Foi arqui-inimigo de Luís Marques Mendes nos tempos em que o PSD era verdadeiramente uma máquina de triturar líderes. Enfrentou-o duas vezes e por duas vezes essas disputas assumiram contornos épicos — e pessoais. Até que finalmente lhe roubou a liderança do partido, onde ficaria por apenas sete meses até dar a vez a Manuela Ferreira Leite. Hoje, quase 20 anos depois e numa altura em que o comentador da SIC assume ter vontade de entrar na corrida à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, não lhe poupa palavras simpáticas: “É um amigo que estimo muito e que tem boas condições para ser um candidato presidencial”, diz.

Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, Luís Filipe Menezes não se compromete, ainda assim, com qualquer apoio à partido. Primeiro porque diz que o debate é extemporâneo e, segundo lugar, porque falta perceber o quadro dos candidatos que se vai apresentar a jogo. Aliás, confrontado com a ideia de ter de escolher entre Marques Mendes e Pedro Santana Lopes, o antigo presidente da Câmara de Gaia ensaia uma formulação criativa: que as presidenciais também sirvam como uma espécie de primárias à direita.

Sobre o momento atual do PSD, Menezes não deixa reconhecer que Luís Montenegro está a enfrentar problemas para afirmar a agenda do partido, mas dá o benefício da dúvida ao líder social-democrata, chegando mesmo a dizer que o presidente do PSD não está necessariamente obrigado a ganhar as próximas eleições europeias e que não espera qualquer alteração na liderança do partido. “Só se a derrota for por números muito específicos”, salvaguarda.

Sobre si, e numa altura em que circulam alguns rumores de que poderia voltar a ser candidato à Câmara Municipal de Gaia (ou do Porto), Menezes deixa uma frase batida mas que é todo um programa: “Na política, como na vida, o sempre e o nunca são palavras completamente malditas”, remata.

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[Ouça aqui a Vichyssoise com Luís Filipe Menezes]

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“Marques Mendes é um amigo que estimo muito”

O país político despertou com o anúncio da pré-candidatura presidencial de Luís Marques Mendes. Acredita que será um bom presidente da República? 
Bom, acho que é muito cedo para falar de eleições presidenciais, mas é perfeitamente legítimo que quem tenha a intenção de eventualmente se perfilar como candidato utilize os momentos que, taticamente, na sua perspetiva, são os mais adequados para marcar o terreno. Mas ainda é bastante distante. Ainda temos eleições europeias de caminho, ainda temos eleições autárquica.. Aliás, todas as eleições, fruto do calendário um pouco bizarro que temos nesta legislatura, serão relativamente condicionadoras do debate das eleições legislativas subsequentes. Penso que isso irá condicionar muito as opções dos partidos.

Mas estavámos a pedir-lhe uma avaliação do candidato Luís Marques Mendes. Conhece-o muito bem, travou duas guerras bastante intensas… Acha que tem condições para ser um bom candidato à Presidência da República? 
Luís Marques Mendes é um amigo que estimo muito. E acho que sim, que tem boas condições para ser um candidato presidencial. O candidato presidencial tem que ter uma enorme visibilidade. Aliás, a visibilidade era quase um dos maiores trunfos do atual Presidente da República. Quando avançou, estava praticamente eleito. Por uma visibilidade, claro, ligada a alguma lógica de competência, de cultura, de capacidade de trabalho.

Marques Mendes está a seguir as pisadas de Marcelo Rebelo de Sousa?
Marques Mendes, com o trajeto que tem seguido, mimetiza em alguns aspetos, numa personalidade completamente diferente, o trajeto de Marcelo Rebelo Sousa. Agora, sobre isso só queria lembrar-lhes uma coisa: os portugueses são muito conservadores na escolha presidencial. Ou seja, nunca nenhum candidato com perfil de outsider… os portugueses dizem muito mal da classe política, dos políticos, dos políticos que fizeram carreira, mas só pesos pesados da política portuguesa é que foram eleitos. Portanto, pensar em reitores, em generais…

Em almirantes.
É um lirismo.

Mas não falando de outsiders mas de um enfant terrible da política portuguesa, Pedro Santana Lopes mantém-se nesta pré-corrida presidencial. Entre os dois, Mendes e Santana, entende que o segundo tem um perfil mais indicado para o cargo?
Não vou fazer, com esta antecedência, esse tipo de opção pública. A mim não me repugna rigorosamente nada, aliás tenho uma formação bastante francófona, de que nos diferentes espectros políticos, numa primeira volta, existam dois ou três candidatos e que depois haja uma solidariedade clara à volta daquele que obtenha melhor votação.

Precisamente era essa pergunta que nós tínhamos preparada. Existe o risco de existir uma espécie de primárias da direita. Isso não pode oferecer uma oportunidade ao PS de vencer essas presidenciais?
Isso é uma visão redutora. Julgo que não há nenhum perigo de a direita ou de a esquerda se dividirem. Repare que o melhor exemplo que podemos dar é a esquerda. Normalmente, o PCP nunca prescinde de um candidato presidencial, bem como o Bloco de Esquerda.

A questão é que o PS está afastado do Palácio do Belém há 20 anos, talvez seja por essa divisão à esquerda. Mas insistindo: entre Pedro Santana Lopes e Luís Marques Mendes não consegue escolher que lhe ofereça melhores perspetivas?
Não, e até penso que existem mais opções à direita, talvez até demais, como Pedro Passos Coelho ou Durão Barroso, que julgo que não quererá. Mas já é possível antever que, se houver mais do que um candidato, provavelmente esses dois serão Luís Marques Mendes e Pedro Santana Lopes.

“Acho que Montenegro não está obrigado a vencer europeias”

Passando agora para a vida interna do PSD. Ainda no rescaldo da Festa do Pontal, disse que Luís Montenegro tem de empolgar o país. O líder do PSD não se tem conseguido afirmar?
É muito difícil ser líder da oposição e é preciso termos em linha de conta que desde 1995, em 28 anos, 80% do tempo o país foi governado pelo PS. Portanto, se há pouco me disse que o PSD está arredado há uma vintena de anos de Belém, o PSD está há praticamente 25 anos, há um quarto século, arredado de uma continuidade efetiva de governação do país.

Mas este não é um bom cenário para se afirmar? Ou seja, com as dificuldades do primeiro ano da maioria absoluta, com os portugueses a terem cada vez mais dificuldades, não seria de esperar outra afirmação?
O PSD teve também dois incidentes de percurso que acho que foram muito gravosos. Foram as derrotas eleitorais esmagadoras em eleições autárquicas em 2013 e 2017. Ora, isso faz com que aquilo que era uma lógica de bipolaridade, que durante 40 anos existiu, quando um partido era mais forte no Governo era mais frágil nas autarquias e vice-versa, não tenha existido. Existe um monopólio de poder do PS agravado por uma longa permanência no poder central. Ora, não é por acaso que o povo português aguentou 50 anos de ditadura. É um povo muito pouco reativo, muito pouco exigente.

Mas é só o contexto que dificulta essa afirmação de Montenegro? Ou seja, ele está a fazer o caminho que tem que fazer?
Acho que o contexto que prejudica bastante. Hoje, isto tudo está muito concentrado, muito dependente dos subsídios do Estado, muito dependente dos anúncios das autarquias, muito dependente de tudo isso. E isso é altamente condicionador.

Já percebemos que não quer fazer uma avaliação daquilo que tem sido o desempenho de Montenegro.
Não, acho que o Montenegro tem tido aspetos positivos e os aspetos mais negativos decorrem eventualmente da dificuldade que tem tido — e que terá que superar — de combater algumas das questões que estão enquistadas na sociedade portuguesa. E uma delas é a baixa qualificação generalizada dos quadros políticos na vida política partidária. Não é no PSD, é em todos. Basta olhar para a cúpula deste Governo para quase darmos uma grande gargalhada. Essa fragilidade é muito redutora também para a capacidade de imposição do próprio líder.

Montenegro está obrigado a vencer as próximas eleições europeias?
Acho que não. Se olharmos para trás, as europeias são umas eleições a que os portugueses e os europeus em geral ligam muito pouco, com enormes índices de abstenção. São normalmente umas eleições em que se alia um tímido voto de castigo a algum folclore político, que altera completamente a leitura política que se pode fazer desses resultados. Por exemplo, o PSD na oposição ganhou as eleições com Paulo Rangel, era presidente do partido Manuela Ferreira Leite. No entanto, apesar disso, poucos meses depois, na primavera, o PSD perdeu as eleições de uma forma rotunda para José Sócrates.

Mas isso significa se Luís Montenegro falhar esse objetivo das europeias, ou se tiver um resultado aquém das expectativas que tem ou não tem o lugar em risco?
Penso que o resultado das europeias, no que diz respeito ao PSD e ao PS, só terá significado político interno, com consequências, se realmente a vitória ou a derrota for por números muito específicos. Porque se forem resultados relativamente aproximados, sejam eles quais forem, penso que não terão quaisquer consequências internas.

“Só teríamos Passos de novo se houvesse um enorme vazio”

Há muita gente no PSD que, num contexto de um mau resultado nessas eleições europeias, aposta num regresso de Pedro Passos Coelho à liderança do partido. Seria a melhor solução para o partido?
Tenho um enorme apreço pessoal por Passos Coelho. Acho que é um homem que tem uma marca rara na sociedade portuguesa, de seriedade e dedicação à coisa pública. Tem uma vida privada espartana que é também exemplar para muitos portugueses. Agora, Pedro Passos Coelho, por aquilo que conheço dele, nunca o fará contra nenhum dirigente do PSD. Só teríamos Pedro Passos Coelho na política de novo se houvesse um enorme vazio dentro do partido e um certo clamor que lhe solicitasse que assumisse responsabilidades. Aí, nessas condições, acredito que eventualmente regressasse ao partido.

Nestes últimos meses em que se tem verificado um clima evidente de conflitualidade entre Belém e São Bento, considera que se colocou em algum momento, ou que se continua a colocar,em causa ou regular o funcionamento das instituições?
Não, julgo que não. Houve um momento em que, porventura, se pode ter estado perto disso, quando foi a crise do Ministério das Infraestruturas, mas, retirando esse momento, que de uma forma ou de outra foi ultrapassado, essa questão não se coloca. Mas acho que o Presidente da República devia ter poderes acrescidos nas áreas de Estado. Estou a falar na Defesa Nacional, estou a falar nos Negócios Estrangeiros, estou a falar na Segurança. Nessas áreas de Estado, havia tudo a ganhar em que um Presidente sufragado por uma esmagadora maioria de portugueses pudesse ter poderes acrescidos.

Para terminar esta fase da entrevista, a pergunta da praxe: admite, em alguma circunstância, voltar à vida política ativa? Há quem o aponte novamente como candidato à Câmara de Gaia ou do Porto?
Afirmei há anos que não tinha nenhuma vontade de voltar a exercer cargos eletivos, nomeadamente cargos eletivos executivos. Continua a ser essa a minha intenção. Não mudei de opinião, mas é evidente que, na política como na vida, o sempre e o nunca são palavras completamente malditas..

Vamos avançar para o segundo segmento do nosso programa, o bloco “Carne ou Peixe”, onde só pode escolher uma de duas opções. Quem levava para uma pista de esqui sujeito a cair e a aleijar-se, mas pouco, só um bocadinho: Rui Rio ou Luís Marques Mendes?
Penso que Marques Mendes, do ponto de vista de inteligência motora, sendo mais pequenino e tendo uma base de sustentação baixa… Portanto, seria Rui Rio, naturalmente.

Com quem é que gostaria de almoçar num qualquer restaurante do Cais de Gaia: Marcelo Rebelo de Sousa ou Aníbal Cavaco Silva?
Manifestamente com Marcelo Rebelo de Sousa.

Adora navegar sozinho. Quem é que deixaria numa ilha deserta? Pedro Nuno Santos ou André Ventura?
Punha-os aos dois num barquinho para ver como é que eles se safavam e ia navegando sozinho.

Preferia voltar ao circuito da carne assada com Luís Montenegro ou Pedro Passos Coelho?
Sinceramente, preferia, se voltasse a um circuito, que fosse não da carne assada; talvez mais da picanha. Melhorar qualquer coisa o patamar. Para a carne assada já não tinha paciência.