A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) considerou esta terça-feira que Portugal vive “um momento difícil, mas desafiador”, com os últimos meses “abundantes em crises que adensaram a desconfiança dos portugueses em relação às instituições, em particular na esfera política e judicial”.

Numa nota sobre as eleições legislativas de 10 de março, intitulada “Restituir a esperança aos cidadãos”, o Conselho Permanente da CEP traça um diagnóstico da situação do país, alertando para as “difíceis condições de vida de tantos portugueses, em especial dos jovens”, muitos dos quais “não conseguem encontrar trabalho e, quando o encontram, o seu rendimento é insuficiente para terem uma vida digna: ter habitação, acesso à educação ou dinheiro para pagar as despesas”.

“No tempo de debate e reflexão pré-eleitoral em que nos encontramos, exige-se um diálogo honesto e esclarecedor entre os partidos políticos, com a apresentação de programas exequíveis e conteúdos programáticos que não se escondam por detrás de manobras mediáticas e defraudem a esperança dos cidadãos”, pede o Conselho Permanente da CEP, órgão presidido pelo bispo José Ornelas.

No documento, os bispos católicos lembram a encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, na qual se lê que “a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes formas de maquilhagem mediática”.

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Para a CEP, a responsabilidade para a resolução dos problemas que afetam o país “é de todos, dos políticos e de quem os elege, dos que definem projetos e de quem faz escolhas, daqueles que apresentam propostas e de quem se preocupa em delas ter conhecimento para votar conscientemente”.

“Escolher quem nos representa no Parlamento é um dever de todos e ninguém deve excluir-se deste momento privilegiado para colaborar na construção do bem comum. A abstenção não pode ter a palavra maioritária nas eleições do próximo dia 10 de março”, apela o episcopado católico português.

Segundo a nota divulgada esta terça-feira, “continua a ser inspirador para o eleitor católico o documento de 2 de maio de 2019 da Conferência Episcopal Portuguesa, ‘Um olhar sobre Portugal e a Europa à luz da doutrina social da Igreja’, publicado nas vésperas de anteriores atos eleitorais e que aponta quatro princípios a presidir à decisão do voto: toda a vida humana tem igual valor; o bem tem de ser de todos e de cada um sem ser ditadura da maioria; a casa comum é para cuidar; nem Estado centralizador, nem Estado mínimo”.

A concluir, o Conselho Permanente da CEP sublinha que os cristãos, “à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja”, têm uma “responsabilidade acrescida de participar na vida política e na edificação da comunidade” e que “votar, de forma esclarecida e em consciência, é uma responsabilidade que decorre da vivência concreta da (…) fé no meio do mundo”.

Aliança Evangélica reafirma “consciência individual” do voto mas apela a escolha de “promotores de valores cristãos”.

A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) também divulgou uma tomada de posição sobre as eleições legislativas. No documento, a organização destaca a “obrigação cívica” de votar e exorta os evangélicos em Portugal a participar na escolha de representantes para a “nobre casa da democracia”, embora sublinhe que a AEP irá manter a neutralidade na opção partidária “– como em qualquer outra ocasião”.

A AEP invoca a herança da Reforma Protestante para notar que, não obstante “a soberania de Deus”, a “autoconsciência” dos crentes move-os a escolher entre projetos para a sociedade. Daí, “agendas político-partidárias podem até coincidir com valores bíblicos, como os da justiça, da liberdade, da solidariedade, da verdade, da paz”, elencando que esses mesmos valores estão “na base de regras fundamentais” da democracias modernas, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A AEP destaca a “estrita observância e respeito” pelas autoridades políticas e “outros poderes fáticos”, acrescentando a ressalva de o enquadramento jurídico-legal não ter “sido favorável, nem a ação antagónica de certas forças sociais e religiosas” à atividade da federação dos evangélicos em Portugal, que a instituição afirma “ser a mais antiga e representativa organização protestante no país”.

Ademais, a federação dos evangélicos no país relembra que a participação política assenta “na base da consciência individual de cada um”, pelo que alerta para a “instrumentalização das comunidades e organizações de âmbito religioso e espiritual” e, em específico, para usar “o púlpito para a mobilização em torno de projetos político-partidários específicos”.

A AEP evoca “cristãos comprometidos” como William Wilberforce, um deputado britânico decisivo para a abolição da escravatura em Inglaterra, cuja intervenção foi motivada pela conversão, e Martin Luther King Jr., que era pastor evangélico, para sublinhar que “a sociedade só fica a ganhar quando os atores políticos seguem” os valores bíblicos. Desse modo, a organização exorta os cristãos evangélicos a contribuir para que “a próxima legislatura possa ter entre si promotores dos valores cristãos”, destacando de novo a base “pessoal, livre esclarecida e transversal” do voto.