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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Um cabaz original com 96 produtos, o cabrito da Páscoa e a ministra que não podia aparecer na foto. Os bastidores do acordo para o IVA zero

Dois dias intensos de negociações, pressões e até melões. Tudo começou com um cabaz de 96 produtos e terminou com um acordo fechado em cima da hora. Este é o filme do pacto para o IVA zero.

Um acordo assinado nas vésperas da Páscoa poderia fazer antever que o IVA zero chegaria ao borrego e ao cabrito. Não foi isso que aconteceu, apesar dos pedidos da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). A lista foi desenhada em exclusivo pelo Governo e pela Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que cruzaram apenas duas variáveis: o que é mais saudável e o que é mais vendido. “Não é que o borrego e o cabrito não sejam saudáveis”, diz Luís Mira, diretor-geral da CAP, mas são carnes com picos de venda sazonais. E tudo o que é sazonal, nomeadamente frutas e legumes, ficou de fora. Tudo, menos o melão.

O peso do melão na alimentação das famílias no verão levou a que o fruto que já foi comparado pelo Presidente da República às medidas para a habitação fosse incluído no exclusivo cabaz de cinco frutas que vão ver o IVA espremido. Junta-se às omnipresentes maçãs, laranjas, peras e bananas. O cabrito e o borrego acabaram por ficar de fora, até porque o IVA zero já vai chegar às prateleiras depois da Páscoa. E isso foi tido em conta.

Esta foi apenas uma das muitas trocas de pedidos, exigências, cedências e sugestões que, no último fim de semana, marcaram os meandros das negociações do acordo para o IVA zero, que acabou por resultar num lista de 44 produtos. Negociações feitas de manhã à noite, sempre à distância, por email ou telefone. “Proposta para cá, contraproposta para lá. Foi um fim de semana intenso”, diz quem participou no processo. E por vezes tenso. Todas as partes estavam sob pressão.

IVA zero. 12 questões sobre o pacto de “boa fé” com a produção e o retalho que Costa reconhece que não foi fácil

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Figos, melancias e kiwis. O que ficou de fora

A primeira lista de produtos saudáveis que chegou do Ministério da Saúde era muito mais vasta. Fazia parte de um documento com 30 páginas, elaborado pelos serviços tutelados por Manuel Pizarro e ao qual o Observador teve acesso, que explanava questões como as necessidades energéticas diárias de cada grupo etário e a distribuição de macronutrientes recomendada, para se chegar, no fim, a uma lista de 96 produtos, que acabou cortada para menos de metade.

Não foi tido em conta pelo ministério o custo dos produtos, por se querer seguir “um processo rigoroso e sistemático”. Mas a Saúde ressalvava que “para o cálculo do custo do cabaz de alimentos poderá ser importante adicionar cerca de 5-10% ao custo médio do cabaz, de modo a permitir contemplar o custo com ervas aromáticas, condimentos, especiarias, produtos como café e chá, entre outros”.

O primeiro-ministro assinou o pacto para a redução dos preços com a distribuição e a produção.

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O acerto final foi feito entre o Ministério das Finanças, de forma a chegar aos 410 milhões de euros de perda de receita com o IVA que o Governo calcula que esteja em causa, e a distribuição, que teve em conta os produtos mais vendidos. Todos os produtos incluídos no cabaz têm atualmente o IVA a 6%, à exceção dos óleos alimentares aos quais é aplicada a taxa intermédia.

Veja a lista de 44 produtos do cabaz alimentar que passam a ter IVA zero

Na lista sugerida pelo Ministério da Saúde o cabaz de frutas, por exemplo, era muito mais vasto. Incluía ananás, alperce, ameixa, cereja, tangerina, dióspiro, figo, kiwi, melancia, morango, nêspera, pêssego, romã e uva.

A sugestão de hortícolas também ia muito além da lista final, e incluía bens como cogumelos, couve de bruxelas, beterraba, pimento e feijão verde. No capítulo das carnes, peixes e ovos, o Ministério da Saúde colocou como hipótese precisamente o borrego e o cabrito, o coelho, mas também peixes como a abrótea, o chicharro, o cherne, os chocos, a corvina, o robalo, a faneca e as lulas. 

O ponta de lança das negociações com a produção e a distribuição não foi nem Medina, nem o ministro da Economia nem a ministra da Agricultura. Foi o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, que se assumiu como “interlocutor único e universal”. Para quem acompanhou o processo, esse acompanhamento foi “normal”, porque estava em causa uma matéria transversal a vários ministérios, e porque se estava a trabalhar em contrarrelógio.

Mas havia outras questões em causa no andamento das negociações. Nomeadamente, o distanciamento entre a CAP e o Ministério da Agricultura e entre a APED e a Economia, este desde que António Costa Silva admitiu a existência de preços especulativos nos supermercados e promoveu, com a ASAE, o reforço da fiscalização. A distribuição não escondeu, desde logo, o incómodo provocado pelas declarações do ministro, acusando Costa Silva de provocar danos reputacionais ao setor.

Distribuição sob pressão máxima do Governo por causa de preço dos alimentos. Medidas de outros países estão a ser estudadas

Os líderes das duas maiores empresas do setor, Cláudia Azevedo, da Sonae, e Pedro Soares dos Santos, da Jerónimo Martins, manifestaram-se publicamente contra o ministro. Essas palavras de Costa Silva acabaram por condicionar o rumo das negociações. Na semana que se seguiu às declarações do governante, um quadro que resulta de uma consulta feita todas as semanas aos consumidores e que avalia de zero a dez o nível de recomendação dos consumidores às insígnias do retalho baixou de uns habituais sete ou oito pontos para zero.

No caso da produção, a crispação é mais dura há meses. E a contestação está nas ruas desde o final de janeiro. Ainda na última sexta-feira, ao mesmo tempo que o Governo apresentava novas medidas de apoio, centenas de agricultores em protesto invadiam a CCDR do Alentejo em Évora. Foi por isso pedido que nem no retrato de família, que resultasse da assinatura do acordo, a ministra Maria do Céu Antunes estivesse presente. Nem nas negociações. A CAP não podia aparecer numa fotografia, na segunda-feira, com a ministra ao lado. Por uma questão de “verticalidade”.

Fonte que acompanhou as conversas desvaloriza a tensão entre a classe e a ministra da Agricultura e sublinha que houve sempre grande disponibilidade e um ambiente construtivo por parte dos parceiros privados nas reuniões com os membros do Governo. Apesar de ser António Costa a aparecer na foto da assinatura do acordo, com os presidentes da CAP e da APED, há cartas de compromisso que envolvem os setores privados e os ministros da respetiva tutela.

O árbitro e o ministro imprudente

Mendonça Mendes acabou por ser o árbitro (“leal e correto”) ao longo de toda a partida. Só com uma das partes, teve cerca de 30 conversas em pouco mais de 48 horas. Mas António Costa também pôs alguma água na fervura. Na cerimónia do Palácio Foz, o primeiro-ministro reconheceu que “não foi fácil sentarmo-nos todos à mesa” e “foi preciso um esforço grande para compreender aquilo que esperam de nós, não é que ralhemos uns com os outros”.

Ainda assim, antes do fim de semana de “loucura” que antecedeu a assinatura do acordo, os ministros das respetivas pastas estiveram diretamente envolvidos nas negociações setoriais, refere fonte conhecedora das negociações, que destaca em concreto o caso de António Costa Silva, que esteve na reunião em que António Costa recebeu a APED.

As negociações “a sério” começaram no fim de semana anterior, com Mendonça Mendes e o primeiro-ministro. Apenas dias antes de o Governo organizar, no Ministério das Finanças, uma conferência de imprensa para anunciar os apoios às famílias, e na qual foi revelada por Fernando Medina a intenção de eliminar o IVA temporariamente em alguns produtos. O ministro das Finanças admitiu que, na altura, ainda não havia acordo e que o fim de semana seria de trabalho no sentido de chegar a um entendimento com todas as partes.

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Esse avanço de Medina foi visto como imprudente no núcleo das negociações. Desde logo porque o ministro das Finanças avançou com uma data: abril. E poderia não ser possível, sem sequer haver um acordo, repercutir o IVA zero em abril. Pelo menos, logo a 1 de abril. Como, de facto, não será. O primeiro-ministro deixou explícito que a distribuição terá 15 dias para aplicar a medida a partir do momento em que esta for publicada em Diário da República. Ao que o Observador apurou, a medida deverá, no entanto, ter um dia certo para chegar às prateleiras, e não um prazo de 15 dias à vontade de cada operador.

As exigências sucederam-se, de parte a parte. A última versão do acordo ficou definida às 17h da última segunda-feira. Apenas uma hora e meia antes da cerimónia de assinatura. Uma versão quase terminada chegou às caixas de correio eletrónico das várias partes às 22h40 do último domingo, pouco depois da goleada de Portugal à seleção do Luxemburgo. O primeiro-ministro ainda quis reunir-se presencialmente na manhã dessa segunda-feira, mas as agendas cheias não o permitiram.

Da avaliação do tema que estava a ser feita pelo Governo desde fevereiro, e na qual se olhou para os exemplos de outros países, concluiu-se que seria necessário incluir também a fileira da produção no acordo. Ou seja, não bastava um acordo com empresas de distribuição, como fez França, para garantir que o IVA zero teria efeito no preço final dos produtos. A participação da CAP e os apoios à produção foram condições impostas pela distribuição, e prontamente acolhidas.

O corta e cola e o que ficou por acordar

As primeiras versões do acordo não eram aceitáveis, referem as mesmas fontes. Uma das questões versava sobre a concertação de preços. Teria de ficar claro no pacto que não poderia haver vestígios de concertação e que o acordo era “limpinho” do ponto de vista da concorrência, e houve acompanhamento jurídico ao longo do processo para garantir que isso acontecia. Sobre esse tema, o “corta e cola” no documento final foi extenso. Foi também por isso que a Autoridade da Concorrência foi integrada na comissão de acompanhamento que vai vigiar a evolução dos preços.

Gonçalo Lobo Xavier, da APED, e Eduardo Oliveira e Sousa da CAP, os signatários do pacto

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

As exigências surgiram um pouco de todas as partes. A partir do momento que a CAP entrou no jogo, entraram também temas que o Governo considerou “paralelos”, mas que os produtores classificaram como fundamentais. Em causa, estava o fim da transferência de competências das direções regionais de agricultura para as CCDR. O que não ficou tratado nesta negociação.

Na sexta-feira que antecedeu o acordo, o Governo comprometeu-se a apoiar com 140 milhões de euros a produção agrícola, a pensar nos setores da suinicultura, aves, ovos, bovinos, pequenos ruminantes e culturas vegetais. Na prática, as compensações foram decididas de forma a mitigar o aumento dos custos de produção dos setores mais afetados. O leite, por exemplo, usa mais rações, mais energia e mais combustíveis, tinha de ter uma compensação maior, explica Luís Mira.

Mas a produção conseguiu mais. Não serão 140 milhões de euros, mas entre 180 e 200 milhões. Isto porque serão renovados os apoios ao gasóleo agrícola, cujo valor dependerá do consumo de 2022, e haverá apoio para mitigar os aumentos dos custos com fertilizantes e adubos. A CAP garantiu ainda que no pacto se prevê a introdução de ajustamentos no que toca à execução do PDR (programa de desenvolvimento rural) 2020 e quando houver a reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) em setembro.

O ministro das Finanças, Fernando Medina (D), ladeado pela ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva (E), durante a conferência de imprensa para apresentação das novas medidas do Governo para mitigar o aumento do custo de vida, no Ministério das Finanças, em Lisboa, 24 de março de 2023. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Fernando Medina e Mariana Vieira da Silva, juntamente com Ana Mendes Godinho, apresentaram os apoios na passada sexta-feira.

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

“Para se praticarem preços baixos, é necessário haver questões estruturais, os preços não devem ser baixos agora, é para manter. Os 1.300 milhões de euros que estão por executar do quadro comunitário anterior ficaram no acordo. E achámos que era uma boa solução que o Governo suspendesse a transferência das direções gerais para as CCDR até à execução do PDR 2020 na sua totalidade, porque se essa transferência for feita vai causar perturbações. Vai levar a que fiquem umas centenas de milhões de euros por executar, e é o país que perde. Avisámos, não aceitaram porque não tinha que ver com o que estávamos a tratar, quando tem tudo a ver. Continuamos preocupados com essa situação e a tentar encontrar soluções”, resume o responsável da CAP.

No que toca aos 140 milhões de euros ainda não está fechada a sua divisão por setores. “Há coisas que têm de ser equilibradas mas já existe um primeiro trabalho sobre isso”, diz a CAP. Por ser uma ajuda de Estado, terá de ser pedida autorização à Comissão Europeia. “Terá de ser célere. Se o Governo pedir com urgência, num mês ou mês e meio está cá. O texto diz que a renovação do apoio ao gasóleo é imediata, convém que o dinheiro chegue agora, não daqui a um ano”, sublinha a CAP.

Passadas as horas de “adrenalina” e excesso de velocidade para se chegar ao Palácio Foz a horas de assinar o acordo, o Governo, a distribuição e a produção têm agora pela frente um pacto para cumprir, “feito na boa fé”, nas palavras do primeiro-ministro, com a meta conjunta de reduzir os preços. “A medida não vem tardiamente, como alguns criticam, porque este não é o momento zero”, disse já esta quarta-feira António Mendonça Mendes no parlamento. A zero, só o IVA.

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