Quem assistiu aos debates políticos pré-eleitorais, ter-se-á apercebido, amiúde, da retórica fraca de ideias, com recurso intensivo a chavões para disfarçar a pobreza da narrativa.

Desde o “arrastar dos pés” de Pedro Nuno Santos – um dos seus “soundbites” favoritos para encobrir as “traquinices” inconsequentes – à historieta da “avózinha” de Mariana Mortágua, usou-se e abusou-se de “muletas” para cativar a audiência.

Por isso, no final da maratona televisiva, pondo em confronto os líderes partidários, prevaleceu, sobretudo, a lógica futebolística de quem ganhou ou perdeu, sem cuidar da substância nem valorizar os mais preparados.

Os “moderadores” (de apelido…) também contribuíram para essa sementeira de palavras ocas, feita, por vezes, a uma cadência frenética, em que se distinguiram, principalmente, André Ventura e Inês Sousa Real, com Pedro Nuno bem lançado no estilo.

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Mesmo no último debate, que pôs frente-a-frente os dois “candidatos” a primeiro-ministro, a intensidade do “ruído” – e das interrupções dos “moderadores” – liquidou qualquer propósito de esclarecer o eleitorado, designadamente, os indecisos, sendo declarado “vencedor“ o que falou mais alto.

Pelo menos foi esse o remate dos inúmeros painéis de “comentadores” – ou de “aficionados”, para citar António Barreto – que frequentaram o serão televisivo, prolongando-se por muito mais tempo do que os próprios debates.

A exemplo do que acontece com o futebol, terminado o jogo, também no âmbito do cartaz político, os “analistas” ocuparam a antena a esgrimir entre si judiciosos argumentos, consoante as suas inclinações partidárias ou dependências próprias, atribuindo uma pontuação de zero a dez, para pouparem o público à maçada de pensar pela própria cabeça….  como se não tivesse percebido patavina   do que viu e ouviu.

Por fim, nos debates em duas doses – primeiro na televisão e, depois, em versão radiofónica partilhada por várias emissoras -, valeram as frases feitas e as “caneladas”, que não esclareceram quase nada, nem sobre os tabus nem sobre as cambalhotas discursivas.

No mundo da “futebolização” da política não faltam sequer as “claques” ruidosas e os “treinadores de bancada”, embora em termos europeus o país não consiga escapar à “liga dos últimos”.

Os “comentadores” são, de resto, uma originalidade bem portuguesa, que tem vindo a ganhar terreno, combinando, não raramente, com apreciável desenvoltura, o futebol e a política, invariavelmente, à base do mesmo desvelo e fervor “clubístico”.

E se no futebol há antigos jogadores ou árbitros, investidos no papel de “comentadores”, também na política sobram os ex-actores – ou, até, protagonistas ainda no activo -, que saltitam de estúdio em estúdio, para enriquecerem com o seu saber e experiência o bom cidadão, supostamente pouco versado ou ignorante nestas coisas.

Coube a Marcelo Rebelo de Sousa lançar o novo formato, com uma rubrica regular de comentário na TVI, nos alvores do ano 2000, portanto, quase a celebrar um quarto de século.

E há quem identifique nessa matriz a sua popularidade, que lhe permitiu ser eleito e reeleito quase sem campanha e ser uma referência para tantos outros, políticos e não políticos, desde advogados a jornalistas, embora na sua maioria uns “furos” abaixo do pioneiro no género.

Foi uma tendência que contaminou, inclusive, alguns jovens recém-chegados às redacções, que sentiram o irresistível apelo da intriga política, mesmo antes de serem capazes de redigir, cabalmente, uma notícia com princípio, meio e fim. Perdeu-se a tarimba.

Por isso, é hoje cada vez mais ingrato separar num texto de jornal o que é informação do que é opinião, acabando o leitor por privilegiar as redes sociais por lhe parecerem a melhor fonte. Daí à falência da objectividade é um passo curto.

Num estudo recente do Media Lab do ISCTE, concluiu-se que o recurso ao comentário é hoje adoptado na generalidade das televisões, produzindo, por vezes, “distorções nas dinâmicas editoriais noticiosas, levando a que se escolham determinado tipo de notícias porque elas permitem que alguém as comente, ou mesmo tornando o comentário no ponto de partida para, posteriormente, alimentar o foco editorial da agenda noticiosa”.

Para se ter uma ideia do movimento dinâmico do ”comentariado” em televisão, basta citar o trabalho publicado, em livro, pela investigadora Rita Figueiras – para quem Marcelo se tornou na  “medida-padrão do comentário em Portugal” – e  que inventariou, entre 2000 e 2017, nada menos de 273 comentadores de politica  – 224 homens (82%) e 49 mulheres (18%) – o que levou a autora a concluir que o sector é maioritariamente masculino.

Claro que estes números já estarão desactualizados, tendo em conta a grande rotatividade e o aumento exponencial de “comentadores” nos diferentes canais – com relevo para o contributo da CNN Portugal, que substituiu a TVI 24 e que não se fez rogada nessa matéria…

Há quem veja nestes modelos um “império dos comentadores”, onde quem manda são os políticos, que se servem das televisões para prosseguir as suas agendas partidárias e conquistarem a notoriedade que frequentemente lhes falta.

André Ventura, antes de fundar e liderar o Chega, foi um ardoroso “comentador” de futebol, conhecido pela mesma truculência que hoje exibe nos debates políticos ou nas suas intervenções parlamentares. Foi nesse campo que ganhou o à-vontade que hoje exibe nas intervenções televisivas, onde as camaras há muito deixaram de intimidá-lo.

Pedro Nuno Santos, depois de ser forçado a demitir-se de ministro, por causa das trapalhadas em que se envolveu, correu a fazer-se também “comentador” residente na SIC, fazendo gala de uma curiosa duplicidade, ao criticar em antena medidas do governo que aprovaria no parlamento enquanto deputado.

A experiência seria curta, devido à queda do governo e à dissolução do parlamento, que o alavancaram para suceder a António Costa na liderança do PS, apresentando-se hoje com um currículo pouco invejável e uma das mais desastrosas prestações como ministro da Habitação e Infraestruturas. Ironicamente, porém, tem o topete de repetir-se a dizer que o seu adversário Luís Montenegro está “impreparado” …

Tal como o PS procurou omitir, a todo o custo, a sua responsabilidade no memorando assinado com a troika, que impôs uma pesada austeridade aos portugueses, Pedro Nuno – um devoto de Sócrates, que conduziu o País ao limiar da bancarrota – procura igualmente escamotear os seus falhanços em dois sectores nucleares da governação, para “vender” competências que lhe faltam.

E, para ajudar à festa, até José Luís Carneiro perdeu a compostura que o caracterizava ao dar eco a “rumores” de que o PSD e o Chega estão empenhados numas “negociações escondidas” nos bastidores. Ficou-lhe mal. A reviravolta em algumas sondagens está a deixar o PS aflito…

Significativo do “estado de alma” do País é, aliás, o Eurobarómetro publicado em finais de 2023, no qual os portugueses aparecem com uma visão positiva da União Europeia, mas, em contrapartida, são mais pessimistas do que a média dos europeus relativamente à situação da economia nacional.

Vale a pena recuperar o essencial desse estudo regular, que não nos deixa em posição confortável.

De facto, em cada quatro de cinco inquiridos, os portugueses consideram a situação do país como má ou muito má (80%), colocando o País   como o segundo com a perspetiva mais negativa entre os 27 Estados-membros, sendo apenas superado pela Grécia (83%).

Portugal surge, ainda, como o país da UE-27 com a maior queda na satisfação face à democracia nacional (10 pontos percentuais), acima da Espanha, Polónia e Eslovénia.

Além disso, a confiança dos portugueses nas instituições políticas, especialmente no governo, sofreu um trambolhão considerável, com apenas 33% a expressar confiança no governo nacional, uma diminuição de 15 pontos percentuais face ao verão de 2023 – a maior quebra registada nos Estados-membros da UE.

O aumento do custo de vida é o problema mais significativo do país para 51% dos portugueses, seguido da saúde (44%) e, mais abaixo, a habitação (21%).

As preocupações dos portugueses diferem, ainda, de uma forma assinalável, das do conjunto dos cidadãos da UE, havendo uma menor ênfase em questões como a imigração (3%) e o ambiente (4%).

São tópicos importantes do “legado” de António Costa de que Pedro Nuno Santos diz orgulhar-se, sem se perceber porquê, após oito anos de governação errática – desde a Saúde, à Educação, à Agricultura, à Segurança ou à Defesa e à Justiça -, em parte, com maioria absoluta.

Se nada mudar no próximo dia 10 de março, e se as esquerdas forem ainda as mais votadas, é assim que o País irá continuar. De mal a pior. A “arrastar os pés”, sufocado de impostos, de mão estendida, com rédea curta e com a célula da família “virada do avesso”, mas com muito futebol, e com mais Estado e pior Estado…