Mário Centeno, de quem se fala como futuro ministro das Finanças, é especialista em mercado de trabalho. Mas, ao contrário de Varoufakis, que era ‘especialista’ em teoria dos jogos, Centeno é mesmo especialista em mercado de trabalho. Basta ver o seu curriculum académico: são dezenas de publicações, algumas das quais em prestigiadas revistas internacionais. Por exemplo, o seu último trabalho científico, no qual conclui que os apoios aos desempregados não se devem estender ao longo de muito tempo, foi publicado no Oxford Bulletin of Economics and Statistics.

Devo dizer que vejo com bons olhos a participação de prestigiados académicos na governação. Faz sentido chamar para coordenar as políticas de um sector de actividade alguém que passou vários anos da sua vida a estudar esse sector.

Mário Centeno, não só esteve duas décadas a estudar e investigar o mercado de trabalho, como, recentemente, com a chancela da Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicou um livro com uma série de propostas para melhorar o funcionamento do mercado laboral português. Sugestivamente, o livro tem como título “Trabalho, uma visão de mercado”. Ou seja, se há contributo relevante que Mário Centeno possa dar para a governação do país ela será, precisamente, no Ministério do Trabalho e da Segurança Social (ou outro nome parecido).

Quem conhece o pensamento de Mário Centeno sobre este assunto, facilmente o vê espelhado no programa do PS:

  1. descida da TSU para os trabalhadores, a fim de estimular formas de poupança alternativas à Segurança Social (mesmo que o programa do PS diga que é para estimular o consumo);
  2. descida da TSU para as empresas (por contrapartida da diversificação de receitas da Segurança Social) para baixar os custos do trabalho, incentivando assim o emprego;
  3. o processo conciliatório para cessação de contrato de trabalho, adicionando um novo mecanismo que aumenta a flexibilidade do mercado laboral (ideia importada da Alemanha);
  4. o complemento salarial anual, um subsídio atribuído a trabalhadores cujas famílias tenham rendimentos abaixo de um determinado patamar. Ideia importada dos Estados Unidos, onde constitui uma das principais formas de combate à pobreza. Tem como objectivo apoiar trabalhadores de baixos rendimentos sem os efeitos perversos do salário mínimo.

Relativamente à primeira proposta, Catarina Martins já nos comunicou que tinha ficado pelo caminho nas conversações entre o BE e o PS. Sobre a segunda proposta, Catarina Martins já nos comunicou que foi ao ar. Quanto à terceira proposta, Catarina Martins já nos comunicou que caiu.

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Quanto à quarta proposta não se fala disso. Mas fala-se de uma relacionada, o salário mínimo. A literatura económica diz-nos que o salário mínimo, se não estiver alinhado com as condições do mercado de trabalho, provoca desemprego. É precisamente por esse motivo que cada vez mais economistas defendem que se recorra a complementos salariais em vez do salário mínimo. Há vários estudos que mostram que estes complementos aumentam o emprego.

Muita gente argumentará que o salário mínimo em Portugal é tão baixo que o perigo de provocar desemprego não existe. Infelizmente, não têm razão. Para se aferir se o salário mínimo provoca efeitos nefastos, é necessário analisar em que condições está o mercado de trabalho. Sobre este assunto, a literatura económica identificou três condições necessárias: o Índice de Kaitz (que é, simplesmente, o rácio do salário mínimo com o salário mediano) não deve ser muito elevado; não deve haver desemprego excessivo e os aumentos do salário mínimo devem ser moderados. Se estas condições não forem verificadas, com toda a certeza, subidas de salário mínimo serão contraproducentes, levando a aumentos importantes do desemprego.

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Como se pode ver no gráfico que apresento, o Índice de Kaitz em Portugal tem o valor de 58%, sendo o terceiro mais alto da União Europeia. O desemprego em Portugal é dos mais altos da Europa e se, como defende Catarina Martins, nos próximos anos o salário mínimo subir para 600€, Índice de Kaitz português subirá para valores seguramente acima de 65%, tornando-se o valor mais elevado da União Europeia. Uma variação que pode ser qualificada de diversas maneiras, mas nunca como moderada. Enfim, adivinham-se consequências desastrosas no desemprego.

E Mário Centeno sabe disto muito bem. Afinal foi ele que tirou esta conclusão num estudo publicado no Boletim do Banco de Portugal, que passo a citar: “Globalmente os resultados apontam para um efeito negativo de aumentos do salário mínimo do emprego de trabalhadores com baixos salários, que tem como contrapartida pequenos ganhos salariais.”

Enfim, se é para isto que serve um especialista em mercado de trabalho nas negociações de um programa de governo, então, realmente, mais vale ir para as Finanças.

Professor de Economia da Universidade do Minho, aguiarconraria@gmail.com