1. As democracias liberais europeias estão em declínio. Há que dizê-lo, com preocupação, mas com frontalidade. Só podemos combater  essa rampa descendente se a reconhecermos em todas as suas manifestações. Se a segunda metade do século XX foi o século da democratização do continente europeu, com sucessivas vagas no oeste e no leste, o primeiro quartel do séc. XXI está a mostrar-se como o da retração da qualidade da democracia e o início de derivas autoritárias anti liberais. Os alicerces dos regimes democráticos    são um conjunto de instituições, de valores e finalmente de homens e mulheres que dão corpo a esses valores e que fazem funcionar essas instituições. Essencial para o funcionamento democrático é a ideia simples de representação que se opõe à visão populista de representação direta e de ausência de mediadores (partidos). A separação de poderes e a qualidade do seu exercício são essenciais. Um sistema judicial eficaz e independente do poder político, um executivo que governa para os seus cidadãos, uma assembleia representativa dos cidadãos que legisla para o bem comum destes. Os valores em que assenta a democracia, são o da legitimidade do uso da regra da maioria, na impossibilidade de consensos, mas da preservação constitucional e real dos direitos das minorias, da tolerância religiosa, do respeito pela diversidade humana. A democracia não existe sem o escrutínio de uma imprensa livre.

2. São cada vez mais os países europeus em que  se violam uma ou várias destas características. Líderes autoritários e populistas vão-se afirmando em democracias já de si pouco consolidadas – casos de Erdogan (Turquia), Putin (Russia), Orban (Hungria). Como bem sistematiza a  há quatro passos para minar democracias. Primeiro, a base é o descontentamento popular com o status quo (e.g. crise financeira, refugiados). Depois, políticos autoritários arranjam bodes expiatórios internos ou externos para reforçar o seu poder. Alcançado este, passa-se à fase do enfraquecimento do poder judicial e da imprensa e de pôr em causa alguns direitos individuais. Finalmente, o colapso dos regimes democráticos quando as eleições deixam de ser justas, as constituições alteradas para concentrar o poder das maiorias absolutas. A forma fácil de olhar para esta degenerescência da democracia é dizer que são fenómenos preocupantes, mas relativamente isolados. Mas será assim?

3. Mesmo nas democracias mais consolidadas cresce extraordinariamente o peso de partidos e pessoas que não partilham os valores que sustentam as instituições democráticas: Marine Le Pen (França), a Alternativa pela Alemanha (AfD), Freedom Party (Holanda e Áustria), Liga (Itália), os Verdadeiros Finlandeses, os Democratas Suecos e o Partido do Povo da Dinamarca.    Acontece que mesmo nestes casos, apesar de não estarem no poder estes partidos nacionalistas e de direita, pelo peso eleitoral que têm (ver Tabela) acabam por influenciar decisivamente as políticas. Veja-se o caso recente do ministro do Interior alemão da Baviera (CSU) que com a perspetiva de eleições em Outubro, está a radicalizar o seu discurso numa confrontação com Merkel pondo em causa a coligação, ou do primeiro-ministro sueco (social-democrata) que ameaçado nas sondagens pelos nacionalistas Democratas Suecos, está a radicalizar as suas políticas de imigração para a restringir, embora, segundo indicam as sondagens, aparentemente sem grande sucesso.

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Note-se que a Suécia foi o país que em 2016 teve a maior proporção, relativamente à população, de entrada de imigrantes originários de fora da UE (1,06%).  A expressão eleitoral dos partidos anti-imigração, quer nas democracias consolidadas quer nas novas democracias é substancial. As sondagens indicam que o seu peso irá aumentar nas eleições deste ano. Se não existir uma resposta democrática europeia bem sucedida em relação às migrações de fora do espaço europeu para a Europa – e estou céptico que ela possa vir a  emergir da cimeira de Junho – cada país continuará a seguir o seu caminho e as tragédias humanitárias continuarã

4. Portugal fortemente afectado pela crise financeira, não tem estado sujeito diretamente aos efeitos da crise migratória. O peso dos imigrantes de fora do espaço europeu para Portugal são comparativamente modestos (ver tabela) e muitos veem de países de língua oficial portuguesa o que facilita a sua integração. Temos a obrigação moral de receber refugiados com o objetivo solidário de aliviar esta crise humanitária dando o nosso contributo equilibrado no contexto europeu. O objetivo utilitário, por vezes referido, de rejuvenescimento e não declínio acentuado da população até 2060, não deve ser o objetivo prioritário até porque, para isso temos outros instrumentos de política mais eficazes (políticas integradas de natalidade).  Se a crise migratória não é um problema, a crise financeira continua a pesar no país, por isso a principal ameaça à qualidade da nossa democracia vem de grupos de interesse organizados defenderem acerrimamente e com sucesso os seus interesses particulares ignorando o interesse público e a vulnerabilidade do país.

PS. Recomendo ao leitor interessado na temática da influência dos grupos de interesse  o livro recentemente editado pela Almedina, de Mancur Olson, inserido na coleção Areté do Instituto de Políticas Públicas  A Lógica da Acção Coletiva: Bens Públicos e Teoria dos Grupos.