Os números são diferentes, têm sido usados para ilustrar argumentos sobre a evolução dos salários e, embora sejam verídicos, representam realidades e universos que podem ser bem distintos. No último fim de semana, o Governo lançou um comunicado em que garantia que o salário médio declarado à Segurança Social subiu 7,2% em 2023. A nota surgiu depois de uma notícia que apontava, com base em dados do INE, para aumentos líquidos de 2,97% que se traduziram numa perda real, tendo em conta a inflação.

Já esta quinta-feira, novos dados do INE indicam aumentos nominais de 6,6%, mas bem inferiores se os preços forem tidos em conta (2,3%). A que se referem uns e outros números?

Salário médio acelerou em termos reais no final do ano. Em 2023, cresceu 2,3% para 1.505 euros

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7,2% é o aumento bruto das remunerações regulares declaradas à Segurança Social (inclui privado e funcionários públicos que descontam para a Segurança Social)

No passado fim de semana, o Ministério do Trabalho lançou um comunicado no qual se lia que o salário médio declarado à Segurança Social subiu 7,2% (98 euros) para 1.463 euros em 2023. Esse valor representa a “remuneração média declarada à Segurança Social” pelas empresas com referência aos “trabalhadores por conta de outrem” e exclui os funcionários públicos que começaram a trabalhar no Estado antes de 2006 e que, portanto, descontam para a Caixa Geral de Aposentações (a partir desse ano, passaram a ser inscritos na Segurança Social).

2,97% é o aumento líquido (após descontos e contribuições) obtido no inquérito ao emprego (por amostragem)

O comunicado surgiu dois depois de uma notícia, do jornal Eco, dar conta — com base em dados do INE— que o salário médio mensal em termos líquidos (ou seja, após as contribuições sociais e retenção na fonte de IRS) subiu 30 euros para 1.041 euros no ano passado, um aumento de 2,97% que não chegou para compensar a inflação média de 4,3% registada naquele ano. Ou seja, já após os descontos, nas contas do jornal, o salário médio ficou a perder 13,47 euros com o agravamento dos preços.

Na metodologia da base de dados em causa, o INE indica que a fonte é o inquérito ao emprego, que resulta de um inquérito por amostragem e que segue uma metodologia comum à escala europeia e que não é uma base administrativa (como são a declaração de remunerações na Segurança Social ou na Caixa Geral de Aposentações para parte da função pública).

No comunicado, o Governo não se pronunciou sobre os dados do salário líquido do INE e salientou, antes, o aumento bruto de 98 euros aferido com base nos salários declarados à Segurança Social. Também sublinhou a adoção de medidas complementares ao rendimento, como a subida das pensões (uma parte segundo o que dita a lei), do complemento solidário para idosos, do abono de família, da garantia para a infância ou os apoios extraordinários à renda ou às famílias mais vulneráveis.

6,6% é o aumento bruto da remuneração total (inclui setor público e privado)

Esta quinta-feira, o INE divulgou novos dados sobre a evolução dos salários, desta vez da “remuneração bruta total mensal média por trabalhador“, por posto de trabalho, que subiu 6,6% em 2023, de 1.412  para 1.505 euros. Em termos líquidos, descontando IRS e contribuições sociais, segundo cálculos do Observador, os 1.505 euros representariam para o trabalhador 1.135,45 euros mensais de salário líquido (165,55 seriam para contribuições e 204 euros para retenção na fonte).

Além da remuneração total, o INE distingue entre a remuneração regular (que cresceu 6,6%) e a base (que subiu 6,8%). O que significa cada uma?

Nos três casos trata-se da remuneração bruta (antes das contribuições sociais e da retenção na fonte de IRS). Segundo o INE, a remuneração base inclui apenas o vencimento base e, em 2023, representou 75,9% da remuneração brutal mensal total. Já a remuneração regular é a soma da remuneração base com “componentes remuneratórias regulares”, como subsídio de alimentação (na parte sujeita a tributação), diuturnidades ou prémios de antiguidade e outras prestações desde que tenham caráter mensal. Como exclui subsídios de férias e Natal, é menos sazonal do que a total. Em 2023, representou 80,8% da remuneração bruta total por mês.

Por fim, a remuneração total inclui, além das anteriores, por exemplo, ajudas de custo, compensações por cessação dos contratos, honorários de prestação de serviços nas situações de acumulação, subsídio de férias e Natal, trabalho suplementar, bónus não regulares, entre outros.

Em todos os casos, os dados não resultam de um inquérito, como no exemplo anterior, mas da informação declarada na Segurança Social pelas empresas e na Caixa Geral de Aposentações. Ao Observador, o INE refere que abrange trabalhadores por conta de outrem (não trabalhadores independentes, que não têm uma remuneração propriamente dita). Cada trabalhador é contabilizado tantas vezes quanto o número de “empregos” registados.

“Por exemplo, um trabalhador com dois empregos em dois empregadores distintos é contabilizado duas vezes”, adianta. E especifica que no caso dos dados da Segurança Social, além dos trabalhadores por conta de outrem, são incluídos também os armadores, docentes proprietários de estabelecimentos de ensino, membros de órgão estatutário e os trabalhadores do serviço doméstico.

Pelo menos parte da subida pode ser atribuída ao salário mínimo nacional, que em janeiro de 2023 avançou 7,8%, de 705 euros para 760. Outra parte terá acontecido por aumentos acima do mínimo, isto porque o Governo tem dito que o peso do salário mínimo sobre o emprego diminuiu em 2023, de 24% para 21%.

O INE também distingue entre o setor da administração pública e o privado — o primeiro tende a ter, devido à composição do emprego, salários mais elevados mas viu as remunerações crescerem menos do que o segundo (5,9% em termos nominais para 2.072 euros e 1,7% em termos reais; face aos 7,2%, para 1.396 euros, e 2,9%, respetivamente, do privado).

Estes 7,2% estão em linha com o que foi avançado no fim de semana pelo Governo, que os usa, num comunicado desta quinta-feira, para defender que se “superou” o referencial de aumento dos salários de 5,1% para 2023, previsto no acordo de rendimentos assinado em outubro de 2022. Este referencial inclui a remuneração fixa dos trabalhadores e foi aferido em termos brutos. Ou seja, à luz dos dados divulgados pelo INE foi cumprido.

Mas em termos reais, os dados também mostram que o crescimento foi menos expressivo, devido ao efeito da inflação (que abrandou — não caiu — no final do ano): no setor privado, tendo em conta os preços, os salários subiram 2,9%. No total do ano, a inflação foi de 4,8%, abaixo dos 7,8% de 2022.

Há, porém, realidades muito distintas entre setores e nem todos terão cumprido, globalmente, a meta traçada de 5,1% (que é, por exemplo, um requisito para aceder ao benefício em sede de IRC).

Olhando para a remuneração bruta regular, que é menos sazonal do que a total, quatro setores ficaram aquém: as “atividades financeiras e de seguros”, que têm 88 mil trabalhadores, viram o salário regular crescer 3,9% (4,8% no caso do base); na “eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio”, que emprega 11 mil pessoas, a subida foi de 4,1% e 4,2%, respetivamente; na “agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca”, que tem 111 mil trabalhadores, foi de 4,6% e 5,1% e na educação, com 267 mil trabalhadores, foi de 5% em ambos os casos (na remuneração total já atingiu os 5,1%).

Ao Observador, o INE explica que a remuneração bruta mensal média por trabalhador corresponde ao rácio entre o volume de remunerações pago pelas empresas e o total de trabalhadores nessas empresas. “Por essa razão, a sua evolução reflete variações no volume das remunerações pagas (como, por exemplo, o pagamento de bónus, de subsídio de férias ou de trabalho suplementar), mas também no número de trabalhadores e na sua composição, sobretudo em termos de características não observadas nesta base de dados (a tempo parcial vs. a tempo completo; nível de escolaridade; profissão; anos de experiência; horas trabalhadas; entre outras)”, indica.

2,3% é o aumento bruto da remuneração total (inclui público e privado) mas tem em conta o efeito da inflação

Em termos gerais, juntando público e privado, o aumento na remuneração total de 6,6% traduziu-se numa subida real de 2,3%. No caso da componente regular, os 6,6% de aumento nominal significaram uma variação real de 2,2% e na componente base a subida de 6,8% significou, com a inflação, 2,4%.