma alternativa que vá para além das críticas ao actual governo. Precisa de escolher bandeiras políticas. Precisa de passar para fora uma visão de longo prazo para o país. Precisa de fazer frente às opções do governo, de forma organizada e área por área. Precisa de ser futuro, e não só passado. É tudo isso que hoje falta à direita. E foi tudo isso que faltou a Passos Coelho, na sua entrevista.