Antes Saramago, agora Lobo Antunes. Ambos idealizam uma União Ibérica à qual reajo com aversão, mas a opinião de dois dos maiores nomes da literatura não deve ser liminarmente rejeitada. O exercício da sua ponderação é, no mínimo, apropriado, podendo-se retirar daí lições importantes.

Primeiro, devemos constatar que o nascimento do moderno conceito de Estado-Nação veio rescrever os feitos até então realizados na nossa comunidade, motivados pelos mais difusos interesses, numa narrativa que visa dar especial enfoque à nacionalidade. Até aí não bebíamos da visão nacionalista da nossa História que bebemos hoje, pelo que esta União não seria de todo estranha.

Em segundo lugar devemos agradecer à sorte não estarmos já unidos. A política de casamentos na Península mais se assemelharia a um jogo de roleta, daí a legitimidade dinástica de Filipe I invocada por Lobo Antunes. A governação da União Ibérica pelos Filipes fez-se com o reconhecimento dos privilégios de Portugueses, promessas de respeitar os seus foros e isenções, de nunca nos dar para governador senão um nobre português ou um membro da família real, bem como a criação de um Conselho de Portugal, de forma a assegurar a autonomia administrativa no âmbito da União.

Não estamos hoje unidos porque o monarca, depois de cá residir dois anos, regressou a Espanha e com isso ter complexificado a promulgação de leis e a assinatura de documentos. A carga fiscal imposta para financiamento do esforço bélico Espanhol e ainda o facto de o último dos Filipes terminar com as regalias prometidas pelo primeiro, praticamente transformando Portugal numa província Espanhola, ajudou ao descontentamento. Veja-se que, já na altura, também se recorreu às fake news para inspirar um levantamento contra esta política, através da crença Sebastianina, pela qual se tentou transferir as profecias do regresso de D. Sebastião para D. João, Duque de Bragança, como meio de reforçar a sua legitimidade dinástica.

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O princípio da subsidiariedade, segundo o qual uma autoridade central apenas intervém a título subsidiário em relação à autoridade local, é a pedra angular de qualquer União. As Uniões falham quando esta falha, e a União Ibérica falhou quando a autoridade central se distanciou da autoridade local, e quando, sob o pretexto de interesses comuns à União, nos quais não nos revíamos, atuou em nosso desfavor.

Mas Espanha é hoje o principal parceiro comercial de Portugal. As entidades espanholas controlam mais de um quarto do sistema bancário de Portugal. As cadeias de valor estão cada vez mais integradas, havendo muitos centros de decisão comuns de sucesso, e ainda políticas que são melhor prosseguidas em conjunto, como por exemplo as energéticas e ambientais. Então porque continuamos separados?

O problema estaria mais uma vez na subsidiariedade. Muito dificilmente nós nos reviríamos no que os Espanhóis tendem a ver como interesses comuns, ao ponto de abdicarmos totalmente da soberania. Exemplo disso são os problemas que os próprios Espanhóis enfrentam ao tentar compatibilizar os interesses das suas diversas regiões.

A Península é um eficaz tubo de ensaio para a União Europeia e as suas dificuldades em compatibilizar interesses divergentes sem se desfigurar. O Brexit é um sintoma dessas dificuldades e qualquer projeto de exército Europeu terá de passar pelo mesmo crivo. Se Lobo Antunes defende que a cozinha Catalã é a melhor, ele certamente não quer que esta desapareça, e quem me tira os Rojões à Moda do Minho, tira-me tudo!