Não é coincidência qualquer semelhança com a entrada num hospital a nossa vida nesta passagem de 2021 para 2022, à espera dos efeitos de uma vaga Omicron que, garantiam, nos ia matar aos milhões: passámos de cidadãos a pacientes, a política adquiriu o modo de funcionamento das urgências hospitalares, os políticos não prestam contas, dão instruções que, dizem, nos vão salvar. (E quem não se quer salvar?) Vivemos agora com o tempo suspenso do universo hospitalar. Tudo fica para depois. Agora vamos salvar-nos. Os pacientes não criticam, acreditam – precisam de acreditar – que se cumprirem serão salvos. A sobreposição com o discurso religioso não é casual.
Uma das primeiras coisas que se aprende quando se entra num hospital é que se fica desligado da realidade exterior: o trabalho não conta, a escola fica para depois, o tempo e os compromissos ficam suspensos. A desconexão com o mundo exterior é a regra. Nada existe para lá daquela bolha. Não há horas nem prazos: tudo se submete à lógica imperscrutável dos horários dos tratamentos, das consultas e dos exames. À simples pergunta: a que horas posso obter esta ou aquela informação? Surge aquela absurda resposta: Passe por cá depois. Venha falar comigo. Quando? Amanhã de manhã? A que horas começa essa manhã? Quando acaba? Onde se pode falar? São horas e horas perdidas num corredor, ou melhor à espera que passe o tal médico, o enfermeiro…
Só que agora essa regra do tempo suspenso dos serviços hospitalares aplica-se a toda a nossa vida: as escolas abrem uma semana mais tarde em Janeiro. Ou se calhar duas semanas mais tarde. Para ir ao restaurante ao fim-de-semana temos de fazer um teste. E ao teatro? Também… Não, não é assim. Isso era na semana passada. Temos de nos vacinar para recuperarmos a nossa vida normal mas depois acabámos a não ter a vida normal, a levar mais vacinas e até a excluir das actividades escolares as crianças que não se vacinaram, pois as crianças que não sofrem da doença têm de se vacinar para proteger os mais velhos que apesar de estarem vacinados não estão protegidos. Complicado? No mundo dos pacientes não há lugar para dúvidas nem para o ridículo: temos a polícia atrás de nós para evitarmos os ajuntamentos que se sabe serem fatais, à excepção dos ajuntamentos para verificarmos se estamos infectados.
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