“Sérgio Conceição tem mais dois anos de contrato com o FC Porto. Nem é assunto”. Numa semana que foi marcada pelos 40 anos na presidência dos azuis e brancos, e ao longo das várias intervenções públicas que teve, o treinador esteve muitas vezes presente como uma certeza do passado, do presente e do futuro. E se “Pedroto há só um”, como assumiu, o papel do atual técnico que já passara pelo clube como jogador e campeão tornou-se fundamental para o clube. “O Sérgio é o treinador mais parecido e mais obcecado por ganhar. É também o que convive pior com a derrota, tal como o Pedroto. Perder deixava-o doente. Na forma como convive com os jogadores, o Sérgio também é o mais parecido. O mais semelhante ao Pedroto, embora tendo também características diferentes, é o Sérgio Conceição”, destacou.
Em quase todos os registos históricos, são eles que estão lá em cima. Nos jogos, nas vitórias, nas presenças. E Sérgio Conceição juntou ainda outros dados, como o facto de ter marcado a maior série consecutiva sem derrotas no Campeonato do top 6 das ligas europeias, superando o Benfica a nível nacional e o AC Milan no plano internacional. Mas esta foi a época da consolidação de toda uma viragem de ciclo que começou em 2017, altura em que os azuis e brancos atravessavam o maior jejum de títulos na era Pinto da Costa e procuravam resgatar um ADN FC Porto perdido no tempo e nos insucessos. O treinador já tinha vivido épocas sem reforços, sem unidade, sem proteção para o exterior. Agora, superou outros desafios.
Ainda antes do início da temporada, Sérgio Conceição esteve próximo de sair sem que os dragões tivessem um plano B de substituição. Ficou, adiando essa vontade de um dia voltar a ter uma aventura lá fora mas com a possibilidade de lutar por títulos e andar na Champions. Depois, a meio da época, chegou a ventilar em termos internos a possibilidade de bater com a porta perante a saída de Luis Díaz, não tanto pela venda e pelos valores mas pelo timing antecipado em seis meses. Sem o colombiano, o grande abono da equipa até janeiro, reconstruiu a equipa e tornou-a ainda mais forte no plano coletivo e com mais três jogadores da formação a assumirem papel de destaque. Encontrou soluções onde nasceram problemas. E o principal problema que continua sem solução é a possibilidade de se abrirem de novo portas das principais ligas europeias para um técnico que mesmo sem chegar aos oitavos da Champions teve o seu grande ano.
A possibilidade de saída sem plano B do FC Porto e os três anos de renovação
Sérgio Conceição tinha acabado de ver a terceira goleada seguida frente ao Belenenses SAD para terminar o Campeonato, somava a 150.ª vitória na Primeira Liga e via a equipa fazer a 28.ª partida consecutiva sem derrotas na prova no final de uma época que o colocou como o primeiro treinador de sempre a acabar com 80 ou mais pontos pela quarta temporada seguida. Nem isso quebrou o silêncio, um longo silêncio de mais de três semanas do técnico que começou por causa de um castigo de 21 dias congelado pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Mas os sinais, esses, eram evidentes: toda a família num camarote no Dragão que se ia manifestando, Pepe e Marchesín a procurarem o treinador para lhe darem um forte abraço, um olhar que também ele parecia apontar para uma despedida depois de um 2020/21 terminado só com um título.
O treinador sentia que o desgaste acumulado ao longo de quatro anos tinha chegado a um ponto de erosão onde o melhor para ambas as partes era a saída, ao mesmo tempo que procurava uma experiência europeia depois do Nantes em 2016/17 que lhe permitisse discutir títulos. O FC Porto queria renovar. Mais do que isso: não tinha um plano B preparado. Mas também sabia que, através da Gestifute, havia movimentações no sentido de levar Sérgio Conceição para a Serie A. Todas falharam: a hipótese Nápoles, que chegou a ser a mais forte, caiu (chegou Luciano Spalletti); a Lazio, outra possibilidade, apostou em Maurizio Sarri. E até uma janela possível de ser ainda aberta na Ligue 1 via campeão Lille acabou por fechar-se. Depois de uma semana de impasse, a permanência era inevitável e a questão do ordenado era a menos relevante.
Uns meses antes, Sérgio Conceição recusara uma proposta do Al Sadd que lhe renderia 20 milhões de euros em duas épocas. Mais: quando se transferiu do Nantes para o FC Porto, baixou o seu vencimento. Por isso, os dois pontos mais importantes em cima da mesa diziam respeito ao reforço do plantel, para nivelar as segundas linhas e permitir outra capacidade de jogar em várias frentes, e a uma estrutura do futebol que fosse capaz de proteger mais o técnico evitando as sucessivas guerras, despiques e castigos de que foi alvo. Pela primeira vez na era Pinto da Costa existiria um treinador a começar cinco temporadas seguidas e logo com uma renovação até 2024. Ainda assim, e ao longo nesse período, outras coisas mudaram de forma natural e Sérgio Conceição reforçava ainda mais o seu espaço e o seu peso na estrutura dos dragões no final de uma temporada onde seria menos provável de conseguir por ter ganho apenas a Supertaça.
O dedo apontado a Luís Gonçalves, a chegada de Wendell e as 16 vitórias na Liga
Marega era uma saída inevitável a custo zero (sabendo-se já que ia rumar ao Al Hilal). Felipe Augusto, Sarr e Marko Grujic acabavam o período de empréstimo e também tinham guia de marcha para os seus clubes, sendo que no caso do médio sérvio houve um esforço para garantir a sua permanência no plantel pela boa imagem que tinha deixado. Pepê já estava confirmado uns meses antes, contratado ao Grémio. E Vitinha acabou por ficar sem a certeza se poderiam ou não ainda ser vendido, depois de o Wolverhampton não ter batido os 20 milhões da cláusula de tinha. De resto, tinham chegado apenas Fábio Cardoso e Bruno Costa, em mais uma época de aposta no mercado interno. Na ótica do treinador, o tal esforço era curto.
Na deslocação a Famalicão, na segunda jornada do Campeonato que tinha começado com um triunfo em casa com o Belenenses SAD, o FC Porto saiu a ganhar para o intervalo por 2-0, sofreu o 2-1 e teve um lance na parte final que deixou Sérgio Conceição à beira de um ataque de nervos quando Zaidu perdeu uma bola em zona proibida, os visitados fizeram o empate mas o lance foi anulado por posição irregular pelo VAR. Em público, o técnico mostrou-se agastado e de dedo em riste para Luís Gonçalves, administrador da SAD e delegado ao jogo, quase que “culpando” num gesto a estrutura pela falta de alternativas neste caso para o lado esquerdo da defesa. Quatro dias depois, Wendell, que chegou a ser apontado ao Benfica, chegou ao Dragão para funcionar como alternativa a Zaidu e seria a última cara nova do mercado de verão.
FC Porto foi a Leverkusen “buscar” um defesa esquerdo e oficializa Wendell até 2025
“Eu não reclamo nada. Isto não é o FC Sérgio Conceição, é o FC Porto, sou empregado e represento o FC Porto. O que posso sugerir, falando com a administração e com o nosso presidente, é o ajuste do plantel para um equilíbrio que acho importante. Queria contar com jogadores de nível de seleções mas temos a nossa realidade. Dentro da capacidade financeira do clube, este jogador estava entre duas ou três opções que tínhamos”, comentou após o anúncio de Wendell, relativizando o episódio com Luís Gonçalves, com quem disse ter “uma relação fantástica”. Nos três jogos seguintes do Campeonato, o FC Porto empatou na Madeira e em Alvalade mas partiu depois para uma série de 16 vitórias seguidas no Campeonato.
As vitórias nos clássicos, o mercado pensado sem Champions e o avanço no Campeonato
A derrota nos Açores frente ao Santa Clara no final de outubro e posterior confirmação do afastamento de mais uma Final Four da Taça da Liga (a única prova que Pinto da Costa nunca ganhou como presidente) não teve grande impacto nem no percurso da equipa, nem nas palavras de Sérgio Conceição, que chegava a dezembro tendo todas as decisões em aberto. Umas ganhou, outras falhou. Dependendo apenas de si para chegar aos oitavos da Liga dos Campeões, o que pela primeira vez colocaria três equipas nacionais na fase a eliminar, os dragões perderem na receção ao Atl. Madrid e caíram para a Liga Europa; já na Primeira Liga e na Taça de Portugal, os clássicos terminaram com triunfos convincentes e potenciaram uma crise ainda maior no rival Benfica, que antes do final do ano acabou mesmo por dispensar Jorge Jesus.
O afastamento da Champions foi um golpe complicado de gerir. Para o FC Porto, por razões desportivas mas também financeiras. Para Sérgio Conceição, que voltou a mostrar a Itália a sua capacidade técnica com uma vitória e um empate frente ao AC Milan mas que não chegou para seguir em frente. Para os jogadores, que sabem a importância de andar na principal prova europeia. Era um momento chave da temporada que podia mexer com o trajeto da equipa, foi um momento chave para catapultar o trajeto da equipa. E o início de janeiro funcionou como gatilho para isso mesmo: um dia depois da derrota do Sporting frente ao Santa Clara nos Açores, o FC Porto saiu a perder por 2-0 ao intervalo no Estoril mas conseguiu fazer a reviravolta com dois golos ao cair do pano. Ficou com três pontos a mais, que pouco depois seriam seis.
Foi nesse contexto que Sérgio Conceição pediu mais um central perante os problemas físicos de Marcano e o risco de Pepe poder ter alguma lesão (o que deixaria apenas Mbemba e Fábio Cardoso), se possível mais um lateral perante a lesão grave de Wilson Manafá. Mas foi também nesse contexto que o técnico teve a garantia que não iria sair mais ninguém além de Sérgio Oliveira, um elemento importante a nível de plantel mas que tinha perdido lugar para Vitinha e seria substituído. E foi nesse contexto que o timoneiro dos azuis e brancos balizou os objetivos para o que faltava da temporada: ganhar o Campeonato, ganhar a Taça de Portugal, ganhar a Liga Europa, onde para muitos era um dos favoritos. E foi assim que somou a maior série de vitórias seguidas da época em todas as competições até meio de fevereiro (11).
A venda de Luis Díaz, a hipótese de bater com a porta e as críticas para fora
Sérgio Conceição sabia que uma primeira abordagem do Liverpool por Luis Díaz tinha sido recusada e que os ingleses se preparavam para apostar tudo no mercado de verão pelo colombiano. No entanto, uma oferta de última hora do Tottenham acabou por precipitar um negócio com a equipa de Anfield, levantando uma onda de choque em termos internos a dois níveis com o técnico: primeiro, por sentir que tinha sido “enganado” pela administração que lhe prometera a permanência até ao final da temporada do jogador; segundo, porque a informação da venda tornou-se pública ainda antes da receção ao Marítimo ao contrário do que tinha sido também falado em nome da estabilidade da equipa antes de um jogo difícil.
Por mais do que uma vez, Sérgio Conceição deixou no ar a hipótese de bater com a porta. E voltou a deixar críticas públicas à estrutura portista. “Nas grandes empresas e nos grandes clubes, o planeamento é feito em função dos objetivos. Quando existe pouco planeamento ou não o há, temos de rever objetivos e pensar no futuro próximo. Sou exigente e, neste momento, a verdade é que está mais difícil. Mas faz parte do meu trabalho encontrar soluções. É olhar para o futuro e perceber que os nossos objetivos poderão ficar mais difíceis de concretizar”, atirou após esse encontro com os insulares. “Senti, na primeira parte, alguma falta de ataque ao espaço, algo em que o Luis [Díaz] é muito forte”, assumiu após o triunfo com o Arouca.
Nem mesmo com as contratações de Rúben Semedo, Eustáquio e Galeno houve um imediato “apagar” do que se tinha passado mas o ambiente que se tornou pesado mesmo trabalhando em cima de vitórias foi mudando com o avançar dos dias mas Sérgio Conceição não deixou de fazer sentir que tinham falhado com aquilo que estava projetado e que, caso soubesse dessa inevitabilidade de venda de Luis Díaz num negócio que rendeu 45 milhões de euros mais 15 milhões por objetivos, teria desenhado outro tipo de metas a nível desportivo que não passassem por uma candidatura assumida à conquista da Liga Europa.
A reconstrução de uma equipa que ficou ainda melhor sem a sua estrela
As características de Galeno e a própria necessidade de adaptação ao modelo de jogo dos azuis e brancos teria de fazer com que Sérgio Conceição voltasse a “reconstruir” mais uma vez a equipa, sabendo que só mesmo conseguindo tirar o máximo no plano individual de cada um dos jogadores conseguiria sair com um coletivo ainda mais forte. De uma época para a outra, o técnico mudou em parte a forma de chegar à baliza sabendo que não tinha um elemento com a forma de jogar de Marega no ataque à profundidade e na explosão nas transições; agora, perdera aquele que era o principal desequilibrador da equipa, a chave nos movimentos 1×1 e na entrada no espaço entre lateral e central com golo à mistura. E conseguiu.
A consolidação do meio-campo com Uribe e Vitinha, tendo muitas vezes por questões estratégicas Otávio a jogar por dentro para os laterais darem largura e profundidade à equipa, estabilizou de vez a equipa em termos defensivos, já depois da aposta ganha em Diogo Costa que chegaria mesmo a internacional A neste primeiro ano a 100% na baliza portista. Depois, a forma como “casou” Taremi e Evanilson potenciou por completo o melhor que a equipa podia ter no plano ofensivo, sobretudo pela colocação do iraniano não como um segundo avançado como já tinha sido feito antes mas como um avançado mais a descair para a esquerda, a jogar em movimentos diagonais e com capacidade de chegar a zonas de finalização. Por fim, a maneira como conseguiu colocar Pepê dentro do ADN FC Porto a nível tático e de mentalidade, servindo muitas vezes (com sucesso) como lateral e como retirou o melhor de Fábio Vieira para a equipa.
Mesmo sem os reforços pretendidos no verão, Sérgio Conceição conseguiu introduzir mexidas na equipa para torná-la ainda mais competitiva e com mais dois jovens formados no clube como indiscutíveis, Diogo Costa e Vitinha. Mesmo sem aquela que foi a grande figura na primeira metade da época (Luis Díaz), Sérgio Conceição criou um modelo de jogo capaz de agigantar ainda mais a equipa no plano interno. Em cinco anos, o técnico ganhou três Campeonatos, duas Supertaças e uma Taça de Portugal, estando ainda na final de mais uma no Jamor frente ao Tondela, tendo ainda chegado quatro vezes à fase de grupos da Champions (2022/23 será a quinta), uma aos oitavos e duas aos quartos. Ainda assim, a forma como foi conseguindo adaptar a equipa às ausências que ia sofrendo fica esta época como o seu principal legado.