São o símbolo da rendição nos confrontos, mas até a bandeira branca ganha um novo sentido com a crise provocada pela pandemia da Covid-19. Na Guatemala e em El Salvador, quem tem fome e precisa de receber alimentos coloca à porta ou à janela das casas uma bandeira branca tentando receber algum tipo de ajuda que permita suprir as necessidades. Tem sido assim no último mês, mas o agudizar da situação fez com que as pessoas tenham começado mesmo a sair de casa, de bandeiras em punho para que todos percebam o que estão a fazer nas ruas: pedir comida.

É um retrato duro feito pela agência Reuters ao fim de 50 dias de recolher obrigatório decretado para fazer face à propagação da Covid-19. Há crianças e idosos no meio dos que pedem num dos bairros mais pobres de El Salvador.

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Crianças na Guatemala com bandeiras brancas junto à estrada a pedir comida

Ana Orellana há algum tempo que viu a despensa e o frigorífico ficarem vazios e viu-se obrigada a procurar comida no lixo do maior mercado do país. Em El Salvador a quarentena é obrigatória desde dia 21 de março, dois meses de dificuldades para quem já antes da pandemia vivia em parcas condições. Orellana tem 51 anos e também não tem como pagar os cerca de 75 euros de arrendamento do quarto onde vive.

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O movimento começou num bairro da vizinha Guatemala, que ficou isolado na sequência da imposição de um cerco sanitário. Foi a única forma que encontraram de comunicar com o exterior as necessidades que estavam a enfrentar: entre outras coisas, não tinham comida.

Rapidamente o movimento se espalhou por várias regiões não só da Guatemala, mas em El Salvador também, dando conta das dificuldades. Mas além da bandeira branca há a vermelha: para quem precisa de medicamentos.

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A bandeira branca pede comida, a bandeira vermelha medicamentos. Nas ruas da Guatemala

Em Tejar, a cerca de 50 quilómetros da Cidade da Guatemala, há quem tenha recebido “massa, arroz e açúcar” depois de hastear a bandeira branca na janela de casa. É o caso de Micaela Ventura, que há cerca de um mês não consegue ganhar nada no negócio que a sustenta, é vendedora de sapatos.

“Passámos momentos difíceis na vida, mas duraram uma semana”, diz Micaela, com 24 anos e dois filhos pequenos para logo acrescentar “esta crise dura há mais de dois meses e é triste acordar sem um cêntimo nas mãos”.

Quer na Guatemala, quer em El Salvador os governos já anunciaram a distribuição urgente de bens alimentares às famílias mais carenciadas, mas parecem não chegar para as necessidades.

“Preocupa-nos mais a fome que o vírus, se não morremos com o vírus morremos da fome. Precisamos de alimentos urgentemente”, apelou um vendedor ambulante de 69 anos em San Salvador. Está a viver num prédio partilhado, no centro da capital de El Salvador, com outras 100 pessoas.