794kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

GettyImages-1888141118
i

O ataque de 30 de dezembro de 2023 fez pelo menos 25 mortos e mais de 100 feridos. Kremlin promete reagir para evitar mais bombardeamentos

Anadolu via Getty Images

O ataque de 30 de dezembro de 2023 fez pelo menos 25 mortos e mais de 100 feridos. Kremlin promete reagir para evitar mais bombardeamentos

Anadolu via Getty Images

"Ato terrorista", "jogo de vingança" ou "nova tática da Ucrânia": o que se passa em Belgorod, cidade russa sob bombardeamentos diários?

Pela primeira vez desde o início da guerra, Ucrânia leva a cabo ataques continuados em solo russo. Belgorod tornou-se palco de novo escalar do conflito. Mas pode representar nova fase da invasão?

    Índice

    Índice

A música ambiente do centro comercial contrasta com o som contundente das sirenes. O sino da igreja também toca, como se nada se tivesse passado. Mas a pista de gelo está vazia, sem ninguém, cheia de fragmentos de míssil — que continuam a cair. Há um corpo no meio da rua, ensanguentado e coberto de forma improvisada com uma lona laranja, e um carrinho de bebé tombado do outro lado. Os moradores não têm dúvidas: “A vingança chegou”. 

Eram 15h00 do dia 30 de dezembro de 2023. Um dia aparentemente calmo. Mas tudo mudou de repente. A Ucrânia respondia ao ataque da Rússia do dia anterior, um dos maiores desde o início da guerra, e que fez pelo menos 33 mortos e mais de 100 feridos. O alvo escolhido foi Belgorod, cidade no sudoeste da Rússia, a cerca de 40 quilómetros da fronteira com a Ucrânia. Resultado? Pelo menos 25 mortos, incluindo cinco crianças, e centenas de feridos.

Foi mesmo “o bombardeamento mais violento” da Ucrânia em Belgorod. A expressão e os relatos do cenário pós-ataque são reunidos pelo Meduza, órgão de comunicação social independente russo. Desde aí, as ofensivas não param, com notícias diárias de novos ataques. Será mesmo uma situação inédita desde o início da invasão, a 24 de fevereiro de 2022: ataques diários e repetidos da Ucrânia em território russo. Vladimir Putin sempre disse que a “operação militar especial” não iria afetar o quotidiano e a segurança dos cidadãos russos. Mas, neste início de ano, Belgorod tornou-se um exemplo falhado dessa promessa.

Como começaram os ataques a Belgorod?

No dia 29 de dezembro de 2023, a Rússia lançou um ataque em larga escala em toda a Ucrânia. Várias cidades, nomeadamente a capital Kiev, foram atingidas. Os primeiros dados apontavam para pelo menos 33 mortos, mas o número de vítimas tem aumentado em atualizações diárias das autoridades ucranianas. Nesse mesmo dia, a Força Aérea da Ucrânia afirmou ter abatido 87 mísseis de cruzeiro e 27 drones, de um total de 158 lançados pela Rússia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

"Os ataques ucranianos a Belgorod, mais do que um objetivo de natureza militar, procuram provocar efeitos de natureza política"
Major-general Arnaut Moreira

Foi neste contexto que a Ucrânia avançou sobre Belgorod. No dia seguinte, a 30 de dezembro, começava “a resposta” das tropas de Zelensky. Mas porquê Belgorod?

“É um importante ponto logístico. É um local de concentração de tropas, reservas e abastecimento da Rússia nesta guerra. Daí que a Ucrânia ataque esta região”, começa por explicar ao Observador o major-general Isidro Morais Pereira. O especialista militar fala ainda em ataques de “importância estratégica” face à proximidade de Belgorod com a fronteira russa.

E quais podem ser os objetivos da Ucrânia? O major-general Arnaut Moreira também fala num “alvo de oportunidade”, face à proximidade com a Ucrânia, mas vai mais longe.

Os ataques ucranianos a Belgorod mais do que “um objetivo de natureza militar, procuram provocar efeitos de natureza política sobre o regime de Putin, suscitando a questão da incapacidade do Kremlin de proteger os seus cidadãos numa zona tão sensível como é esta cidade de fronteira, tão próxima da Ucrânia. Há poucos ou nenhuns ganhos de natureza militar neste tipo de aproximação. Foi claramente uma resposta a um incidente de uma envergadura total exercida pela Federação Russa às cidades ucranianas”, explica.

Em resumo, o também professor de Geopolítica e de Geostratégia considera que Vladimir Putin tentou lançar uma mensagem de força, com os ataques de 29 de dezembro, e considera que “a Ucrânia procurou responder no mesmo patamar de natureza psicológica e política da guerra”.

GettyImages-1888249879
Cerca de 300 pessoas já foram retiradas de Belgorod para um "local seguro", depois dos ataques
Anadolu via Getty Images
GettyImages-1900664289
Os bombardeamentos da Ucrânia a Belgorod têm acontecido de forma diária e repetida, desde 30 de dezembro de 2023
Anadolu via Getty Images
GettyImages-1900664486
Pela primeira vez desde o início da guerra, as autoridades russas pediram aos habitantes para que protegessem as janelas "com fita adesiva", face aos fragmentos de míssil
Anadolu via Getty Images

Mas ataques da Ucrânia a Belgorod não são situação inédita. Em maio de 2023, um grupo de combatentes armados fez uma incursão terrestre na região. Na altura, o ataque foi reclamado pela “Legião Liberdade para a Rússia”, um grupo de cidadãos russos que combatem do lado da Ucrânia. Kiev negou qualquer responsabilidade e ligação com o grupo. De acordo com as autoridades russas, esta operação resultou em oito feridos civis.

Da bandeira azul e branca às ligações à oposição a Putin e a Kiev. O que é a Legião de Libertação Russa, autora dos ataques em solo russo?

Para o politólogo e especialista em movimentos extremistas José Filipe Pinto, a novidade desta vez é que a Ucrânia assumiu os ataques como uma resposta à Rússia. Na análise do professor e investigador, a Ucrânia tem vários objetivos.

“Em primeiro lugar, os ataques destinam-se a estender o conflito à Rússia para criar um clima de insegurança nas zonas fronteiriças. E, ao mesmo tempo obrigar à deslocação de população mais para o interior da Rússia. E esta alteração na vida habitual da população vai afetar a moral russa e mostrar que, afinal, a guerra não se passa apenas na Ucrânia, mas que também se pode passar na Rússia, e que Moscovo também pode sofrer consequências muito semelhantes”, diz ao Observador.

Também Isidro Morais Pereira fala numa nova abordagem da Ucrânia: “Ataques da Ucrânia a território russo não são novidade, mas ataques de forma diária é uma situação nova. Podemos afirmar que a Ucrânia está a aplicar uma nova tática, uma nova metodologia”. O major-general Arnaut Moreira concorda: “Belgorod não é uma alvo inesperado, o que é inesperado é a intensidade e, sobretudo, o efeito de repetição”.

Centenas de pessoas retiradas, férias escolares prolongadas, cursos de primeiros socorros e fita-adesiva nas janelas

“Tenho visto apelos de moradores nas redes sociais, a dizerem que estão com medo e a pedirem ajuda. Claro que vamos ajudar!”: as declarações são de Vyacheslav Gladkov, governador de Belgorod, e surgiram no Telegram, no dia 5 de janeiro. O governador tem feito atualizações diárias nas redes sociais, com novos dados sobre a situação operacional.

De acordo com os últimos números, cerca de 300 habitantes foram retirados de Belgorod. Vyacheslav Gladkov explica que foram levados para “locais seguros”. E garantiu que todos os habitantes que quiserem sair podem pedir ajuda às autoridades russas. Esta segunda-feira, adiantou que autoridades regionais também receberam mais de 1.000 pedidos para enviar crianças de Belgorod para campos escolares fora da cidade.

Rússia retira cerca de 300 pessoas de Belgorod

Também devido aos ataques, as férias escolares foram prolongadas, as lojas foram fechadas, as missas festivas de Natal (ortodoxo) canceladas e os habitantes receberam cursos de primeiros socorros. As autoridades pediram ainda aos moradores para que protegessem as janelas com fita adesiva, para fazer face a possíveis fragmentos de projéteis.

Para o major-general Isidro Morais Pereira, estas “medidas de caráter defensivo” mostram a “eficácia dos ataques ucranianos”.

GettyImages-1890173381

No centro da cidade, com cerca de 300 mil habitantes, há um memorial de homenagem às vítimas

Anadolu via Getty Images

Também ouvido pelo Observador, o especialista militar Arnaut Moreira explica que a Rússia não está a conseguir responder aos ataques da Rússia por motivos de gestão de recursos: “Todos os sistemas de defesa anti-aérea são limitados. Estes dispositivos ou cobrem umas áreas ou cobrem outras. E a Rússia tem de tomar decisões”. Ou seja, na análise do especialista, as tropas russas estão a posicionar-se em certas zonas, em detrimento de Belgorod. Já a Ucrânia está a investir mais recursos nestes ataques.

E perante ataques em solo russo com armas fornecidas pelo Ocidente e o elevado número de vítimas civis, pode a Ucrânia sofrer consequências? O major-general Isidro Morais Pereira duvida.

“A Rússia não tem moral nenhuma para apontar dedo à Ucrânia. Não é de esperar censura por parte da comunidade internacional. Se compararmos o que a Ucrânia está a fazer com o que a Rússia já fez, é uma proporção de 1 para 1000. E não há nenhum indício de que a Ucrânia esteja a atacar de forma deliberada populações. O que Kiev tem dito é que os objetivos são militares”, afirma.

Em agosto, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia afirmou que Kiev iria respeitar qualquer restrição à utilização de armas fornecidas pelo Ocidente em solo russo. O ministério da Defesa da Rússia afirma que a Ucrânia utilizou mísseis Vilkha e Vampir MLRS e que a maioria deles foi intercetada. O Kremlin considera que, ao atacar Belgorod, as Forças Armadas da Ucrânia estão a tentar “desviar as atenções das derrotas na frente”.

“Ataques a Belgorod não fragilizam Putin. Até podem servir os seus interesses”

Esta terça-feira, o dia começou com o porta-voz do Kremlin a afirmar que o exército russo fará tudo para impedir os ataques em Belgorod. “O nosso exército continuará a fazer tudo ao seu alcance para, primeiro, minimizar o perigo e, depois, eliminá-lo completamente”, disse Dimitry Peskov. Antes, Vladimir Putin já tinha prometido “intensificar” os ataques contra a Ucrânia e descreveu o ataque de 30 de dezembro a Belgorod como “um ato terrorista”.

"Estamos a assistir a um jogo de vingança"
Major-general Isidro Morais Pereira

De recordar que, em março de 2024, há eleições presidenciais na Rússia e Vladimir Putin já anunciou que é recandidato. Para o politólogo José Filipe Pinto, a atual situação em Belgorod não vai afetar o presidente russo.

“Penso que este ataque a Belgorod até serve os interesses de Putin e que não o fragiliza, porque é mais uma razão para explicar que a segurança da Rússia e a independência do país está em causa; o que é um dado falso, mas estas falácias colhem muito junto da opinião publica, principalmente quando sentem que a guerra chegou também à Rússia, ainda que a uma franja limitada. E isto justifica as suas medidas securitárias, de economia de guerra. Vamos assistir não a uma fragilização da posição de Putin, mas a uma necessidade da população de manter no poder um líder que lhes garanta a sobrevivência”, explica ao Observador.

A Ucrânia passou de agredido a agressor na guerra?

O especialista em movimentos extremistas considera ainda que, nos próximos dias ou semanas, a Rússia vai voltar a retaliar. “É mais provável que a Rússia ataque a Ucrânia. Não me parece que a Ucrânia consiga atacar mais do que as zonas fronteiriças russas”, defende. Já o major-general Isidro Morais Pereira não tem dúvidas: a resposta da Rússia já começou, com constantes ataques diários: “Estamos a assistir a um jogo de vingança”.

Volodymyr Zelensky ainda não reagiu de viva voz aos ataques a Belgorod, na Rússia. O exército de Kiev, de acordo com a imprensa ucraniana, tem afirmado que os objetivos são puramente militares.

Logo no dia 30 de dezembro, e a pedido da Rússia, o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se para discutir os ataques da Ucrânia a Belgorod. O organismo “condenou de forma inequívoca qualquer ataque a cidade, aldeia ou vila, tanto na Ucrânia, como na Rússia”.

Kuleba garante que “congelamento” da guerra não está “em discussão”

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos