Gerou-se um sentimento quase unânime de que o debate em torno das presidenciais é precoce, desnecessário e até infantil, não só pelo timing como pelos seus proponentes. A direita, com o peso da sua consciência judaico-cristã, tem aqui menos culpas do que as que carrega. Foi Costa, afinal, que lançou o tema, apoiando Marcelo sem este ser sequer recandidato. E foi Ventura, não esqueçamos, que anunciou o seu avanço antes de tudo e de todos. O espaço político da direita democrática limitou-se a reagir, com a sua espontaneidade e diversidade tão bonitas e contrastantes com o pragmatismo da esquerda no que a Belém diz respeito. A verdade é que a direita fez o que tem feito: louvou, opinou, apontou e lá recuou de volta ao seu cantinho. Houve, deu para ver, apoios que foram fugas e outros que não passaram de amigáveis provocações; como há intenções que são nobres, não caindo na aparição por desporto (e não por dever) ou na atenção por ego (e não por querer).

Pondo os pontos nos is: começa a ser um tanto cansativo que a direita passe a vida a choramingar que “o país é do PS” e que “Portugal é de esquerda” para depois entregar as disputas eleitorais, que são as que contam, a socialistas, populistas ou anónimos. A política precisa de políticos e os políticos precisam de ir a votos. Caso contrário, não passam de comentadores, figurantes e presenças ocasionais em ecrã ou manchete, cujo dia de trabalho é dedicado a negócios e a nada daquilo que devia motivar um político: servir.

Tenho, como esta coluna já tornou evidente, estima pelo Presidente da República, não me impedindo isso de considerar a ideia de uma terceira candidatura à direita, além da sua e da de André Ventura. Os argumentos são mais racionais do que ideológicos. Parece-me, em primeiro lugar, uma imprudência forçar o eleitorado da direita tradicional a ter de escolher entre um incumbente apoiado pelo PS (Marcelo) e um populista apoiado pelo Chega (Ventura). Não haverá mesmo mais do que isto? Sendo que nenhum deles representa a última direita que ganhou eleições em Portugal – a coligação PàF, em 2015 –, para onde vai este eleitorado? Fica em casa? Vota em Ventura, como protesto contra os últimos cinco anos de esquerda no poder, apadrinhados pelo Presidente?

Em segundo lugar, parece-me igualmente imprudente, perante o cenário de crise que assola o país, chegarmos à campanha presidencial sem uma única candidatura não-populista. Entre os afetos de Marcelo e as paixões de Ventura, quem falará sobre números, factos e realidades, tão fundamentais em momentos de incerteza económica e social? O moderador dos debates?

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Em terceiro lugar, de uma perspetiva mais estratégica, não entendo como é que a direita democrática não planeia proteger o seu espaço eleitoral nas presidenciais, entregando-o ao PS ou à voragem de André Ventura. Se o PSD e o CDS não querem que um socialista suceda a Marcelo na Presidência, têm de preservar o espaço de uma candidatura sua a essa sucessão – e Marcelo, apoiado por Costa e colado aos anos da “geringonça”, foi incapacitado de o fazer. Se isso obriga a uma derrota eleitoral? Sim, claro. Mas o oposto – apoiar Marcelo ao lado do PS –, nunca significará uma vitória para a direita. Basta lembrar quem apoiou Marcelo em 2016 – o PSD de Passos – e o que o Marcelo lhe fez após ser eleito Presidente. Cinco anos depois seria diferente? Porquê?

Finalmente, como já aqui defendi, fechar as presidenciais entre um candidato que simboliza o regime (Marcelo) e um candidato que propõe uma mudança de regime (Ventura) é algo perigoso, imprevisível e incontrolável, que uma pulverização de outras candidaturas – à esquerda e à direita – poderia prevenir. No meio de tudo isto, talvez ninguém esteja a pensar na questão mais estrutural: se as presidenciais se converterem num referendo à República, em que Marcelo personifica o regime, o que acontece ao regime depois de Marcelo sair da Presidência? Acaba? Sobrevive?

Será irónico ver o país que toda a gente canta como “socialmente de esquerda” disputar a chefia de Estado entre figuras das direitas. Para o país, para essa eleição e para as direitas, era melhor que lá estivessem todas.