1 A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de promulgar os decretos da Assembleia da República, que aumentam a despesa com apoios sociais, é seguramente controversa, provavelmente inconstitucional, mas sobretudo abre um precedente grave. O respeito pela “norma travão” é essencial não apenas para assegurar a indispensável separação, e interdependência, de poderes entre órgãos de soberania, mas para a própria sustentabilidade financeira do Estado, ou seja a nossa capacidade de ter autonomia enquanto país soberano. A pandemia irá passar e chegará o tempo em que a política expansionista do Banco Central Europeu vai terminar e as taxas de juro vão começar a subir. Até lá, e nessa altura, ou Portugal consegue ter crescimento económico, alguma inflação e controle das finanças públicas, com o peso da dívida pública a diminuir, ou colapsará novamente nas mãos dos seus credores.
Em 2012 , no auge da crise financeira e da intervenção da troika em Portugal escrevi sobre essa norma: “Não só a norma constitucional deveria ser clarificada, como aqueles que têm o poder de requerer a inconstitucionalidade de diplomas, em particular o Presidente da República, mas não só, deveriam dedicar acrescida atenção à sua violação.” (p. 111) Obviamente que o respeito pela norma travão não é a panaceia para os nossos problemas, mas o facto é que ajuda, e ainda bem. Não me deterei sobre os argumentos de inconstitucionalidade, bem expressos aqui por Vital Moreira, mas sobre a forma como foi densificada na lei de enquadramento orçamental (LEO) algo que não vi discutido.
A Constituição dá o poder ao executivo de propor o orçamento, à Assembleia da República o poder de o alterar e aprovar e ao governo de o executar, sem que durante essa execução os deputados possam fazer agravar o défice orçamental (ou seja aprovar mais despesa ou menos receitas). A não ingerência de um órgão de soberania nas competências de um outro, é o garante da sustentação da nossa convivência democrática.
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