796kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Tiago Neves Sequeira sustenta que é bom senso Portugal ter equilíbrios orçamentais
i

Tiago Neves Sequeira sustenta que é bom senso Portugal ter equilíbrios orçamentais

Tiago Neves Sequeira sustenta que é bom senso Portugal ter equilíbrios orçamentais

"Devíamos ser capazes de conseguir o consenso necessário para olhar para a fiscalidade em Portugal", diz Tiago Neves Sequeira

Os impostos são altos e Portugal devia conseguir chegar a um consenso para olhar para a fiscalidade e torná-la mais "amiga" da produtividade, sustenta Tiago Neves Sequeira, professor de Economia.

É “bom senso” que Portugal consiga equilíbrios orçamentais e também é positiva a opção por reduzir a dívida pública. Tiago Neves Sequeira, professor de Economia na Faculdade de Coimbra, aponta, no entanto, para os endémicos baixos crescimentos da economia portuguesa.

Em entrevista ao Observador, a propósito do Orçamento do Estado para 2024, o professor apela a consensos, nomeadamente para se olhar para a fiscalidade em Portugal e para se assumir reformas para que ano a ano não haja mudanças sempre que o orçamento é aprovado. “Muitas vezes alteram-se políticas estruturais como políticas da educação, políticas da saúde, políticas que são muito importantes para o crescimento e para a produtividade”, até pelos mesmos espectros políticos, insiste.

Oiça aqui a entrevista a Tiago Neves Sequeira

Ter contas equilibradas “é questão de bom senso”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Governo reviu a sua estimativa de crescimento económico e espera agora, para 2023, um crescimento de 2,2%. Isto significa que os dois últimos trimestres não vão ser de grandes crescimentos. O Banco de Portugal até espera que tenha havido uma contração no terceiro trimestre. Este orçamento é realista, prudente, insuficiente?
Em relação às previsões macroeconómicas, parece que o governo foi bastante realista, em linha com as instituições não só nacionais, Conselho das Finanças Públicas, Banco de Portugal, mas também internacionais. Há claramente um abrandamento da economia nos dois últimos trimestres e para o ano prevê-se uma taxa de crescimento ainda mais baixa, embora positiva, o que foi realçado pelo Governo.

A projeção é de uma taxa de 1,5% em 2024. É um mau sinal?
É um sinal de abrandamento da economia. A economia portuguesa, pelo nível de rendimentos que tem, deveria, segundo as regras da economia, digamos assim, crescer a taxas mais elevadas, porque os países que têm um desenvolvimento menor têm características naturais que fazem com que o investimento seja mais produtivo, a não ser que haja barreiras. Portanto, tendencialmente, para as mesmas condições, um país mais pobre tende a crescer mais do que os países mais ricos. Claro que isto, quando se passa para a evidência, não é sempre assim. Mas não é sempre assim porque essa característica natural está condicionada pelas barreiras que as políticas económicas, as circunstâncias lhes impõem.

Mas esse 1,5% de 2024 já está a absorver, de alguma forma, uma contração da Alemanha, por exemplo?
Estará sim, sem dúvida. E as incertezas que o mundo atravessa — o prolongamento da guerra com Ucrânia, o espoletar eventualmente da guerra no Médio Oriente, ainda não está incorporado, mas é um fator de incerteza que fará as instituições reverem provavelmente em baixa estas estimativas para 2024, dependendo da evolução destes fatores geopolíticos que, mais do que antes, estão a condicionar o crescimento da economia, principalmente da economia europeia, que está muito perto e vulnerável a estas circunstâncias. E não tanto da economia americana, o que é um bom sinal, porque é a maior economia do mundo. E a economia chinesa, a segunda maior economia do mundo, tem dado alguns sinais de abrandamento. Portanto, no curto prazo é um bom sinal que Portugal ainda consiga crescer, ou pelo menos em expectativa esperamos crescer, mas tendo em conta o médio e longo prazo, as taxas de crescimento de Portugal são baixas relativamente àquelas que nós gostaríamos que fossem e àquelas que o nosso nível de desenvolvimento anteciparia.

As taxas de crescimento são muito baixas. O Governo até reviu em baixa, do Programa de Estabilidade para a proposta de Orçamento, o crescimento do PIB potencial. Temos um problema de crescimento endémico?
Temos um problema de crescimento endémico desde há 20 anos. Portugal teve uma performance de crescimento muito boa em décadas anteriores do século XX, mas estamos praticamente com o mesmo nível de PIB per capita do que estávamos em 2000. Isso é particularmente grave para as nossas ambições como população, como povo, de conseguir convergir para aquilo que são os nossos parceiros mais ricos da União onde estamos, que é a União Europeia.

Consegue-se resolver um problema endémico de crescimento com o Orçamento do Estado, com uma política orçamental?
Apenas se a política orçamental for consistente, credível e que envolva um certo consenso e que não se ande sempre alterar orçamento a orçamento.

Que é o que acontece?
É o que acontece na realidade, porque há poucos consensos. E muitas vezes alteram-se políticas estruturais como políticas da educação, políticas da saúde, políticas que são muito importantes para o crescimento e para a produtividade. Também se alteram políticas de incentivos à produtividade e, às vezes até, os mesmos espetros políticos mudam de agulha de orçamento para orçamento. A política fiscal em Portugal tem dado, nos últimos orçamentos, passos que não são bem amigos da produtividade, quer da produtividade das pessoas, dos trabalhadores e daí da sua capacidade de gerarem valor para as empresas e terem melhores salários, isto está ligado, quer também da produtividade do capital, ou seja, das pessoas que investem nas suas empresas. Porque é que eu digo isto? Há dois fatores principais, não tem só a ver com o nível da taxa média de IRS ou IRC, tem também a ver com muitas mexidas na estrutura dos impostos. A estrutura fiscal em Portugal é muito complicada, cheia de escalões no IRS — tem nove escalões. Apenas dois países nas estatísticas da OCDE, que é o México e outro país da América Latina, têm nove escalões de IRS. A generalidade dos países da OCDE, com os quais nos comparamos, nomeadamente os europeus, tem cinco escalões de IRS e alguns dos quais têm dois escalões.

E no IRC o panorama piora com os benefícios fiscais… mais de 500.
É tudo menos simples.

"A própria maneira como o PRR foi elaborado, não é um PRR que seja fortemente direcionado para o aumento da produtividade."
Tiago Neves Sequeira, professor de Economia na Universidade de Coimbra

Mas ainda a propósito das taxas de projeção de crescimento de 2,2% para 2023 e de 1,5% para 2024, estes indicadores mostram que o PRR não está a fazer o seu papel, não está a ajudar no crescimento como se pretendia com este programa?
É quase um exercício de adivinhação, porque nós só podemos saber o impacto do PRR no fim. Mas, ainda assim, não só as taxas de execução, como a própria maneira como o PRR foi elaborado, não é um PRR que seja fortemente direcionado para o aumento da produtividade. Tem aspetos muito positivos, nomeadamente o investimento no lado da saúde, que é essencial em Portugal, se nós queremos manter um Estado social que ganhámos com a democracia, a saúde é essencial e a saúde é um aspeto que vai aumentar exponencialmente a exigência do ponto de vista orçamental por causa das características demográficas do país. Mas [o PRR] tem outros aspetos muito direcionados para o investimento público e pouco direcionado para a ajuda à produtividade das empresas, à ajuda para fazer as empresas crescerem, para as empresas poderem internacionalizar-se e acrescentar valor.

O PRR foi uma espécie de orçamento, porque foi mais para a componente pública do que para a privada?
É um instrumento extremamente importante e foi um instrumento extremamente importante na Europa para os vários países. Mas quando nós comparamos o PRR português com o de outros países, realmente parece haver uma lacuna grande no enfoque no aumento da competitividade da economia. É mais para resolver problemas do Estado, alguns dos quais são problemas com os quais nos debatemos e que têm que ser resolvidos. Esperemos que o PRR ajude a resolver, nomeadamente no caso da saúde, parece-me um aspeto bastante positivo. Mas tem pouco dinheiro para ajudar as empresas a alavancarem a sua capacidade de crescer, de se internacionalizarem e de melhorarem. E por isso este abrandamento revela que o PRR, pelo menos, não compensa os fatores negativos que a economia tem neste momento e que estão a puxar para baixo não só a economia portuguesa. Como nós somos uma pequena economia aberta estamos sempre a levar choques negativos e positivos do exterior, somos muito vulneráveis.

Não se antecipa que Portugal, com os dados que conhecemos hoje e não tendo uma bola de cristal, possa entrar numa recessão? 
Depende muito. Como Portugal é uma pequena economia aberta, depende mesmo muito da evolução das circunstâncias que hoje afetam a economia.

Dos parceiros europeus?
Principalmente de Espanha, da Alemanha, que são os grandes parceiros de Portugal e eles estão dependentes da evolução do mundo. Se entramos em recessão ou não em 2024, depende muito da evolução das circunstâncias, não só das circunstâncias geopolíticas, que, essas sim, afetam as maiores economias do mundo, das quais nós dependemos.

Orçamento em preparação a olhar para excedentes. Fitch acredita que Governo manterá consolidação orçamental

Descida da dívida pública? “Se não fosse assim, estaríamos a pôr impostos em cima dos nossos filhos e netos”

Faz bem o governo em colocar tanto ênfase na descida da dívida pública em percentagem do PIB?
Faz.

E porquê?
Se não fosse assim, e com orçamentos que tendem a ser cada vez maiores em volume, quer em despesa, quer em receita, correríamos o risco grande de voltar a ter uma situação de pré-bancarrota e provavelmente de recurso às instituições internacionais pagar a nossa dívida. Porquê? Porque a nossa dívida é colocada nos vários compradores — internos que são quem compra certificados de aforro, títulos do Tesouro; mas a maior parte da dívida é vendida a agentes internacionais, que estão muito atentos ao que se passa no mercado. Um dos grandes aspetos positivos que aconteceu nos últimos tempos, e que o Governo também enfatiza, foi a subida dos ratings pelas agências internacionais. E o facto de estarmos a prever uma descida da dívida pública abaixo dos 100% — não tem muita importância se é abaixo ou acima dos 100%, quer dizer que nos estamos a aproximar…

É quase psicológico baixar dos três dígitos…
É um valor psicológico, mas estamos a aproximar-nos muito da média da zona euro que anda à volta de 91% do PIB.

Mas longe dos 60% que precisamos ao abrigo das regras europeias…
Exatamente. Os 60% também são um número mágico e, portanto, também depende muito da evolução do resto da zona euro. Aliás, a zona euro está nos 90%, portanto acima do que o Tratado de Maastricht propunha para essas regras. Agora, em teoria e na prática, dívidas públicas baixas e orçamentos equilibrados são uma boa regra macroeconómica, são uma boa regra para a credibilidade face aos investidores e são uma boa esperança para as gerações futuras. Se não fosse assim, estaríamos a pôr impostos em cima dos nossos filhos e dos nossos netos, ou então em cima de nós próprios, quando fossemos mais velhos e quando eventualmente Portugal tivesse que aumentar impostos ainda mais – já são muito altos — para pagar a dívida que mais ninguém quereria comprar, porque deixava de ser credível.

“Há um dia de amanhã”. Proteção do futuro determina a opção de Medina de não dar tudo a todos e “guardar” excedente

Proteger o futuro foi a expressão utilizada pelo ministro das Finanças para explicar a obsessão com a dívida pública. Mas esta descida da dívida em percentagem do PIB resultou muito do crescimento do PIB e da inflação. Significa isto que, com crescimentos piores ou mesmo uma recessão, poderá voltar a colocar a nossa dívida em percentagem do PIB nos três dígitos?
Sem dúvida, sem dúvida. O aspeto é positivo, mas o Governo beneficiou de condições dificilmente repetíveis para a arrecadação de receita, por exemplo. Portanto, o foco é importante mas é preciso ter em conta que, no futuro, será muito mais difícil com este nível de aumento de despesa e com o facto de não ser possível afigurar que o PIB cresça muito mais — não mais do que 1,5% e até pode haver choques que tornem esta taxa mais baixa. Significa isto que pode haver riscos, de facto, de voltar a aumentar a dívida pública. Aliás, um choque como a pandemia fez aumentar a dívida pública portuguesa, tal como nos outros países, aumentou menos até em Portugal do que noutros países. O Governo tem sido realmente cauteloso em termos do equilíbrio orçamental, independentemente das escolhas que faz dentro do próprio orçamento. Portanto, choques que são externos à economia portuguesa podem ocorrer e se o PIB não crescer desta forma, a dívida pública não se reduz tanto. A inflação também já não vai ser uma surpresa tão grande como foi nos orçamentos anteriores e, portanto, a arrecadação de receita já está a incorporar a inflação que se prevê e o que se prevê é que a inflação tenha uma tendência decrescente, face à política do Banco Central Europeu de fazer decrescer a inflação.

O Governo prevê uma inflação (IPC) abaixo de 3% no próximo ano. É realista ou é muito otimista?
Parece-me realista. Aliás, em geral, as expectativas do Governo em termos do cenário macroeconómico parecem-me realmente realistas. Não só porque a inflação tem vindo a ter uma tendência decrescente. O Banco Central Europeu é suficientemente credível para fazer com que os agentes e todos nós acreditemos que a meta dos 2% pode ser alcançada. Não sabemos exatamente quando, mas a tendência decrescente vai ocorrer. Ocorreu nos Estados Unidos, não há razão para que não ocorra na Europa. Aí não me parece que possa haver muitas surpresas a não ser aquelas que decorrem agora desta condição de guerra no Médio Oriente, que pode fazer voltar a subir a inflação por via dos preços do petróleo. Depende da evolução dessas condições geopolíticas.

Banco de Portugal corta projeção para crescimento da economia com aviso: “Aperto financeiro não está concluído”

Nem pela retirada de estímulos ou dos apoios por causa da inflação, nomeadamente o IVA zero?
Isso é contrariado com o aumento da despesa. Mesmo que haja retirada de estímulos há um aumento da despesa e, portanto, do ponto de vista da procura interna não me parece que haja uma significativa pressão para o aumento da inflação que contrarie a política monetária. A política monetária do Banco Central Europeu, que é o responsável por ela, é que determina a tendência de médio prazo da inflação. Por isso, não parece que o orçamento afete de forma significativa e, eventualmente, o Governo terá incorporado essas medidas na sua projeção. Mas parece-me claramente realista.

Ter contas equilibradas “é uma questão de bom senso”

Portugal vai ter dois anos consecutivos, se as projeções do Governo estiverem corretas, de excedente orçamental. O Governo deveria ter outra estratégia? Em vez de lutar pelo excedente, optar por manter apoios e dar mais apoios?
Não, na minha opinião, de todo. Este foco no equilíbrio orçamental e em ter excedente para conseguir uma credibilidade nos compradores da nossa dívida pública elevada para evitar problemas futuros, como os que já passámos, é um foco extremamente importante nas escolhas do Governo. Claro que um equilíbrio orçamental pode ser obtido de diferentes formas. Neste caso, o que o Governo faz é aumentar as receitas e aumentar as despesas e assim consegue um equilíbrio orçamental, ou um pequeno superávite. Ainda assim, os credores internacionais, de acordo com as avaliações das agências internacionais, estão a olhar para a nossa dívida pública como um ativo que deve ser comprado e, portanto, isso é muito bom sinal para a economia portuguesa.

Esta questão do excedente é uma questão ideológica, económica, política? Deveria ser o quê?
É uma questão de bom senso. Se uma família tiver um conjunto de despesas muito superior às suas receitas, vai haver um momento em que os bancos deixam de lhe emprestar dinheiro e aí a família pode ou consolidar créditos como muitas famílias estão a fazer ou até declarar falência. E fica restringida do uso de muitos produtos financeiros ou ter novos créditos, etc. Fica restringida nas suas ações por ter tido esta circunstância de ter uma despesa muito mais elevada do que a receita Numa empresa é igual. Se passamos anos sucessivos com mais despesa do que receita, não há outra solução do que a empresa ir à falência ou o Estado suportá-la, de alguma forma. Mas, tendencialmente, a empresa não tem viabilidade, vai à falência. O que acontece nos estados não é assim tão diferente, porque, tal como as empresas e as famílias se financiam nos bancos, os Estados também têm de se financiar ou nos bancos internacionais, com consórcios de bancos, ou em investidores privados, seja nacionais ou internacionais. Se os investidores deixarem de acreditar naquilo que estão a comprar, que o produto que estão a comprar é um produto que vai ser remunerado e devolvido, deixa de ser um bom investimento, deixam de comprar e o Estado pode ir à falência. E o nosso já teve essa experiência há relativamente pouco tempo. Há outros estados, imensos estados, que chegam a esta situação de bancarrota e as medidas corretivas nunca são melhores do que as medidas preventivas. Portanto, é uma questão de bom senso. Se as pessoas pensarem que esta situação afeta famílias e empresas é pensar que pode afetar os estados também. Não tem nada a ver…

… com política ou ideologia?
Do ponto de vista da ciência económica, é aquilo que é razoável e aquilo que está dito é que a dívida pública deve ser sustentável, digamos assim.

Orçamento de 2024, austero mascarado de esbanjador

Uma das novidades deste orçamento, pelo menos do anúncio do ministro das Finanças, foi a criação, por parte do Governo, de um fundo para o investimento com este excedentes, além das receitas com concessões rodoviárias que virão no futuro. Uma das razões para esse fundo é que estamos à espera que os fundos europeus se esgotem um dia destes, nomeadamente quando a Ucrânia entrar na União Europeia. Que riscos é que isto representa, o de ficarmos sem fundos europeus para a economia portuguesa?
Representa um risco elevado não termos uma comparticipação virada para o investimento que os fundos europeus têm tido, nomeadamente para investimento privado. Isso são riscos substanciais. Quase não é um risco, é uma inevitabilidade. Não sabemos é quando, porque, além da Ucrânia, há outros países que são mais pobres neste momento que Portugal e que vão precisar de ajuda e que estão em processo de pré-adesão ou de adesão à União Europeia. Parece que não há outra forma de olhar para a estabilidade no continente do que ter este alargamento e isso terá consequências, como teve consequências para outros quando Portugal e Espanha aderiram à União Europeia. Por isso, este fundo é uma boa ideia e é talvez a ideia única inovadora do orçamento. Porque o orçamento pode ser tido como um orçamento de continuidade face aos orçamentos anteriores, não muda assim tanta coisa e este fundo — não há muitos pormenores sobre a sua gestão — se for bem gerido compensará, de alguma forma, o fim das contribuições líquidas que recebemos hoje da União Europeia, uma vez que possivelmente vamos passar a ser contribuintes líquidos para a União Europeia.

Fundo para investimento. Governo quer receitas das autoestradas a financiar o TGV Lisboa/Porto

Mas significa isso que as nossas empresas e o próprio Estado não têm capacidade de investimento sem ser por via de fundos europeus?
Algumas empresas têm, outras outras não têm. Mas os fundos europeus tentam ser um subsídio à atividade produtiva, essencialmente atividade inovadora, atividade em consórcio para ganhar escala e, portanto, tem um conjunto de aspetos benévolos para a economia. Claro que algumas empresas terão certamente capacidade de crescer sem os fundos, mas os fundos são, no fundo, um acelerador da convergência e esse é o grande benefício dos fundos europeus. Tiveram sempre como objetivo ser um acelerador da convergência. Há países que usam melhor ou pior esses fundos e houve épocas nos mesmos países em que usaram melhor ou pior esses fundos. E o efeito na convergência foi melhor ou pior, dependendo da época. Portanto, os fundos são um acelerador para a economia crescer.

Sabemos também que o Estado nunca é muito bom executor da sua projeção de investimento, fica sempre uns tiros abaixo daquilo que projeta.
Muitas vezes isso tem a ver com a necessidade de ter orçamentos equilibrados. Antes da inflação foi através das cativações, a partir de um certo momento, o Estado ou o governo central diz às administrações locais, regionais, às entidades independentes ou autónomas que deixam de poder executar e aí conseguem os superávites, quando veem que no fim do ano já estão em risco. Depois veio a inflação e esse foi outro mecanismo para obter o superávite. A execução depende da capacidade que o Estado tem de se modernizar, ser amigo das empresas, depende daquilo que no jargão se chamam reformas estruturais, na verdade Portugal tem feito algumas, talvez não as suficientes. Dado o crescimento que temos tido, precisávamos de ser um país mais amigo do investimento, em termos de medidas nacionais. Até porque os fundos estarão, se não a acabar, a diminuir. E não será este fundo que substitui um PRR. Pode ajudar, mas não substitui na mesma medida.

Neste Orçamento do Estado a despesa pública vai aumentar mais do que a receita em percentagem do PIB. O Estado está a crescer, está a engordar?
Sim, sem dúvida. O Estado está a engordar. Houve muitas contratações para o Estado, algumas são perfeitamente justificáveis, e outras vão continuar a ser justificáveis. Mas a despesa pública é inevitável que aumente, principalmente na área da saúde; na área da educação pode estabilizar, mas vai passar por um momento de aumento com a necessidade de novas contratações. E depois temos muitas pessoas, nomeadamente na área da educação, a irem para o subsetor da Segurança Social e, portanto, a pesarem na despesa pública desse lado. É inevitável que, dada a estrutura demográfica do país e as necessidades que temos nos serviços essenciais que gostamos de continuar a prover à nossa sociedade, que a despesa pública aumente nestes setores, poderá haver outros setores em que poderia haver menos aumento. A despesa pública em Portugal é um fator que quase não é controlável.

Como assim?
Exatamente por causa destes dois grandes pesos. Onde é que nós podemos controlar a despesa pública? Pagando dívida, e como pagamos dívida, pagamos menos juros, e podemos obviamente melhorar a eficiência, é óbvio que nós podemos melhorar a eficiência, podemos melhorar a articulação das várias componentes do Estado, dos vários serviços que trabalham para o Estado, dos vários gabinetes que são criados e que às vezes têm sobreposição de tarefas. Mas será sempre um montante marginal relativamente àquilo que é a despesa em saúde e a despesa em educação, já para não falar na despesa em defesa, cujos compromissos internacionais fazem com que possivelmente tenha que aumentar. Mas o grande peso é a despesa na saúde, se nós quisermos manter um Serviço Nacional de Saúde funcional, não há como não prever o seu aumento. Os medicamentos são cada vez mais inovadores e mais caros. Os métodos de diagnóstico são cada vez mais caros e a população envelhecida carece mais desses tratamentos cada vez mais caros.

"Dado o crescimento que temos tido, precisávamos de ser um país mais amigo do investimento, em termos de medidas nacionais. Até porque os fundos estarão, se não a acabar, a diminuir. E não será este fundo que substitui um PRR. Pode ajudar, mas não substitui na mesma medida."
Tiago Neves Sequeira, professor de Economia na Universidade de Coimbra

A descentralização nesses dois setores acaba por funcionar também um bocadinho como uma desorçamentação da administração central, obviamente que depois é consolidado.
Da administração central, porque depois é consolidado em termos de orçamento. Por isso, em termos de despesa, não é muito fácil. O único segredo, que é um segredo que não é fácil de desvendar, é fazer o país crescer. Se o país crescer, nós conseguimos ter mais despesa mas, eventualmente, menos despesa em percentagem do PIB. E para o país crescer, mesmo para o mesmo nível de despesa, podemos ter obviamente um sistema fiscal muito mais amigo da produtividade das pessoas e das empresas.

IRS alivia, mas há um enorme aumento de impostos sobre o tabaco, álcool e carros velhos

Vamos então falar aqui um bocadinho de impostos e de carga fiscal. O Governo tem dito que a carga fiscal, que vai atingir novo recorde nas projeções do próprio executivo, está a crescer por via do emprego e das contribuições sociais. Mas a justificação está toda aí?
Não, não está. A carga fiscal só por via de impostos vai crescer 4,8%, de acordo com as próprias projeções no Orçamento do Estado. E aqui há uma escolha clara entre ter reduzido alguns escalões nas taxas marginais de IRS, embora, como se prevê algum crescimento, a receita não diminua muito. O IRC praticamente não mexe. A comparação [na perda de receita fiscal por via das medidas de política orçamental] é entre 1.700 milhões de euros por via do IRS para 300 milhões por via do IRC. Portanto, é uma diferença abismal. A escolha do Governo foi claramente apostar no lado dos impostos das famílias..

… que também pagam os indiretos…
Certo. E essa escolha entre impostos diretos e impostos indiretos é que vai permitir que a receita aumente, porque os impostos indiretos aumentam substancialmente, enquanto os impostos diretos continuam mais ou menos à volta dos 26.700 milhões e os indiretos aumentam quase três mil milhões de euros [para 33,4 mil milhões]. Quase que compensam o aumento na reposição de rendimentos. Por exemplo, nas pensões, o Estado gasta mais cerca de 2.200 milhões euros. Ou seja, há aqui uma escolha clara entre mexer no IRS, portanto beneficiar algumas famílias parcialmente, porque vamos ver que, depois, do outro lado, também vão pagar mais. Mas beneficiá-las em relação às empresas. Nas empresas não há quase mexida nenhuma. Por outro lado, os impostos indiretos sobem substancialmente, nomeadamente o IVA em termos de receita, que é o grande imposto indireto. Outros impostos são os impostos sobre produtos especiais, produtos petrolíferos. Pode ter-se um argumento de transição ou de fiscalidade verde. Os impostos sobre o tabaco, sobre o automóvel… tudo isso pode ter alguma justificação. O que é certo é que vai incidir sobre as famílias e, portanto, as famílias vão, por um lado, sentir um aumento do seu rendimento em termos do seu recibo de vencimento, mas depois vão às lojas e às bombas de gasolina e vão pagar mais. Não há milagres.

O Orçamento de Estado é também construído numa base em que o emprego continua a crescer, pouco, mas continua a crescer. É realista também esta análise?
Estamos a chegar a um ponto bom em termos de taxa de desemprego, que é relativamente baixa.

Houve já até a discussão sobre se estamos em pleno emprego ou não. O Governo projeta para 2024 uma taxa de desemprego de 6,7%. Será isto já pleno emprego para Portugal?
É muito discutível a noção de pleno emprego. O pleno emprego é aquele em que todos os recursos estão a ser afetos de forma eficiente, nomeadamente o fator trabalho. E é discutível que em Portugal e noutros países haja assim uma eficiência tão grande na afetação de recursos, até porque uma das ineficiências que existem é a existência de economia paralela e isso também afeta a carga fiscal ou a coleta fiscal. Portanto, já estamos a antecipar um ligeiro aumento, o que me parece realista. Parecer-me-ia irrealista melhorar esta taxa, até porque parte desta taxa é consequência do próprio governo estar a contratar e dos planos de investimento via PRR e o efeito acelerador que tem no próprio emprego.

"Só aumentamos o nível dos salários quando aumentarmos a produtividade e o crescimento."
Tiago Neves Sequeira, professor de Economia na Universidade de Coimbra

As subidas das taxas de juro têm sido um dos desafios nos últimos tempos. Já estarão totalmente absorvidas (mesmo sem prever que haja novo aumento das taxas de juro)? A subida que houve até setembro deste ano já está totalmente absorvida e já estamos em velocidade de cruzeiro com estas taxas ou ainda vêm mais dores?
As dores que vêm provavelmente serão menores, ou seja, em termos incrementais serão menores do que aquelas que as famílias já sentiram. Mas ainda assim pode haver maiores taxas, aumentos de 25 pontos base aqui e ali, dependendo da margem temporal de que estejamos a falar. Mais uma vez, dependendo das circunstâncias externas, o BCE vai sempre responder a choques de oferta, por exemplo, na taxa de inflação. E, nesse caso, as famílias vão sentir novamente. Se está ou não incorporado, é difícil que o Governo tenha incorporado já, por exemplo, a situação no Médio Oriente e, portanto, estas projeções têm sempre um nível de incerteza muito grande. Mas não vejo o que se pode antecipar. O que sabemos é que o Banco Central vai sempre intervir até conseguir que a trajetória da taxa de inflação venha até aos 2%. Agora, a opção do Governo, que é de continuidade, de ter uma progressividade muito grande nestes escalões de IRS, não é necessariamente indutor para que as pessoas queiram trabalhar mais e melhor. Isto é um problema. Nós só aumentamos o nível dos salários quando aumentarmos a produtividade e o crescimento. Tudo está ligado. Na verdade, não é apenas a política orçamental que ajuda o crescimento, são também políticas estruturais, mas há uma parte da fiscalidade que pode ajudar o crescimento. E, de facto, uma reflexão sobre o nível de escalões que nós temos e as taxas que nós temos, até em termos de IRC…. Não quer dizer que queiramos competir em impostos, mas pelo menos olharmos para os nossos principais parceiros e não fazermos pior do que eles. Porque obviamente nós queremos continuar a prover serviços públicos de qualidade e, neste caso, até melhorar o provimento desses serviços, mas há muitos países que têm serviços tão bons ou melhores do que Portugal e, talvez por isso ou em consequência disso, tenham uma fiscalidade mais amiga da produtividade, do trabalho e do capital. Para o futuro, devíamos ser capazes de conseguir o consenso necessário para olhar para a fiscalidade em Portugal de uma forma integrada e conseguir que ela fosse mais amiga do trabalho e mais amiga das empresas, porque não é só reduzir taxas médias que vai melhorar. Claro que vai melhorar o que as pessoas recebem ao fim do mês, mas vai incentivá-las a trabalhar mais ou melhor ou a trabalhar com mais qualidade a aprofundar os seus conhecimentos para melhorar a sua produtividade? É difícil, com tantos escalões e com uma progressividade tão elevada e tão ao contrário do que os países que são nossos parceiros fazem.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos