Em poucas horas, dois vídeos publicados pela página de Facebook do Leinster House, um pub em Alvor, geraram uma onda de indignação nas redes sociais. É que nesses vídeos é possível ver vários militares da GNR sentados nas mesas de um restaurante, a beber e a comer, numa altura em que o concelho de Portimão ainda não podia ter estes estabelecimentos abertos, no âmbito das regras de combate à pandemia da Covid-19. Mas aqueles militares, oriundos de todo o país, estão a dar apoio à Volta ao Algarve em bicicleta e estavam hospedados num hotel que não tinha capacidade para lhes fornecer refeições. A alternativa foi almoçarem e jantarem num restaurante perto do hotel — uma opção que teve até um parecer positivo por parte da autoridade regional de saúde.

O primeiro vídeo tem mais de 600 partilhas

No primeiro vídeo, de mais de sete minutos, vê-se os vários militares da GNR sentados nas mesas do interior e da esplanada da restaurante. Nele, ouve-se o autor do vídeo, que fala em inglês, a alertar um dos empregados que passa: “Acho que não pode ter pessoas aí dentro.” Ao que o funcionário responde: “Posso, sim. Se quiser, mostro-lhe os papéis.” Depois, o autor do vídeo acaba por confrontar os próprios militares da GNR: um primeiro explica que não fala inglês, um segundo não consegue dar uma explicação para o porquê de o restaurante estar aberto — e chama um responsável do estabelecimento que explica que tem um parecer que o permite ter o restaurante aberto. E compromete-se a mostrar esse parecer ao autor do vídeo e a explicar-lhe o que está em causa, caso ele pare de filmar — o que não acontece, pelo que o responsável acaba por se afastar.

Num segundo vídeo, os militares da GNR já estão a abandonar o restaurante. Ao mesmo tempo, o responsável aproxima-se da pessoa que está a filmar e pede, mais uma vez, que pare de gravar. “Recuso-me a parar de filmar“, afirma, acabando por usar uma linguagem obscena. Depois, o responsável acaba por explicar que está a fornecer comida aos militares porque estão a trabalhar no âmbito da Volta ao Algarve de ciclismo e estão hospedados num hotel que não tem restaurante. Ainda assim, o autor do vídeo continua a mostrar-se indignado.

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O segundo vídeo tem mais de 200 partilhas

O vídeo é verídico: foi filmado na noite de 4 de maio, no restaurante Golfland, em Alvor, no concelho de Portimão. Afinal, por que razão estavam os militares da GNR a jantar num estabelecimento que, segundo as regras gerais de confinamento, devia estar fechado?

Fonte oficial da GNR explicou ao Observador que os militares que se veem no vídeo fazem parte de um grupo “27 militares, oriundos de todo o país” que está a fazer o acompanhamento da 47.ª Volta ao Algarve, uma prova de ciclismo que se realiza entre os dias 5 e 9 de maio, “a fim de garantir a segurança ao longo de todo o percurso da prova”. Ora, estes militares “pernoitam e tomam as suas refeições nos espaços reservados para o efeito pela organização da prova”. Os militares do vídeo em específico estão a pernoitar no hotel Aqua Alvor Jardim e a tomar as refeições no restaurante Golfland, já que o hotel não tem restaurante nem condições para efetuar esse serviço.

Autoridade de Saúde deu parecer positivo para fornecer refeições a militares e staff da Volta ao Algarve. Hotel onde estão alojados não tem restaurante

De facto, esse parecer existe e foi pedido pelo responsável do Golfland à autoridade de saúde. Nesse pedido, a que o Observador teve acesso, o restaurante explicava que tinha sido contactado “há cerca de um mês pelos hotéis Água” para servir “dois grupos que fazem um total de cerca de 40 pessoas”, que iam estar “alojados entre 5 e 8 de maio de 2021“: além dos militares da GNR, desse grupo faziam ainda parte membros da Federação Portuguesa de Ciclismo.

Todos eles vão estar a trabalhar na Volta ao Algarve em Bicicleta. Este pedido por parte do hotel tem como base o facto de o hotel não ter restaurante nem condições para prestar este serviço”, lê-se no parecer.

No documento, o restaurante argumentava que tinha uma zona de cerca de 300 metros quadrados que permitiria manter a distância de segurança e, além disso, planeava organizar o grupo por turnos: “O primeiro grupo de 20 pessoas começa a jantar às 19h00 e é composto pelos membros da federação. O segundo grupo virá às 21h30 e é composto pela Brigada de Trânsito. A duração da refeição será de uma hora para cada grupo, tendo um intervalo entre cada refeição para podermos proceder à limpeza necessária. Depois da refeição, os elementos do grupo têm de abandonar o edifício não sendo permitida a sua permanência“.

Os responsáveis do restaurante acrescentavam que iriam ter apenas dois funcionários a trabalhar e garantiam que não seria permitida a entrada de outras pessoas cujos nomes não constassem nas listas fornecidas pela Federação Portuguesa de Atletismo. “Da parte da Federação, foi-nos enviada uma declaração justificativa de que todos os elementos desses grupos fazem parte de uma bolha, conforme as regras estabelecidas. Designadamente, a utilização de sala para refeições deverá ser exclusiva para os elementos da bolha”, argumentava ainda o parecer.

Este pedido viu um parecer favorável ser emitido pela Autoridade Regional de Saúde (ARS), segundo confirmou a ARS do Algarve ao Observador. Ainda assim, era exigido o cumprimento de um conjunto de regras. Por exemplo:

  • A utilização de sala para refeições deverá ser exclusiva para os elementos da bolha;
  • Sempre que possível, nos momentos de espera, deverá ser utilizada máscara;
  • Os desportistas e staff devem fazer as refeições em mesas com o menor número de pessoas e o maior distanciamento possível. Os elementos do staff deverão ficar bem separados dos atletas, idealmente servidos em momentos temporais diferentes.

Além disso, todos os elementos da comitiva profissional estavam obrigados a ter um teste laboratorial para deteção da Covid-19 com resultado negativo, “realizado o mais perto possível da entrada no estágio/hotel e até 48 horas antes”, explicou a ARS do Algarve ao Observador.

Conclusão

Dois vídeos publicados pela página de Facebook do Leinster House, um pub em Alvor, mostram vários militares da GNR sentados nas mesas de um restaurante, a beber e a comer, numa altura em que o concelho de Portimão ainda não podia ter estes estabelecimentos abertos, no âmbito das regras de combate à pandemia da Covid-19.

Só que este vídeo foi publicado sem qualquer contextualização. Apesar de verídico, os militares que se veem no vídeo fazem parte de um grupo 27 militares, oriundos de todo o país, que está a fazer o acompanhamento da 47.ª Volta ao Algarve em bicicleta. Estes militares estão alojados num hotel que não tem restaurante nem condições para efetuar esse serviço. Por isso, o hotel contratou os serviços deste restaurante para que possa fornecer refeições não só aos militares, mas também a staff da Volta ao Algarve. Esta opção teve até um parecer favorável da autoridade de saúde regional, que impôs o cumprimento de várias regras.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.

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