Não houve “qualquer alteração da fiscalidade” dos combustíveis neste governo, como diz António Costa?

Numa troca de argumentos com a deputada centrista Cecília Meireles, durante o debate sobre política geral, António Costa rejeitou que o atual Governo tivesse tido qualquer influência no aumento do preço dos combustíveis, o que até é verdade considerando apenas a atual legislatura, que começou em 2019. Aquilo que António Costa pareceu ignorar é que o seu anterior governo foi responsável pelo maior aumento do imposto sobre os combustíveis em praticamente duas décadas.

Em 2016, na apresentação do esboço orçamental de janeiro, o então ministro das Finanças, Mário Centeno, justificava a necessidade de um aumento de imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) de quatro a cinco cêntimos por litro para assegurar a neutralidade fiscal face à descida das cotações do petróleo. O aumento proposto inicialmente pretendia assegurar a “neutralidade fiscal”, face ao nível de receita que o Estado estava arrecadar em julho de 2015 no IVA. O aumento extraordinário do imposto sobre os produtos petrolíferos cobrado na gasolina e no gasóleo foi uma das medidas adicionais apresentadas em Bruxelas para garantir o cumprimento do défice em 2016.

Para compensar a perda no IVA, que incide sobre o preço mais o imposto petrolífero, o Governo apostou então em reforçar o imposto específico sobre a gasolina e o gasóleo. O único problema com estes cálculos é que o imposto a aumentar seria o petrolífero, e como o IVA incide sobre o ISP, a carga fiscal sobre os combustíveis subiria um pouco mais do que a prometida neutralidade fiscal, ultrapassando provavelmente aos cinco cêntimos por litro na gasolina e no gasóleo. O que representaria um bónus para o Estado face à tal perda de receita no IVA.

Além de não ter esperado pela entrada em vigor do Orçamento do Estado, tendo aumentado logo o imposto, o valor do aumento foi mesmo superior ao inicialmente estimado. Subindo em seis cêntimos por litro o imposto sobre os combustíveis, sendo este o maior aumento desde 2000, o governo comprometia-se ainda a baixar o imposto se o petróleo subisse de preço, com algumas condições.

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Ao longo do ano, o Executivo ainda baixou o imposto petrolífero em cerca de dois cêntimos no gasóleo e um cêntimo na gasolina. Mas, para fazer as contas, usou a evolução do preço de referência estimado pela Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis e não os preços finais, que incluem a margem das operadoras sobre a qual incide o IVA. Este método nunca convenceu a oposição e as contas à cobrança de impostos por cada litro de combustível davam razão às dúvidas. E em 2017, o Governo de António Costa — não o atual, mas o primeiro — fez saber que o compromisso da neutralidade fiscal só valia para o ano de 2016, deixando claro que nos anos seguintes não tencionava baixar o imposto, mesmo que o preço dos combustíveis, e o IVA cobrado, subissem.

Em 2016, o Estado arrecadou mais 250 milhões de euros de receita adicional (IVA e ISP) face ao cobrado em 2015, de acordo com os cálculos elaborados pelos técnicos do Parlamento, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, a pedido da oposição à direita. Os dados da Direção-geral de Energia e Geologia mostraram também que a subida do IVA cobrado em cada litro de gasolina e gasóleo acompanhou períodos de valorização do petróleo o que contraria o argumento utilizado em 2016 para justificar o forte aumento do ISP.

Conclusão

De facto, na atual legislatura o Governo não aumentou os impostos sobre o gasóleo e a gasolina — com a exceção da taxa de carbono que tem subido em função das cotações internacionais, como aliás reconheceu o primeiro-ministro. Mas António Costa está longe de poder afastar o ónus que cai sobre o seu primeiro Executivo depois do aumento realizado em 2016 que rapidamente mostrou estar baseado num argumento desajustado sem que a prometida neutralidade fiscal tivesse sido cumprida totalmente, como aliás o CDS insiste em lembrar todos os anos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

“A TAP viveu sempre dos impostos dos portugueses e portanto a TAP não tem um problema pontual relativamente ao ano 2020/2021”, como alega Rui Rio?

No debate parlamentar sobre política geral, Rui Rio elencou uma série de montantes que, desde 2016, o Estado terá alegadamente dado à TAP. Uma contabilidade que o líder do PSD atirou a António Costa para sustentar a ideia de que “a TAP viveu sempre dos impostos dos portugueses”. Na intervenção seguinte, quando respondia à intervenção de Rio, o primeiro-ministro disse que “desde praticamente os anos 90” o Estado não injeta dinheiro na TAP.

Vamos por partes. De facto, além da atual injeção de capital na TAP, é preciso recuar ao dia 6 julho de 1994 para encontrar outra aprovação de Bruxelas aos auxílios estatais à companhia aérea portuguesa (antes do mais recente, em período de pandemia e por causa desse momento de exceção). Na altura, na década de 1990, o Governo de Cavaco Silva justificava essa necessidade com uma situação financeira precária da empresa. A administração da TAP já estava com um plano de ajustamento em curso, que tinha levado mais de mil trabalhadores a sair da empresa, mas a Comissão Europeia exigia ainda mais compromissos.

O compromisso base do Estado português era o de conseguir colocar a empresa numa situação de equilíbrio financeiro quatro anos depois da injeção de dinheiro público, cumprindo alguns requisitos que previam a redução de quase 40% do número de trabalhadores, uma reestruturação interna, maior flexibilidade laboral ou o congelamento de salários nos dois primeiros anos de injeção.

No final da reestruturação, Bruxelas exigia a Portugal que iniciasse, em 1996, o processo de privatização parcial do capital da TAP. Um passo que chegou a ser tentado no final da década de 90. O acordo para a alienação de 35% do capital da TAP à Swissair seria mesmo assinado, mas com a falência desse parceiro estratégico, acabou por cair.

Em 2015, Passos Coelho anunciou a privatização da TAP ao consórcio privado Atlantic Gateway, formado pelo empresário norte-americano David Neeleman (Azul) e pelo empresário português Humberto Pedrosa (dono do Grupo Barraqueiro), mas logo em outubro, no Governo da ‘geringonça’, António Costa avançou com a reversão do processo de privatização.

Ora, de facto, uma injeção de capital na TAP, semelhante à que ocorreu há quase três décadas, só acontece agora, no âmbito do contexto excecional criado pela pandemia da Covid-19 e que levou a Comissão Europeia a flexibilizar o regime de ajudas ao setor. Algo que António Costa referiu na resposta a Rui Rio: “[O Estado] só pode agora injetar dinheiro na TAP porque teve autorização expressa da União Europeia para poder fazê-lo. Sem esta autorização da Direção-geral da concorrência da União Europeia, não podíamos ter feito esta injeção.” E essa autorização vale para empresas públicas ou privadas de aviação.

Companhias aéreas europeias com apoios estatais negociados de mais de 25 mil milhões de euros

Mesmo no quadro da Covid, e como a ajuda à TAP foi dada ao abrigo do programa mais exigente de resgate, há requisitos para um Estado poder apoiar uma transportadora aérea pública ou privada. Bruxelas determina que tem que haver “um plano de reestruturação credível, capaz de restaurar a viabilidade da empresa a longo prazo sem novo apoio público”; “dar o seu contributo, a um nível apropriado, nos custos da reestruturação, para evitar que todo o fardo recaia sobre os contribuintes” e “implementar medidas para mitigar as distorções ao nível da concorrência criadas pelo auxílio” considerando, claro, que “a empresa não pode ser resgatada e reestruturada mais do que uma vez a cada dez anos”.

Conclusão

É falso que a TAP tenha vivido “sempre dos impostos dos portugueses”, como apontou Rui Rio no debate sobre política geral. Além da atual injeção de capital, ao abrigo das medidas excecionais no âmbito da Covid-19, é preciso recuar quase 30 anos para encontrar outra injeção do Estado na empresa. Estava, aliás, impedido de fazê-lo sem autorização expressa de Bruxelas.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO