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As bananas, o Fortimel, Regula e as palavras que rimam. Estivemos nos bastidores das campanhas de PS e AD

As ruas como trunfo, as bananas e o Fortimel como kit de sobrevivência, o estudo da UE e os momentos de tensão alimentados de fora. Os bastidores das campanhas que querem vencer a caminho de Bruxelas.

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Quanto mais curta é a distância, mais dura é a campanha. Sebastião Bugalho e Marta Temido estão próximos nas sondagens e isso leva exigência a ambas as campanhas, que tentam seguir o primeiro de todos os ensinamentos: não cometer erros. Apesar de seguirem numa bolha e de estarem, muitas vezes, em ambientes controlados, os candidatos enfrentam sempre a incerteza da rua, num contacto com os eleitores de que não fugiram. A senhora pandemia e o senhor comentador testaram a popularidade e deram-se ambos bem. Não conheciam as máquinas partidárias, mas acomodaram-se bem a elas.

Os momentos de maior tensão acabaram por vir de fora da bolha onde seguem os candidatos. No caso de Marta Temido, quando não conseguiu esconder o desagrado após uma pequena entrevista no Telejornal ou quando foi questionada sobre o caso das gémeas. Já Sebastião Bugalho teve o seu momento mais tenso quando foi abordado por um jornalista sobre uma eleitora que tinha acabado de lhe confessar que ia votar numa mulher. Entre inseguranças de principiante, máquinas profissionais e experiência mediática, o Observador acompanhou os bastidores das campanhas da AD e do PS nas últimas duas semanas.

Pacotinhos de fruta, Shakespeare e Regula. A improvável (primeira) campanha de “Sassá”

O ponteiro do relógio está em cima da uma da tarde e Sebastião Bugalho já está atrasado para o almoço na República dos Galifões, em Coimbra, com estudantes universitários. Ainda vai fazer declarações aos jornalistas e posiciona-se no meio da roda. “Mais para aqui? Estou bem aqui? Bem dispostos?” Enquanto espera pelo direto de uma televisão, faz sinal ao jornalista para tirar qualquer coisa que está na sobrancelha e vai lá ele mesmo ajeitar. “Eu quero é que estejas bonito, pá.”

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Nessa altura, já estava há nove dias na estrada com uma comitiva atrás, comícios e contactos com a população pela frente, é cercado para declarações pelo menos uma vez por dia — normalmente ao final da manhã — e ainda parece desconfortável com o estar do lado de lá. “Eu também fui colega dele”, disputa quando ouve conversas de jornalistas que trata por tu e pelo nome, mesmo quando estão em direto e está a responder a perguntas. Antes de ir para a campanha, diz ao Observador, recebeu conselhos de alguns ex-líderes do PSD, falaram-lhe da necessidade de resistência física e psicológica para atravessar a estrada eleitoral com tudo o que ela tem, mas um deles, que também foi primeiro-ministro (e que Bugalho não quer dizer quem é), avisou-o: “Não se esqueça de que já não é jornalista”.

Antes do debate das rádios, nos estúdios da RTP

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Parece ser mesmo o conselho mais difícil de seguir para Sebastião Bugalho, que tantas vezes corrige perguntas, aponta gralhas em textos, comenta ângulos, demora-se mais do que a comitiva gostaria em análises e responde aos jornalistas ele próprio com perguntas — aqui, talvez já a entrar na nova persona. A passagem foi radical, mas não é nova na política. Saiu diretamente de um estúdio televisivo, onde era comentador, e antes disso tinha sido jornalista no jornal i, cobrindo a área para onde agora saltou. “É uma boa escola para a política”, comenta-se na sua comitiva.

[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]

O treino do processo de síntese, a necessidade de transformar ideias muitas vezes complexas numa mensagem simples. Saber estar à frente de uma câmara, conhecer os seus tempos e exigências. São todas vantagens que lhe foram encontradas quando começou a conversar com o diretor de comunicação da sua caravana sobre esta candidatura. Não conhecia Gonçalo Villas-Bôas, que trabalhou anos em Bruxelas com o eurodeputado (agora ministro) Paulo Rangel, e só se conheceram duas semanas antes da campanha. Foi quando ouviu que tudo aquilo tinha também uma desvantagem: era preciso limpar o analista e criar o protagonista.

No carro, Bugalho segue sempre com o diretor de comunicação Gonçalo Villas-Bôas

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A sombra que veio de uma entrevista em pré-campanha (e não só)

“Obrigado, bom dia a todos”. Aprendeu a fórmula mágica de pôr fim às mini conferência de imprensa, mas ainda hesita muitas vezes. Notou-se à saída da Fundação Champalimaud, logo no segundo dia de campanha, quando usou a técnica para terminar as declarações, mas ainda ouviu uma jornalista pedir uma reação à maior crítica que vem do lado de lá: a candidatura não defende os direitos das mulheres? Travou, hesitou, mas o assessor não dá hipótese. “Bom dia, bom dia.” E seguiram pela porta de vidro rapidamente para uma das três carrinhas Mercedes pretas, de vidros fumados, que os levam na campanha.

[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]

Se bem que, nesse caso, também se tratava de um tema bicudo para o candidato que, na semana antes, tinha dado uma entrevista ao podcast de Daniel Oliveira e se tinha embrulhado na questão sobre se era a favor ou contra a Interrupção Voluntária da Gravidez. “Não estava a contar com isso, não estava a contar com isso”, disse enquanto limpava a testa anunciando que não tinha “uma posição fácil” sobre o assunto. “Não quero reverter a lei”, acabou por afirmar por entre declarações de fé, que dizia ter uma “importância brutal” na sua vida. O episódio não mais foi largado pelas adversárias à esquerda, Marta Temido e Catarina Martins, e isso mexeu com o candidato muito particularmente durante toda a campanha.

À noite, depois do comício de Pombal, chega ao hotel em Espinho, onde a comitiva fica no Norte

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Como se viu na manhã de Vila Nova de Gaia, no sábado, quando uma senhora tirou uma selfie com o candidato, mas também lhe disse que desta vez queria votar numa mulher e um jornalista aproveitou o episódio para o confrontar com as acusações adversárias. A resposta começou com um sorriso e ironia: “Se achasse o que o meu amigo acabou de dizer provavelmente não tinha parado para tirar uma selfie comigo na rua.” Ouviram-se risos na comitiva, numa tentativa de apoio, mas o candidato não deixou de começar a galgar por cima de nova pergunta do jornalista: “Portanto, portanto, portanto… o que lhe pedia era que fizesse uma pergunta bem fundamentada, factual e bem intencionada para podermos responder ao telespectadores e eleitores de forma informada.”

Nos dias seguintes, a candidatura queixou-se das leituras feitas daquele momento e do aproveitamento político e da “narrativa da oposição”. Aliás, logo no almoço seguinte, em Paços de Ferreira, o candidato voltou ao episódio da manhã para falar de tudo o que tinha em cima: a pressão dos “adversários” e a “imprecisão da comunicação social”. E aproveitou para dizer que, com a sua candidatura, os direitos das mulheres estão protegidos — sentiu-se também o peso do inquérito aberto contra si em 2021 num caso de violência doméstica e entretanto arquivado por falta de provas. Em entrevista ao Expresso, já nesta campanha, Bugalho tentou pôr uma pedra sobre o assunto: “Não houve qualquer indício, prova ou testemunho desse crime, e de nenhum outro. E por uma razão muito simples: é que ele não aconteceu.” Mas na coligação sentem-no nas entrelinhas dos ataques que vêm da esquerda.

Em Espinho, num momento de descontração com a equipa.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Telefonemas a Montenegro e marrar dossiês

Está lá no meio e quase não se vê entre câmaras, cabos, microfones. Tarefa só mesmo fácil para o diretor de campanha, Emídio Guerreiro, que é suficientemente alto para ver por cima dos tripés e ir comunicando com o diretor de comunicação pelo olhar. Aparentam ser aqueles os momentos de maior tensão na caravana, quando o candidato está uns minutos a ser confrontado por jornalistas.

À candidatura que é da AD — o que já obriga à articulação de dois partidos (o terceiro, o PPM, é quase sempre esquecido, até em referências) – junta-se ainda um rosto na linha da frente que é de um independente que até há mês e meio era um frenético comentador televisivo. Ainda faltam uns minutos para um direto televisivo e o diretor de comunicação já está totalmente focado no momento, a espreitar lá atrás entre as câmaras e a pôr-se em bicos de pés, quando necessário, para fazer sinal de que acabou.

Sebastião Bugalho garante que não há articulação e que não está constantemente ao telefone com Luís Montenegro para afinar ideias. Diz, por exemplo, que soube que vinha aí o plano para as migrações, aprovado pelo Governo na segunda semana de campanha, quando o líder do PSD e primeiro-ministro estava ao seu lado na rua, em Santa Maria da Feira, e o disse em resposta a uma pergunta dos jornalistas sobre a situação da AIMA.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

É um tema central na campanha nestas eleições, na perspectiva europeia, mas garante que teve o plano nas mãos pouco antes dos jornalistas. O candidato assegura que o alinhamento aparece de forma “natural” tendo em conta “o programa estruturado da candidatura”. Na resposta às perguntas do Observador fica claro que a preocupação com esta resposta é sobretudo garantir que não está espartilhado e que ninguém controla o que diz.

Já contou que estava no carro, a caminho de casa com as compras no banco do lado, quando o líder do PSD o convidou para assumir a candidatura da AD e aceitou. Nos dias seguintes, teve de varrer dossiês: o Tratado de Lisboa, o relatório de Letta (sobre o mercado interno), diz que correu ainda a atividade da Comissão e do Parlamento Europeu nos últimos 5 anos, que está online, e as prioridades para a década. Não revela com quem se preparou, apenas adianta que teve a ajuda de “dois portugueses com grande contributo em Bruxelas nos últimos 20 anos” que “foram imprescindíveis na sua generosidade”.

Assume também constantemente o apoio da única eurodeputada que Luís Montenegro manteve na sua lista de candidatos, Lídia Pereira, na preparação da candidatura. É também líder da juventude do PPE e faz a ligação direta com o partido. O diretor de campanha e o diretor da caravana, o deputado Paulo Cavaleiro, também entram nesta ponte. Mas no terreno estão sobretudo entregues à gestão da agenda e de outra articulação de peso quando se joga um ato eleitoral que tem dificuldade em arrancar os eleitores de casa (ou da praia, se o tempo estiver para aí): articular a volta com as estruturas locais, encher gimnodesportivos e praças, garantir que a palavra chega à claque, para depois se espalhar localmente. E também rezar para que os atrasos não deitem tudo a perder.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Acordar sem despertador e música consoante o humor

São — sem grande novidade numa campanha — muitos os atrasos. A caravana começa a carburar cedo, com o candidato a acordar pelas oito da manhã e, desde que começou a campanha, sem precisar de despertador. A essa hora já tem os resumos das primeiras notícias e do que vai marcar o dia feitos por Gonçalo Villas-Bôas. Falam logo aí, mas a preparação do que se vai fazendo nestes dias de estrada acontece sobretudo na carrinha que os transporta.

Por mais acertos que se façam, a agenda facilmente derrapa e num instante os atrasos vão crescendo, sendo os maiores provocados pelas figuras mais altas que vêm de fora. Aconteceu quando Pombal esperou mais de uma hora por Montenegro, tinham estado juntos num hotel, cada um a preparar as intervenções da noite e chegaram juntos ao jantar-comício, numa das carrinhas da caravana. E aconteceu também quando o mandatário nacional da candidatura, Carlos Moedas, fez o candidato esperar ao sol em Alcântara, para um encontro de jovens de onde o autarca saiu a correr logo depois de intervir.

Na caravana está sempre a número três da lista, Ana Miguel Pedro (do CDS) e também a mandatária nacional, Ana Gabriela Cabilhas, presenças constantes ao lado do candidato. Os conselheiros mais diretos de Bugalho nesta estrutura são o diretor de comunicação, a eurodeputada Lídia Pereira e também João Magalhães, um social-democrata que trabalhava na Câmara de Cascais e agora está no Ministério das Infraestruturas. Afinam esquemas sobretudo no carro, que é onde passam grande parte do dia.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

No rádio vai a tocar qualquer playlist do Spotify, dependendo dos humores. Quando sai de debates ou de momentos de grande tensão, por exemplo, o cabeça de lista põe um trio polaco de jazz, Marcin Wasilewski Trio. Quando é para mobilizar, avança com Regula. Numa estação de serviço na A1, onde esteve fechado dentro do carro para o debate com Francisco Paupério, na rádio Observador, Sebastião Bugalho explica a importância da música associadas a momentos e em como pediu que, para anunciar a sua entrada nos comícios, fosse tocada uma música da peça “Henrique V”, de Shakespeare, sobre a Batalha de Agincourt (guerra dos cem anos), quando o exército inglês, em desvantagem numérica e supostamente comandado diretamente pelo rei, venceu o francês.

Não partiu em desvantagem para esta campanha: a AD ficou à frente em março, embora siga frágil no Governo. Mas sabe que a vitória é difícil e no terreno tem-se se apresentado como um contra todos. Vítima de “ataques pessoais”, a que não responde, e no centro dos discursos dos seus adversários. Teve o líder do PSD em campanha em quatro momentos até esta sexta-feira de manhã, mas ainda o terá no Chiado esta tarde, e sempre com esta linha presente em paralelo com a da vitimização de um Governo que garante estar a governar mais do que o PS em oito anos, mas com bloqueios parlamentares.

Pacotinhos de fruta, cajus e fortimel

No terreno, a caravana teve algumas flutuações. O aparelho, renascido das cinzas de oito anos de pousio no poder central, cumpriu no apoio ao independente que foi namorando o partido. Mas se começou por apostar forte no mediatismo do candidato e da sua capacidade em mercados e feiras, na segunda semana — normalmente mais dada ao efeito de crescimento da onda —  andou mais por dentro de portas. Fora delas, o Governo ia avançando com medidas que o candidato ia jurando não estar a aproveitar, numa tentativa de nacionalização da campanha, mas que ajudam a criar uma perspetiva favorável à AD.

O flirt de Bugalho com o PSD pelo país. E o partido gosta

Só nos últimos dias é que se viram as maiores enchentes em comícios, naquilo que na comitiva se descreve como os “dias de pés no ar”. E foi  mesmo literal: em Famalicão dois dos seguranças que acompanham o candidato na rua levantaram-no em ombros no final do comício. Foi a primeira vez que aconteceu e foi também o primeiro comício com mais de mil pessoas na assistência e que acabou com o candidato com menos um botão na camisa.

Durante a tarde, em Braga, Emídio Guerreiro já o tinha espicaçado no meio da arruada pelo centro da cidade. Quando o viu a saltar com os jotas da AD, uns de camisola laranja PSD outros de azul CDS, deu-lhe um apertão: “Pára de saltar e vai falar com as pessoas”. Nos altifalantes ouve-se sempre aos berros a música que veio da campanha de março, cozinhada pela equipa do publicitário Sérgio Guerra, a prometer que a AD vai “por Portugal/agora é hora de/fazer o meu país mudar”.

Sentado num dos sofás, chama o técnico que acompanha há anos campanhas do PSD, “Teixeira, senta-te aqui”. Levanta-se e vai buscar uma cadeira para o seu lado e depois cervejas para quem quiser, para ele em garrafa. Não conhecia todos os que ali estão, mas já trata todos por “amigos”. Diz que se riem muito nas deslocações e recordam entre risos o momento em que alguém disse que na sexta a caravana “teria Von der Leyen” e o candidato percebeu que tinha de ir à “Feira de Gaia”.

Abre a mochila para mostrar as pastilhas para a garganta, recomendação do líder do partido, que leva lá dentro. No carro tem sempre uma lancheira verde com pacotinhos de fruta, cajus, barras de cereais, às vezes sandes de rosbife (quando vem de casa) e Fortimel. A bebida proteíca que o Presidente da República celebrizou por dizer que substitui bem refeições. Sebastião, que também salta refeições, concorda que resulta mesmo. Lembra o conselho do histórico assessor do PSD, Zeca Mendonça, que lhe mostrou a sede do partido pela primeira vez quando ainda era jornalista (tinha feito o mesmo com o seu pai, também jornalista): em campanha, sempre que for possível comer, come; e sempre que houver uma casa de banho, vai.

Também não tem lido, diz que precisa de concentração para isso. Na campanha só a consegue ter por vezes na carrinha quando enfia os phones com isolamento de ruído e põe música. Às vezes adormece. Outras, Sassá (como consta no Spotify) canta Regula. “Muito tempo fora, mas chegou a hora/O momento é agora, testemunha uma nova aurora/Testemunha o meu triunfo/Enquanto eu parto para o destrunfo/Enquanto eu parto esta porra toda/Antes que eu parta esta porra toda”. Se verá se vai ser como na canção.

O cumprimento entre os dois principais adversários no fim do debate das rádios

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A equipa exigente, a mesa de cabeceira cheia e as bananas SOS. Como se faz a preparação em contrarrelógio de Marta Temido

Marta Temido está de mochila às costas, caderno rabiscado na mão e anda, há vários minutos, em círculos à porta do hotel portuense onde está instalada, em silêncio. Como se de uma experiência científica se tratasse, é observada a poucos metros de distância pela sua equipa e pelo Observador, enquanto memoriza as últimas notas mentais para o discurso que fará já a seguir, um dos mais importantes da campanha. Não terá muito tempo para dedicar a este momento de concentração: já passa da hora a que devia estar na Alfândega do Porto, para um comício onde a aguardam Francisco Assis, Pedro Nuno Santos e o candidato socialista à Comissão Europeia, Nicolas Schmit. Por isso mesmo, passado uns instantes o diretor de campanha, Pedro Espírito Santo, aproxima-se da candidata para lhe indicar que tem mesmo de entrar no carro. O momento chegou.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A cena passa-se no primeiro sábado da volta pelo país, dia tradicionalmente forte na campanha do PS, depois de Marta Temido já ter passado pelos pontos de agenda em que costuma mostrar-se mais à vontade: os contactos com as pessoas, na rua e em feiras. A descontração das primeiras horas do dia, no mercado de Angeiras, onde cantou ao lado de Pedro Nuno Santos antes de almoçar umas sardinhas assadas (um dos seus pratos prediletos) já lá vai. A esta hora, o ambiente parece mais tenso. Minutos antes do seu momento privado à porta do hotel, Temido reúne-se com a sua equipa mais próxima (Pedro Espírito Santo, o adjunto para conteúdos Alexandre Ferreira e o assessor de imprensa David Damião, com o fotógrafo Paulo Vaz Henriques por perto) para rever as ideias principais do seu discurso, com o Observador a assistir ao momento.

É ali, nos sofás do hall de entrada, que Espírito Santo vai recordando em modo acelerado os vários pontos de agenda a que Temido ainda terá de dar atenção nesse dia, com a candidata a olhar em frente e a responder “certo”, “certo”, a cada um, como que absorvendo a informação — comentará depois, em tom de gracejo, que o facto de contar com vários antigos chefes de gabinete dos governos costistas na equipa significa que tudo é preparado ao pormenor e que tem de pedir “licença para respirar”. A piada é lançada por entre muitos elogios à equipa e sem que a candidata questione a agenda frenética que lhe vão desenhando: coloca-se nas mãos do “coletivo”, pouco habituada a estas andanças (pelo menos, de forma tão intensa como nesta campanha em que é cabeça de lista).

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Depois, Espírito Santo passa a recordar-lhe a ordem das intervenções do comício e sugere, “sem querer bagunçar as ideias” da candidata, dois pontos que deve ter presentes: é preciso fazer um apelo ao voto antecipado (que acontecerá no dia seguinte, domingo) e “não esquecer” que Schmit foi “o primeiro, até num contexto adverso”, a defender que a Europa devia ter uma resposta séria e “consubstanciada, financeiramente” à questão da Habitação. Temido sorri mas reage com alguma tensão: “Estás a pôr-me nervosa. Mais alguma coisa?”. Há mais coisas, sim: o diretor de campanha ainda lhe pede que coloque um “elemento pessoal” no conteúdo do tempo de antena que irá gravar nesse dia. E informa-a de que mandou libertar “o vídeo da carta da senhora”.

O vídeo em causa mostra Temido a contar a história de uma carta que lhe foi enviada, assim como a António Costa, por uma mãe recém-divorciada, para agradecer a gestão do PS na pandemia, e será divulgado pouco depois. Temido mostra-se, num primeiro momento, aflita: “Mas a carta não foi divulgada, pois não?”. “Não, é só a tua reação”. “Estava aqui a ter uma apoplexia…”, comenta a candidata, perguntando de seguida aos elementos da sua equipa: “Vocês estão especialmente preocupados?”. “Zero preocupados! Só estamos a dar-te os elementos todos”, reage prontamente o diretor de campanha, num tom tranquilizador.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nos segundos seguintes ainda terá tempo, juntamente com Alexandre Ferreira, de dar um conselho final à candidata: “foneticamente”, fica melhor dizer “casas, rendimentos e direitos” do que “casas, rendimentos e liberdades”, quando lançar o semi-soundbite que a acompanhará durante o resto da campanha, ao dizer que essas três prioridades são os pilares da “agenda europeia do progresso” que os socialistas querem promover na Europa. (O conselho será cumprido: apesar de voltar a rir-se e a dizer que a equipa quer “dar cabo” dela, Temido não se esquece e, cerca de uma hora depois, fala mesmo em “direitos” para rimar com casas e rendimentos).

A vantagem é que Temido é uma “fast learner” (ou seja, aprende rápido), como se comenta na caravana socialista. Ainda assim, a preparação da candidata-surpresa às eleições europeias (tendo em conta que era apontada, há meses, para a Câmara de Lisboa) teve de ser feita em modo contrarrelógio, o que não é o cenário ideal para alguém que está habitado a ter um “conhecimento especializado” dos temas e agora tem de responder a perguntas sobre tudo o que possa ter a ver com temas europeus, tendo a “broad picture” destas eleições na cabeça. Com frequência, Temido mostra uma certa falta de experiência na arte de contornar as questões dos jornalistas para conseguir inserir o discurso que preparou, um hábito que quem costuma andar em campanha precisa de dominar, sob pena de falhar a mensagem do dia.

Essa mensagem vai sendo construída e, também por isso, explica Temido ao Observador, tem neste momento na mesa de cabeceira uma pilha de “documentos de base” da UE, assim como livros sobre o projeto europeu, e conta com a ajuda de antigos eurodeputados do PS — sobretudo Pedro Silva Pereira, pelo conhecimento “transversal” que tem dos dossiês (é vice-presidente do Parlamento Europeu), e Margarida Marques — para se pôr a par da empreitada que tem pela frente. Com Pedro Marques também vai falando por videochamada. Entretanto tem à sua espera, mas sem previsões de o terminar, o mais recente livro de Bernardo Pires de Lima, “O ano zero da nova Europa” — curiosamente, apresentado por António Costa há semanas, no Centro Cultural de Belém (“acho que já estou há várias noites a ler o mesmo parágrafo, mas os olhos fecham-se…”, lamenta).

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A campanha vai assentando fortemente na tal componente de “contacto com a população” que parece ser feita com facilidade pela candidata. Nas ruas, Temido é frenética, quer falar com toda a gente, puxa conversa e não desiste enquanto não souber mais sobre a árvore genealógica do interlocutor, as compras que este leva no saco ou outros assuntos que lhe ocorram na altura. Numa ocasião, faz questão de distribuir folhetos quando os carros da caravana já estão parados à sua espera, numa rua com algum movimento em Portimão, enquanto a equipa chama por ela: “Ó Marta, o carro já está aqui!”. Noutra, o Observador encontra a candidata já de madrugada numa estação de serviço — está a cantar os parabéns a um elemento da sua equipa que faz anos e, ao descobrir que a funcionária da bomba também cumpre mais um aniversário no mesmo dia, repete o cântico e reentra automaticamente em modo campanha, oferecendo-lhe brindes do PS (sacos de pano e até uma bandeira) pela ranhura que costuma servir para o cliente passar o pagamento e receber os seus trocos.

Essa parece, para Temido, a parte mais fácil; talvez por isso diga ao Observador que não considera excessivo o ritmo da campanha, que muitas vezes mal lhe permite estar mais do que alguns minutos numa visita planeada (o Centro das Migrações do Fundão e a incubadora ligada à Universidade do Minho, a Ubimedical, são corridos em tempo recorde). Isto apesar de se alimentar sobretudo de snacks (leva sempre bananas e iogurtes consigo), de saltar refeições — entre descansar e comer prefere mesmo descansar, depois de tomar um banho frio para relaxar, explica — e de as ações, sobretudo as de rua, se multiplicarem ao longo dos dias.

Sobre essas, que por vezes sofrem alguma alteração, a equipa está “sempre a bombar” e vai atualizando o guião a seguir — às vezes, sabe “às quatro da manhã” o que terá para fazer no dia seguinte, conta no carro, já a caminho da Alfândega do Porto. Os ajustes também passam muito pelas mãos do adjunto para a logística e agenda, Daniel Soares (que trabalhava com Duarte Cordeiro no Ministério do Ambiente), que vai compondo as ações e alterando o que for preciso, sempre presente no terreno. Quando as novidades sobre uma agenda intensa são mais “difíceis” de transmitir, lá vem Espírito Santo “com um sorriso” para dourar a pílula, ri-se Temido, descrevendo o diretor de campanha como uma pessoa “focada nas soluções”. E, quando não estão todos juntos, comunicam por WhatsApp — o grupo mais “divertido”, conta Temido, é o que se chama “Na estrada”, com este núcleo mais próximo, mas haverá cerca de vinte grupos no total, para coordenar as diferentes equipas — agenda, redes sociais, imprensa. Também existe um que só inclui os candidatos, e outro com apenas os dez primeiros nomes da lista. E, no telemóvel de Temido, ainda existe o grupo de “presidentes de concelhia”, função que exerce em Lisboa e que reforçou a ideia de que acabaria por ser candidata a Lisboa.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O foco está, no entanto, em Bruxelas, embora a cada passo se vá falando da sua experiência nacional na vertente mais conhecida: a pandemia. Dificilmente passa uma arruada ou um passeio por um mercado sem que alguém, geralmente pessoas mais velhas, lhe agradeça pelo trabalho feito durante essa época, com alguns interlocutores a mostrarem-se emocionados. A candidata vai respondendo que o trabalho foi de “todos”, mas a caravana socialista alimenta esse foco, inventando cânticos à medida: “Venceu a pandemia/com saber e empatia”, gritam os jotas na rua.

O ambiente entre a equipa é normalmente de boa disposição — foi na pandemia, diz ao Observador, que aprendeu a importância de trabalhar bem em equipa, enquanto Espírito Santo revela que o grupo de trabalho mais próximo costuma receber mensagens de “alento” de Temido. Mas há momentos de irritação que contrariam pontualmente a imagem de simpatia que Temido vai espalhando pelas ruas, e que nas cabeças socialistas é essencial para promover a candidata. Um deles acontece durante um debate, quando cola ao principal adversário, Sebastião Bugalho, o rótulo de “imaturo” por ter dito que a vinda de Zelensky representou um “dia de festa” para Portugal. O momento não foi planeado, explica ao Observador: “Fui muito espontânea. Eu estava mesmo zangada. Não com o Sebastião Bugalho, mas porque achei que era mesmo uma coisa que não se devia dizer. Qualquer pessoa que tivesse dito aquilo ter-me-ia chocado. Porque comecei-me a lembrar daquilo que vivi numa circunstância dura, que não foi uma circunstância, apesar de tudo, de guerra.  E achei até um pouco ofensivo. Não se diz”.

Outro momento de irritação acontece já na reta final da campanha, quando, numa entrevista em tom duro na RTP conduzida por José Rodrigues dos Santos, remata, ao ouvir o agradecimento do entrevistador: “Não posso dizer o mesmo, mas obrigada”. Mas talvez o ponto mais sensível seja o que rebenta na véspera do final da campanha, quando sai a notícia de que António Lacerda Sales, seu antigo secretário de Estado, foi constituído arguido no caso das gémeas. No mercado da Figueira da Foz, Temido mostra-se impaciente com as perguntas sobre o assunto e acaba por disparar: “Não tenho nada a ver com isto”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A candidata até admite que de vez em quando tem “mau feitio”, mas a equipa assegura que vai colaborando com tudo o que é preciso fazer — incluindo os vídeos que é preciso ir gravando para as redes sociais a meio da campanha, por exemplo um em que mostra o que leva na mochila cinzenta, marca Converse, todos os dias — sem levantar problemas. Será resultado dos conselhos mais úteis que diz que recebeu para esta campanha: “Sê tu própria. Fala devagar. Não te enerves”. Do marido, a quem vai enviando “o que sai” sobre a campanha e de quem recebe sempre “sinais e feedback“, traz outra máxima: a campanha é para fazer com “boa disposição e colarinhos duros”.

Ainda assim, a parte “dura” das declarações costuma ser sobretudo assumida pelas outras figuras do PS que vão aparecendo na campanha — os eurodeputados que agora cessam mandato, apesar do incómodo que a limpeza total da lista gerou, passam pela volta nacional e deixam elogios a Temido, e o mesmo acontece com nomes como Elisa Ferreira, Augusto Santos Silva, Carlos César e Alexandra Leitão — mas esse papel é sobretudo assumido por Pedro Nuno Santos, que está na campanha praticamente todos os dias. Além das críticas aos adversários e ao Governo, o líder socialista vai passeando pelas ruas ao lado de Temido elogiando-lhe a “empatia” ou a “relação com os portugueses”, tudo com origem na pandemia. A equipa diz que Pedro Nuno prefere mesmo que Temido vá a “guiar” as arruadas, distribuindo beijos e abraços na linha da frente. Para o líder ficam invariavelmente os discursos mais longos, mais políticos e que mais facilmente fazem títulos nos jornais do dia seguinte.

A campanha é, como seria de esperar, ocasionalmente tomada pelos temas nacionais do momento: é o que acontece em Bragança, numa manhã da segunda semana de campanha, quando a comitiva socialista começa a sentir os telemóveis a vibrar e percebe que a proposta do PSD para reduzir o IRS foi chumbada. Momentos depois, a consequência lógica: a proposta do PS passou no Parlamento, com abstenção do Chega e votos favoráveis da esquerda. Pedro Nuno Santos e Carlos César agarram-se ao telemóvel e o secretário-geral do PS não tarda em afastar-se da confusão para receber, ao telefone, mais pormenores sobre a votação. Numa campanha em que o PS passa o tempo a colar a direita tradicional na Europa à extrema-direita, o socialista sabe que será questionado pelos jornalistas sobre se está a surgir uma aliança parlamentar entre o Chega e o PS. Nesses momentos, o palco é do líder — os temas europeus seguirão dentro de momentos.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

 
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