Ricardo Robles, vereador do Bloco de Esquerda (BE) na Câmara de Lisboa e que durante a campanha autárquica criticava o “carrossel da especulação” imobiliária na capital, está à beira de uma mais-valia superior a quatro milhões de euros, partilhada com a irmã, com a venda de um lote de prédios em Alfama que comprou à Segurança Social em meados de 2014. Segundo notícia avançada esta sexta-feira pelo Jornal Económico, o bloquista garante que não vê “qualquer contradição” entre as posições políticas que defende e explica que a venda que os irmãos decidiram fazer se deve a “razões familiares”.

A história, contada pelo Jornal Económico, pode sintetizar-se em cinco pontos:

  • Em 2014, quando a Segurança Social colocou o lote de prédios à venda, perto do Museu do Fado, o negócio fez-se por 347 mil euros, pagos por Ricardo Robles e a irmã, Lígia Robles, que terá residência na Bélgica. Os dois irmãos pagaram esse dinheiro a meias com recursos familiares e um empréstimo feito pela Caixa Geral de Depósitos e outro pelo Montepio.
  • O edifício estava em más condições de conservação, pelo que a Câmara instou o agora vereador a fazer obras, logo em outubro de 2014. As obras foram licenciadas um ano depois e em março de 2016 os trabalhos estavam concluídos. As obras incluíram a reconversão de umas águas furtadas em mais um andar habitável.
  • A Caixa emprestou 500 mil e o Montepio 325 mil (a um juro de 16%), recursos que ajudaram a pagar o valor da compra e as obras, que terão tido um custo na ordem dos 650 mil euros. Mas no dia em que foi registada hipoteca para o banco público, foi anulada a do Montepio — o que leva a crer que o financiamento da Caixa serviu para amortizar o crédito do Montepio, com taxa de juro mais penalizadora.
  • Havia cinco inquilinos no prédio. Só um casal tinha ali a sua habitação: aceitou fazer um novo contrato de arrendamento com uma renda mais alta e um prazo de oito anos. Além deste, três inquilinos que tinham lojas aceitaram sair por comum acordo e um último, que tinha um restaurante no rés-do-chão e empregava cinco pessoas. Os irmãos ofereceram-se para pagar cinco mil euros para que ele saísse do prédio, mas o homem colocou os novos donos em tribunal exigindo receber 120 mil euros como compensação pelas obras de benfeitoria realizadas ao longo dos anos.
  • Mais recentemente, “por razões familiares”, os irmãos decidiram colocar o prédio à venda junto de uma imobiliária especializada em imóveis de luxo. O imóvel foi avaliado pela agência em 5,7 milhões e a expectativa do co-proprietário é que a venda se faça “a breve trecho”. Como o negócio é a meias, a Ricardo Robles caberá uma mais-valia bruta (excluindo impostos) a rondar os 2 milhões de euros.

As críticas que Ricardo Robles fazia à “especulação imobiliária” que lhe pode dar milhões

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Questionado pelo Jornal Económico, Ricardo Robles justifica assim a venda: “Como co-proprietário, aceitei que, por razões familiares, o prédio fosse colocado à venda”. O vereador da Câmara Municipal de Lisboa recusa a ideia de que tenha contribuído para agravar os casos de despejos na cidade, que muito critica enquanto político, lembrando que havia um casal a viver no prédio sem contrato em seu nome e que regularizou a sua situação (o tal arrendamento por oito anos), além de beneficiar das obras que aumentaram a segurança e salubridade do edifício.

[O que mudou? Veja no vídeo o antes e agora de Ricardo Robles]

“A minha conduta como co-proprietário deste imóvel em nada diminui a legitimidade das minhas propostas para parar os despejos, construir mais habitação pública e garantir o direito à cidade”, responde o vereador camarário, ao Jornal Económico.

Robles pediu para explicar caso na reunião de câmara

O vereador do Bloco de Esquerda está esta manhã numa reunião da Câmara Municipal de Lisboa, nos Paços do Concelho, e logo no início pediu a palavra para falar no caso que fez esta sexta-feira capa do Jornal Económico. “Decidiu fazê-lo por uma questão de transparência”, explicou ao Observador o gabinete do vereador no município. Perante o executivo camarário, o vereador do BE repetiu o que já tinha escrito nas redes sociais logo de manhã (ver em baixo).

Outros vereadores presentes na reunião que foram contactados pelo Observador explicaram que Robles colocou sobretudo a tónica na questão da legalidade de todo o processo que envolve o prédio que comprou em Alfama em 2014 e que se prepara para vender com uma mais valia de 4 milhões de euros. O vereador terá também sublinhado que esta é uma questão pessoal e familiar.

As explicações de Ricardo Robles, na íntegra

Já esta sexta-feira, Ricardo Robles transcreveu nas redes sociais a entrevista de esclarecimento que deu ao Jornal Económico, na íntegra.

É verdade que adquiriu este prédio por cerca de 400 mil euros, estando agora a vendê-lo por cerca de 5,7 milhões de euros?
Em junho de 2014 adquiri, em conjunto com a minha irmã, o imóvel sito na Rua Terreiro do Trigo, nºs 6 a 26, pelo valor de 347 mil euros. Em outubro de 2014, a CML comunicou-me a necessidade de realização de obras considerando o mau estado do prédio. Iniciei de imediato os procedimentos para um processo de licenciamento para obras junto da CML. A obra foi licenciada em 9 de novembro de 2015 e o alvará foi emitido em fevereiro de 2016. A obra foi concluída em março de 2017. O valor total (aquisição, projetos, licenças, obra) foi de aproximadamente 1 milhão de euros, financiado pela nossa família e mediante um empréstimo bancário contraído junto da CGD. Como co-proprietário, aceitei que, por razões familiares, o prédio fosse colocado à venda. A venda do prédio foi entregue no final do ano de 2017 à imobiliária, que o avaliou em 5,7 milhões de euros. O prédio não foi vendido e foi retirado do mercado, embora mantenhamos a intenção de venda a breve trecho.

É verdade que despejou os inquilinos, construiu um terceiro andar e agora está a tentar vendê-lo por quase 13 vezes mais?
Não é verdade. No momento da aquisição o imóvel tinha cinco contratos de arrendamento ativos: um escritório, uma habitação e três lojas. A todos, logo após a aquisição, foi formalmente comunicada a intenção de manutenção dos respetivos contratos. O escritório (nº12 1ºdto) estava abandonado e inutilizável há vários anos e o arrendatário renunciou ao contrato mediante indemnização. A loja do nº24 estava devoluta há vários anos e foi entregue sem indemnização. O inquilino da loja nº18 também optou por renúncia de contrato com indemnização. Ao inquilino da loja do nº14 foi apresentada uma proposta de aumento de renda de 270 euros para 400 euros mensais, que recusou, propondo-se renunciar ao contrato mediante indemnização de 120 mil euros por benfeitorias realizadas. A realização da obra implicava o encerramento temporário do estabelecimento, tendo sido acordado com o inquilino, em tribunal, a sua saída em outubro de 2016, com indemnização. O processo relativo às benfeitorias realizadas e reclamadas pelo inquilino ainda corre em tribunal com vista à fixação de uma indemnização justa. Relativamente à habitação (nº22 1ºesq), a mesma era ocupada por um casal que dispunha de um contrato que não estava em seu nome. O casal manifestou vontade de permanecer na mesma habitação, o que aconteceu, realizando contrato novo e regular. A renda de 170 euros e o prazo de oito anos foram acordados mutuamente.

Como conseguiu licenciar mais um andar,na zona histórica?
A ampliação do terceiro piso foi realizada de acordo com o projeto licenciado na CML com o processo municipal 365/EDI/2015 e respetivo alvará. Esse licenciamento seguiu todos os trâmites de licenciamento municipal, incluindo parecer positivo da DGPC por se tratar de uma zona histórica.

A confirmarem-se estes factos, não são contraditórios com o programa com que se candidatou, nomeadamente quanto à lei das rendas e à especulação?
Não há qualquer contradição. O programa eleitoral que apresentei à CML é claro na defesa do direito à habitação e de oposição aos despejos. O casal que vive neste imóvel nunca viu o seu direito à habitação posto em causa. Pelo contrário, viu a sua situação regularizada com um novo contrato, cujo valor de renda, prazo e restantes termos acordou previamente. Acresce que a fração onde viviam tinha riscos graves de segurança e insalubridade. Uma das paredes estava em risco de colapso. Por essa razão, realizei obras de remodelação total, no valor de cerca de 15 mil euros, durante o período em que aceitaram sair de casa para realizar a obra no prédio. Assim que a fração ficou pronta, os inquilinos regressaram (tendo aliás recusado receber a devolução das rendas pagas no período em que estiveram fora, como lhes propus).

Mas os factos que referimos confirmam-se. Ao abrigo da nova lei das rendas, comprou um imóvel, reabilitou-o e, depois, ou chegou a acordo para os inquilinos ficarem (subindo a renda) ou atuou no sentido a que saíssem . No caso do restaurante, houve postos de trabalho que se perderam. Colocou o prédio à venda e mantém, segundo diz, a intenção de o voltar a colocar no mercado. Portanto, voltamos a colocar a questão: não existe aqui uma contradição?
Não existe contradição. Imediatamente após a aquisição do prédio, fui notificado pela CML para realizar obras considerando o mau estado do imóvel e a falta de segurança de pessoas e bens. De imediato transmiti aos inquilinos a minha intenção de manter os seus arrendamentos, se assim quisessem, e regularizei o arrendamento do casal que ocupava a única fração de habitação do prédio. A necessidade de realizar obras profundas de reabilitação do prédio, inclusivamente no interior das frações, implicou a libertação temporária dos espaços, que foi acordada com os inquilinos. O único inquilino que não esteve de acordo com a libertação do espaço durante o período das obras foi o da loja nº14. Isto apesar da minha proposta de continuidade do arrendamento após as obras, com uma atualização de renda de 270 para 400 euros. Este valor está abaixo do que a lei Cristas permitiria fazer e dos preços de mercado para um estabelecimento de restauração em Lisboa e em particular naquela zona. Mantém-se a nossa intenção de colocar o imóvel no mercado, por decisão familiar. A minha conduta como co-proprietário deste imóvel em nada diminui a legitimidade das minhas propostas para parar os despejos, construir mais habitação pública e garantir o direito à cidade.

Robles diz que prédio não está à venda neste momento

O vereador bloquista já pediu, esta sexta-feira, que o Jornal Económico publique um direito de resposta a uma notícia que considera “descontextualizada” e “enganadora”. Desde logo, refere o direito de resposta, porque “o imóvel foi colocado à venda, em 2017, tendo sido posteriormente retirado do mercado”. Ainda assim, recorde-se que, na entrevista, Robles reconhece que há uma “intenção de venda a breve trecho”.

Quanto ao valor potencial de venda, os 5,7 milhões de euros não são mais do que “uma avaliação efetuada por uma agência imobiliária”. “O imóvel não foi vendido nem está à venda neste momento, sendo evidentemente desconhecidas as condições de qualquer operação que – obedecendo a constrangimentos familiares, conforme explicado por Ricardo Robles – venha a ocorrer no futuro”, refere o direito de resposta.

Além disso, o Jornal Económico decidiu omitir no destaque de capa informação relevante e atempadamente disponibilizada, preferindo descontextualizar alguns dados. Desde logo, nenhum morador saiu da sua habitação. A ideia de que “a maior parte dos inquilinos saiu”, plasmada na primeira página do jornal, surge descontextualizada e é, por isso, enganadora. As renúncias contratuais dizem respeito exclusivamente a espaços comerciais, alguns devolutos ou inutilizados, e foram acordadas com cada inquilino. Significa isto que a única família que vivia neste imóvel continua a viver, agora com a casa recuperada, com contrato em seu nome e com a duração de oito anos. Esta família paga, depois de efetuadas as obras no imóvel, uma renda mensal de 170 euros.