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As candidaturas às eleições autárquicas estão apresentadas e os partidos emergentes — cada um à sua maneira — procuram implementação local para os próximos quatro anos. Mas de que forma estas eleições podem ou não ter repercussões nacionais ou até definir o futuro de alguns destes partidos? À primeira vista, o Chega parte em vantagem pelo número de autarquias a que se candidata, mas Iniciativa Liberal (IL) e PAN nem sequer entram nessa luta, ficando pela estratégia de consolidação do crescimento dos respetivos partidos. Já o Livre apresenta-se em Lisboa coligado com Fernando Medina depois de um tropeção chamado Joacine Katar Moreira, que acabou por deixar o partido sem representação parlamentar.

Em Lisboa, a autarquia mais importante do país, o Livre apresenta-se de braço dado com o PS, mas PAN, Chega e IL optaram por candidaturas próprias para se afirmarem e poderem, longe da proteção dos grandes, mostrar ao que vêm. A vereação é um sonho para todos, mas nem isso dita certezas para as eleições legislativas. A projeção que a autarquia lisboeta confere pode ser a boia de salvação que uns tanto precisam, a confirmação de sondagens e aspirações para outros ou apenas mais um balde de água fria nos partidos com percursos mais atribulados. Que partido ocupa cada lugar nesta corrida eleitoral em Lisboa.

Medina, a boia de salvação que o Livre precisava?

Depois de ter conseguido representação parlamentar em 2019, o Livre rompeu com a deputada única Joacine Katar Moreira e desde então pouco se ouviu falar no partido que parece não conseguir descolar do “one man” Rui Tavares, um dos fundadores. E é novamente Rui Tavares que se coloca em cena, depois de ter vencido nas diretas do partido, e assume a coligação com o PS do recandidato Fernando Medina.

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Livre. Como funciona o partido que não tem um líder?

Com a promessa de assumir a pasta da Cultura, Ciência, Conhecimento e Direitos Humanos num futuro executivo de Medina, dentro do partido esta coligação foi vista com naturalidade. Ao Observador fonte do Livre frisa que o partido “já tinha acordo com o Partido Socialista nos últimos quatro anos”, ainda que estivesse longe de qualquer função executiva. “Já participávamos na governação. Queremos que a partir das eleições os lisboetas possam confiar, continuar a governar e que participem através do Rui Tavares”.

E depois do conturbado processo com Joacine Katar Moreira, “confiança” pode ser mesmo a palavra-chave para tentar colocar o partido novamente com boa aceitação entre os eleitores para as legislativas futuras. Para já, o partido recusa extrapolar possíveis leituras do resultado das autárquicas para um nível nacional “sob pena de desvalorizar as eleições autárquicas”.

Medina diz que tem uma “visão convergente” com a de Rui Tavares sobre “o futuro da cidade” de Lisboa

Ainda assim, o politólogo André Azevedo Alves considera que o Livre continuará com “muita dificuldade em recuperar da rutura com Joacine Katar Moreira”. “Rui Tavares poderá ter maior projeção no período pós-autárquicas, mas será muito mais centrado na figura de Rui Tavares do que no partido”, diz ao Observador, notando que a coligação com Medina é “uma situação de oportunidade ou oportunismo circunstanciada na pessoa de Rui Tavares” que, considera, “em termos de partido não é muito significativo”.

Já Adelino Maltez encontra na coligação entre o PS e o Livre em Lisboa uma “tradição” socialista: “É uma velha e antiquíssima tradição desse tipo de esquerda e do PS a dizer ‘podem vir para cá que têm lugar’. É a coisa mais rotineira da história do Partido Socialista”.

Azevedo Alves considera que o Livre “vai fazer quase uma prova de vida” com esta coligação à autarquia da capital. Com “muito pouca implantação nacional”, nota o politólogo que a base eleitoral do partido “está concentrada em Lisboa e num núcleo em torno de Rui Tavares”.

Ao Observador, fonte do Livre justifica a opção pela coligação pré-eleitoral como resultado de uma avaliação de que “a esquerda devia continuar a governar e que o Livre tinha um contributo a dar para o governo da cidade”, isto depois de nessa avaliação ficar claro que “havia um risco da direita se reorganizar e tomar o poder”.

IL está numa “maratona” e recusa-se a correr os 100 metros

A Iniciativa Liberal decidiu ir a votos numa candidatura própria a Lisboa, deu uma nega à coligação encabeçada por Carlos Moedas e, mesmo após um contratempo que obrigou à troca de candidato, não desistiu de ter uma “cruzinha no boletim”. Bruno Horta Soares, candidato à Câmara Municipal de Lisboa, admite ao Observador que o objetivo da IL é “crescer de forma sustentada e orgânica”, de eleição para eleição, mas sempre a dar possibilidade de os defensores do liberalismo terem em quem votar. Foi esse o mote para a candidatura a Lisboa.

O politólogo Azevedo Alves considera que, tendo em conta que a IL vai a votos com o movimento de Rui Moreira no Porto, em Lisboa foi quase uma “obrigação” apresentar um candidato próprio. Enquanto essa presença na Invicta é uma “vitória garantida para a IL” — com a eleição mais do que provável de um vereador com marca liberal e com Tiago Mayan Gonçalves “provavelmente eleito” na junta de freguesia de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde. Este cenário, enaltece o politólogo, traria um “PSD muito histórico sem juntas de freguesia e IL com uma”.

Focado novamente na capital, Azevedo Alves diz ainda que um resultado ao nível das legislativas — que levaram o partido a conquistar o primeiro deputado — seria “muito mau” para a IL, “mas noutras autarquias, com resultados melhores, não seria necessariamente um mau resultado a nível nacional”.

Por outro lado, o politólogo José Adelino Maltez compara a postura da Iniciativa Liberal com a do Livre para dizer que é “completamente diferente” e que, se fosse seguida a “tática do Rui Tavares” na IL “já estavam agarradinhos ao Moedas e nunca mais tinham voz própria”.

Com o intuito final de crescer e de implementar a semente liberal, Horta Soares não compara partidos emergentes por acreditar que todos surgiram devido a uma “identidade específica”, pela falta de uma determinada ideologia na política portuguesa, e não nota que exista “sobreposição temática nos novos partidos”. A “grande competição” está, diz, em mostrar uma “forma diferente de estar na política” e que a “alternativa” se faz com a eleição de pessoas. Na visão do candidato a Lisboa é “mais um processo de David e Golias do que combate entre os pequenos partidos”.

E quando compara a Iniciativa Liberal com o Chega faz questão de vincar as diferenças: “Nós estamos numa maratona e o Chega numa corrida de 100 metros, duas abordagens muito diferentes à política partidária.”

Adelino Maltez concorda: “O eleitorado da IL é muito específico.” Para o bem e para o mal. “Não estou a ver nenhum velhinho que recebe tratamento da Santa Casa da Misericórdia a votar na IL, nem a maioria do eleitorado de Lisboa. A IL está virada para um grupo social futuro, mas podia agregar outras pessoas”, aponta o politólogo, entre elogios de que a “grande força da IL é ter um bom deputado e serem os mestres do marketing”. “A IL o melhor partido português em golpes de marketing”, insiste.

PAN. A ambição de maior representatividade e hipótese para consolidar nova liderança

Depois da saída do líder André Silva e de Inês Sousa Real ter assumido os destinos do partido, a candidatura daquela que foi a mandatária de Sousa Real à liderança do partido — Manuela Gonzaga — à autarquia de Lisboa mantém o fio condutor do PAN: com eleitorado fiel, que se revê nas causas e na ideologia do partido.

Autárquicas. Escritora Manuela Gonzaga é candidata do PAN à presidência da Câmara Municipal de Lisboa

Essa é aliás uma das características que, segundo o politólogo Azevedo Alves, aproxima o PAN e o Iniciativa Liberal. Ambos com eleitorados essencialmente das grandes áreas urbanas e que se revêem na ideologia concreta dos respetivos partidos. Ao Observador, Inês Sousa Real reconhece que o PAN tem “uma forte expectativa de eleger vereadores pela primeira vez” em resultado do “trabalho sólido e consistente” e da “agenda verde para a cidade” que o PAN diz ser o único a apresentar.

A líder do partido destaca que o PAN “conseguiu crescer de forma consolidada” e que teve resultados “sempre acima das projeções” feitas pelas sondagens e parte para as eleições de 26 de setembro com esse objetivo.  Sobre uma eventual penalização da bipolarização da eleição em torno de Medina ou Moedas, Sousa Real diz que “os eleitores lisboetas têm de perceber que votar útil é votar em quem tem trabalhado pela cidade e em quem traz uma agenda consistente com os valores do século XXI”.

“Votar útil é dar oportunidade a outros para que possam fazer diferente. Votar sempre nos mesmos e esperar resultado diferente, não é votar nos que já tiveram oportunidade de mostrar que podiam ter feito diferente e não o quiseram”, aponta a líder do partido ambientalista e animalista.

No encerramento do VIII Congresso do PAN, que levou Sousa Real ao poder, a líder já tinha deixado claro que as eleições autárquicas — e as negociações do Orçamento do Estado — seriam duas provas importantes para o PAN ainda este ano, depois de várias convulsões internas e da saída de André Silva.

Entrelinhas de Inês Sousa Real. Recados para dentro, porta aberta para o OE e a ambição de ser Governo

Adelino Maltez diz ao Observador que o PAN é “o último dos partidos com grande ideologia”. “O PAN é o mais identificável de todos, tem uma ideologia que só se fizerem muitas asneiras é que a perdem. É um nicho de mercado eleitoral sempre rentável”, aponta o politólogo que acrescenta que “o PAN não cresce muito, mas tem resistência” já que o trabalho vai além dos deputados na Assembleia da República, através dos deputados municipais que o partido já conseguiu eleger nas anteriores eleições autárquicas.

Já Azevedo Alves considera que o teste eleitoral em Lisboa, um dos locais onde o PAN tem maior implementação é um importante teste à liderança de Inês Sousa Real. “Será muito diferente se o PAN nos principais centros urbanos tiver 1-2% ou 4-5%, as perspetivas que se abrem para as próximas legislativas é diferente”, afirmou alertando para que resultados menos positivos possam “aumentar a turbulência interna para o PAN nos próximos tempos”.

Chega conseguiu um “pequeno império” para as autárquicas e já só quer nadar no aquário dos grandes

O Chega apresenta candidaturas a cerca de 220 municípios do país nas primeiras eleições autárquicas em que vai a votos e, só nesse número, Adelino Maltez considera que foi dado o salto para deixar de ser visto como um partido emergente. “Nenhum dos outros atinge os calcanhares dessa cifra”. O partido de André Ventura assume-se como tendo conseguido um “pequeno império relativamente aos colegas pequeninos”. E o politólogo diz mais: “Se tiver 5% tem uma assinatura de membro do sistema.”

Azevedo Alves concorda e admite que há uma “expectativa mais alta”, já que Ventura tem consecutivamente afirmado que pretende ser o terceiro maior partido português e “as autárquicas são um passo nesse sentido”, tendo em conta que é o único partido dos emergentes que “vai concorrer com uma cobertura muito ambiciosa do país”.

Para já, uma coisa parece certa na visão dos politólogos: o Chega compara-se com os grandes — PSD, PS e PCP — nos que toca a número de candidaturas e vai além da “consolidação de IL e PAN que procuram um crescimento sustentado e afirmação nacional”. No futuro, só os resultados que daí advêm podem levar a conclusões.

Nuno Afonso, coordenador autárquico do Chega, não acredita que o partido ainda esteja a concorrer com os partidos emergentes. “Nós estamos num patamar diferente. Nós queremos assumir-nos como a terceira força política, como uma alternativa quer ao PS, quer ao PSD. Queremos estar ao nível deles, ser um partido grande”, explica, realçando que isso leva a um distanciamento dos partidos emergentes, “não só em Lisboa mas a nível nacional”.

E o politólogo Azevedo Alves acredita que se o Chega começar a ser “de forma sistemática o terceiro partido” e se continuar a haver uma “queda do PSD”, o Chega pode aproveitar uma “fragilidade do PSD” para “gradualmente substituir-se [ao partido de Rio] no espaço de direita”.

Adelino Maltez está certo que a implementação local começa no número de candidaturas e Azevedo Alves traça ainda um cenário mais à frente, que diz não ser provável mas que “é possível numa autarquia de menor dimensão, com um candidato com historial relevante e possa gerar um resultado surpreendente”: o Chega eleger um presidente de câmara. “Não é fácil uma viragem em autárquicas (…) mas não é impossível e se acontecesse era muito relevante em termos simbólicos para o Chega”.

E mais: muitos consideram que Ventura é um partido de um homem só, mas Adelino Maltez não tem dúvidas de que este Chega já vale mais do que o líder por “exprimir uma ânsia social” que é espelhada no número de candidaturas conseguidas em território nacional.

Relativamente a Lisboa, o politólogo Azevedo Alves lembra que o partido trouxe para as eleições alguém com “notoriedade”, mas nota que Nuno Graciano tem mostrado “impreparação”, nomeadamente nas entrevistas que já deu sobre as eleições autárquicas. Contudo, também considera que isso pode vir a ser uma defesa para o partido: “Se o Chega na grande Lisboa tiver um conjunto de bons resultados e resultado fraco para a Câmara Municipal de Lisboa isso fica reduzido a uma má escolha de candidato.”