Alguns dos dossiers mais mediáticos entre as propostas de alteração ao orçamento suplementar acabaram com desfecho positivo, esta quarta-feira, para quem aguardava com expectativa a possibilidade de também receber apoio ou prémio do Estado.

Ou, pelo menos, alguns. É que entre os profissionais de saúde, apenas os que estiveram a combater “nas trincheiras” da pandemia têm um reforço salarial e um extra de férias. Os restantes — ainda que possam ter acumulado trabalho num contexto em que muitos recursos foram mobilizados para salvar doentes com Covid-19 — ficam de fora.

Por outro lado, no entanto, há mais gestores de micro e PME a terem direito a apoios, superando o que estava inicialmente previsto pelo Governo.

E o dia acabou mal, potencialmente, para empresas que tenham ligações a paraísos fiscais. Mas apenas daqui para a frente — porque os apoios que possam ter sido dados pelo Governo nos últimos meses já lá vão.

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Depois de avanços e recuos, todos os sócios-gerentes podem receber até 1.905 euros

Era uma das grandes incógnitas deste orçamento: se os apoios aos sócios-gerentes avançariam ou não. O tema já é discutido há semanas e foi até aprovado no parlamento a 26 de maio (com voto contra do PS, que invocou a norma travão). Em causa estava a extensão do apoio pago aos trabalhadores independentes para os sócios-gerentes, assim como o aumento do valor mínimo a atribuir (para 438,81 euros) e o fim do teto máximo de faturação exigido para poder pedir o apoio (antes, era de 80 mil euros). Só que Marcelo Rebelo de Sousa travou a medida, por considerar que alterações com impacto orçamental, como esta, deviam ser decididas durante a discussão na especialidade do orçamento suplementar. Tal como aconteceu.

Os partidos que antes tinham apoiado a medida, seguiram os conselhos do Presidente da República e apresentaram propostas para incluir os sócios-gerentes nos apoios. Foi o caso do Bloco de Esquerda, PCP, Verdes, CDS-PP, PAN e do Iniciativa Liberal. E os sociais-democratas? Se numa primeira fase, o PSD chegou a juntar-se à esquerda num texto comum, o partido acabou, à última hora, por apresentar a sua própria proposta que deixava os trabalhadores independentes de fora. E que o PS disse que iria acompanhar.

Foi, aliás, isso que fez, esta quarta-feira, com uma abstenção que viabilizou a medida social-democrata. O apoio tem um teto máximo de 1.905 euros e corresponde ao valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, nas situações em que essa base de incidência for inferior a 1,5 Indexantes de Apoios Sociais (IAS), isto é, 658 euros. Se ultrapassar este valor, o apoio corresponde a dois terços da base de incidência contributiva.

Ao mesmo tempo, cai o limite máximo de 80 mil euros de faturação exigido para que se pudesse pedir o apoio. Ou seja, qualquer sócio-gerente pode aderir.

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Todas as propostas da esquerda foram recusadas, precisamente, por se referirem aos trabalhadores independentes. Para esses funcionários estava prevista uma outra medida, do PS (e do Governo). A proposta dos socialistas, que foi aprovada esta quarta-feira, complementa uma outra que está incluída no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), mas que não foi integrada no Orçamento Suplementar.

No PEES, o Governo previa a criação de um apoio extraordinário a trabalhadores independentes e informais “em situação de desproteção social”, no valor de pouco mais de 438 euros, entre julho e dezembro 2020, com a contrapartida de que teriam de ficar vinculados durante 36 meses ao sistema de Segurança Social. A proposta do PS prevê que o apoio chegue também aos trabalhadores “que estejam em situação de cessação de atividade como trabalhadores por conta de outrem ou como trabalhador independente, paragem, redução ou suspensão da atividade laboral ou quebra de, pelo menos, 40% dos serviços habitualmente prestados”. A medida produz efeitos retroativos a 13 de março.

O PS e o PSD uniram-se ainda contra a proposta do Bloco que prevê a criação de um subsídio extraordinário de desemprego e de cessação de atividade com um montante de 438,81 euros. E por falar em desemprego, foi aprovada a proposta do PSD que reduz para metade o prazo de garantia (o período mínimo de descontos necessários para aceder a um apoio) do subsídio de desemprego, de 360 para 180 dias. O acesso a este subsídio é, assim, facilitado.

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Já o PCP viu rejeitado o prolongamento automático das prestações por desemprego, cessação de atividade, cessação de atividade profissional e outras cujo período de concessão termina antes do fim das medidas tomadas para mitigar os efeitos da pandemia. O Governo já tinha dito que o subsídio social de desemprego seria prorrogado até ao fim de 2020.

Bónus para profissionais de saúde se combateram Covid-19 “de forma continuada e relevante”

Afinal, havia um prémio — que não a final da Champions — para os profissionais do SNS que combateram a Covid-19 durante o estado de emergência, entre 18 de março a 4 de maio. A proposta do PSD, aprovada por unanimidade, prevê que os médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde tenham não só direito a um bónus, como também a mais alguns dias de férias, dependendo da quantidade de trabalho prestado.

Está em causa um prémio de desempenho de meio salário (remuneração base mensal), pago de uma só vez aos trabalhadores que exerceram nesse período “funções em regime de trabalho subordinado no SNS” e que tenham lidado “de forma continuada e relevante” com doentes infetados com o novo coronavírus. O PSD, no entanto, não especifica na proposta o que entende por prática “continuada” e “relevante”.

No caso das férias, quem esteve na linha da frente do combate à pandemia no SNS tem direito a um dia de férias por cada 80 horas de trabalho normal “efetivamente prestadas” durante o estado de emergência; e ainda um dia de férias “por cada período de 48 horas de trabalho suplementar efetivamente prestadas”.

No mesmo dia em que António Costa ligou a conquista de Lisboa ao desempenho dos profissionais de saúde — o que soou a muitos como prémio de consolação —, foram vários os partidos que avançaram com bónus para esses trabalhadores, nas primeiras propostas de alteração ao orçamento suplementar de Mário Centeno e João Leão — que nada referia sobre o assunto. Todas essas propostas foram chumbadas nestes dois dias, à exceção das alterações avançadas pelos sociais-democratas. O Governo terá, no máximo, um mês para aprovar a lei.

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Os restantes profissionais do SNS, mesmo que indiretamente tenham acumulado mais trabalho, não fazem parte destas contas, nem num caso nem no outro. A Federação Sindical da Administração Pública (FESAP) já veio dizer, em comunicado, que a medida é “justa e merecida”, mas frisa que há “muito mais trabalhadores de outros setores de atividade que deviam, sem qualquer dúvida, ser alvo de um reconhecimento que não se traduza apenas em aplausos e louvores”. A este propósito, o PCP e o Bloco tinham proposta de criação de suplementos remuneratórios para trabalhadores de serviços essenciais (PCP) ou de profissões expostas a risco de contágio (Bloco), mas ambas ficaram pelo caminho.

Apoios Covid-19 passam a excluir empresas com sede em paraísos fiscais

As empresas “sediadas em paraísos fiscais” vão perder o direito a qualquer apoio do Estado no âmbito da pandemia. A proposta dos Verdes, aprovada sem votos contra, mas com abstenções à direita — de PSD, CDS e Iniciativa Liberal — foi aprovada para corrigir uma situação considerada “injusta e imoral”, em que empresas com sede fiscal em paraísos fiscais poderiam ter acesso às linhas de apoio do Governo.

Tendo em conta que os apoios do Estado para mitigar os efeitos da crise estão a ser pagos desde final de abril, será tarde para o dinheiro que já tenha sido gasto nestes meses. Mas, daqui para a frente, o caso muda de figura.

Também uma proposta do Bloco de Esquerda foi aprovada no mesmo sentido — com abstenções apenas de PSD e CDS —, limitando o acesso aos apoios públicos por empresas “com sede ou direção efetiva em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável”, incluindo sociedades que sejam dominadas por outras entidades com sede nesses países.

Neste caso, no entanto, duas outras partes da proposta, votadas à parte, ficaram pelo caminho. O Bloco de Esquerda queria não só excluir as empresas com sede em regimes fiscais mais favoráveis, como também as empresas que “detenham participação, direta ou indireta, em entidade ou veículo com sede ou direção efetiva” nos países que tenham esses regimes fiscais.

E, por outro lado, um terceiro ponto excluía explicitamente empresas com sede na Irlanda, em Malta, no Luxemburgo e nos Países Baixos — países da União Europeia que têm apostado em dar benefícios fiscais a empresas de outros países. Estas duas propostas do BE tiveram apoio do PCP e do PAN, mas PS, CDS, IL não gostaram da ideia, e o PSD e o Chega abstiveram-se. A proposta do PCP, que também incluía referência aos quatro comunitários, acabou chumbada.

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Com vida mais difícil ficam também as “grandes empresas poluentes”, que passam a ter “acesso condicionado” a estes apoios do Estado para face à pandemia. A proposta de Joacine Katar Moreira — que não faz parte da comissão de orçamento e finanças, não tendo, por isso, votado — foi apoiada por PS, PCP, Bloco de Esquerda, PAN e Chega e os restantes partidos à direita — PSD, CDS e Iniciativa Liberal — abstiveram-se.

O “acesso condicionado” fica dependente “de acordos específicos, com indicação de contrapartidas por parte das empresas, com o objetivo de minimizar os seus impactos ambientais”.

O que é que constitui uma “grande empresa poluente”? E que tipo de “acordos específicos” terão de ser feitos? A proposta não adianta, deixando para o Governo a regulamentação, em diploma próprio, num prazo acelerado — “não superior a 7 dias”.

Micro e pequenas empresas livres do PEC

O PCP conseguiu aprovar uma proposta que dá às micro e pequenas empresas (MPME) e às cooperativas a possibilidade de não efetuarem o primeiro e segundo pagamentos por conta, qualquer que seja a quebra da faturação. O objetivo é fazer face a problemas de tesouraria. Segundo o partido, para muitas empresas, “os lucros de 2019 não serão replicados em 2020 – muito provavelmente, terão prejuízos ou lucros muito próximos de zero, levando à sua não tributação em IRC ou a uma tributação mínima, incomparável com o ano anterior”. Só o PS votou contra.

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“O PPC de 2020 seria um adiantamento ao Estado que, em muitos casos, seria depois devolvido às empresas. Tal situação coloca mais um problema de tesouraria para as MPME.”

Os comunistas viram também aprovada, numa coligação negativa, a devolução antecipada de Pagamentos Especiais por Conta não utilizados. O PS votou contra. “Perante os enormes esforços por que passam muitas micro pequenas e médias empresas, ao nível de tesouraria, propomos que, extraordinariamente, seja possível que estas empresas sejam reembolsadas, de uma vez só, em 2020, de todos os PEC não deduzidos, entre 2014 e 2019”, refere o PCP na proposta.

Foi também, pela mão do PCP, criado um regime excecional para lojistas em centros comerciais, que inclui o pagamento apenas da componente variável da renda, de acordo com as vendas realizadas.