“A liberdade religiosa é violada em quase um terço dos países do mundo (31,6%) onde vivem dois terços da população mundial. Num total de 196 países, 62 enfrentam violações muito graves da liberdade religiosa. O número de pessoas que vive nestes países é próximo dos 5,2 mil milhões, já que os piores infractores incluem alguns dos países mais populosos do mundo: China, Índia, Paquistão, Bangladeche e Nigéria”.

Estas são algumas das principais conclusões do último relatório sobre liberdade religiosa, da Fundação AIS (Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre). Nesta sua 15ª edição, este texto alerta para os principais ataques contra esta liberdade fundamental, ao mesmo tempo que descreve o panorama religioso de muitos países, não apenas na perspectiva da fé católica, mas de todas as religiões.

Este relatório é, portanto, um valioso instrumento de trabalho para todos os que se interessam pelos direitos humanos. Apesar de a Igreja católica ser, presentemente, a instituição religiosa mais perseguida no mundo, também defende os crentes de outras religiões que são igualmente perseguidos.

A primeira causa de perseguição religiosa é o fundamentalismo de inspiração islâmica: “As redes transnacionais jihadistas, espalhadas ao longo da linha do Equador, aspiram a ser ‘califados’ transcontinentais”. São principais protagonistas deste projecto totalitário duas organizações terroristas bem conhecidas: o Daesh e a Al-Qaeda que, segundo a Fundação AIS, contam “com o patrocínio ideológico e material do Médio Oriente”. Radicalizam as milícias armadas locais, com o intuito de estabelecer ‘províncias do califado’. A sua acção estende-se do Mali a Moçambique – recorde-se a situação dramática de Cabo Delgado – mas também ocorre nas Comores, no Oceano Índico e nas Filipinas.

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Também é sabido que o pretenso califado, recorrendo às novas tecnologias, actua no Ocidente: “O ‘ciber-califado’, em expansão global, é agora um instrumento estabelecido de recrutamento e radicalização on line no Ocidente.” Junto da população mais jovem e, por isso, mais influenciável, o fundamentalismo islamita recorre a “tecnologias digitais sofisticadas, para recrutar, radicalizar e atacar.” São conhecidos casos de jovens europeus, mesmo não refugiados e sem ascendência árabe, que foram aliciados para as redes do terrorismo internacional e que, uma vez imersos nessas estruturas, ficam em situação de quase-escravatura. As unidades antiterroristas ainda não lograram neutralizar as comunicações terroristas online, mas “conseguiram impedir ataques em vários países ocidentais”.

A terceira conclusão refere-se ao influxo da pandemia na liberdade religiosa e, por isso, tem mais a ver com a realidade vivida em Portugal, em que muitos actos de culto foram suprimidos pelas autoridades estatais, mesmo comprometendo-se a Igreja a observar as normas sanitárias em vigor. Mais penosa foi a situação dos doentes hospitalizados a quem, durante a pandemia, foi impedida a assistência religiosa a que tinham direito, porque as autoridades hospitalares entenderam, num evidente excesso de zelo, suspender o exercício desse seu direito fundamental. Se uma tal situação pôde verificar-se num país que, como o nosso, é maioritariamente católico, imagine-se o que ocorreu onde os cristãos são uma minoria. Com efeito, “os preconceitos sociais pré-existentes contra as minorias religiosas em países como a China, o Níger, a Turquia, o Egipto e o Paquistão, levaram a um aumento da discriminação durante a pandemia da Covid-19 através, por exemplo, da recusa do acesso a ajuda alimentar e médica.”

Não é novidade para ninguém que os “Governos autoritários e grupos fundamentalistas têm intensificado a perseguição religiosa”. Como se esclarece no relatório da Fundação AIS, “os movimentos de nacionalismo religioso maioritário, manipulados por governos e líderes religiosos associados, levaram à ascensão da supremacia étnico-religiosa em países de maioria hindu e budista, na Ásia.”

Infelizmente, “num número crescente de países, foram registados crimes contra raparigas e mulheres raptadas, violadas e obrigadas a mudar a sua fé através de conversões forçadas. As questões sobre o número crescente destas violações, que são frequentemente cometidas com impunidade, alimentam as preocupações de uma estratégia fundamentalista para acelerar o desaparecimento de certos grupos religiosos a longo prazo.” Não será despropositado lamentar a cumplicidade, por omissão, dos movimentos feministas, muito interessados em promover a denúncia de certos ataques contra as mulheres, como sucedeu na campanha “Me too”, mas que nada dizem das mulheres que, por razões de natureza religiosa, foram vítimas de violência sexual.

É um dado verdadeiramente impressionante: “626 milhões de câmaras de vigilância reforçadas com inteligência artificial, scanners de smartphone nos principais pontos de controlo de peões, cruzados com plataformas de análise de dados e associados a um sistema integrado de crédito social, garantem que os líderes religiosos e os fiéis” cumpram as regras impostas pelo Partido Comunista chinês.

A sétima conclusão também remete para a China e para Mianmar, onde 30,4 milhões de crentes muçulmanos, uigures e rohingyas, enfrentam uma perseguição severa.

Por sua vez, “o Ocidente tem menosprezado as ferramentas que reduzem a radicalização.” Ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, as religiões não são a razão dos conflitos mundiais, mas parte importante para a sua solução: “embora os governos reconheçam que o ensino das religiões mundiais nas escolas reduz a radicalização e aumenta a compreensão inter-religiosa entre os jovens, um número crescente de países tem eliminado as aulas de educação religiosa.”

É também tipicamente ocidental a chamada “perseguição educada”, que agora conheceu dois episódios chamativos: o relatório europeu contra a objecção de consciência, e os dois alunos de novo reprovados, por motivos ideológicos, em Vila Nova da Famalicão. Esta perseguição, mais ou menos educada, “reflecte a ascensão dos novos direitos ou normas culturais que, como afirma o Papa Francisco, remete as religiões ‘para a obscuridade silenciosa da consciência do indivíduo, ou relega-as para os recintos fechados das igrejas, sinagogas ou mesquitas.’ Estas novas normas culturais, consagradas na lei, resultam num profundo conflito dos direitos do indivíduo à liberdade religiosa e de consciência, com a obrigação legal de cooperar com estas leis.”

A última conclusão é, graças a Deus, uma boa nova, que enche o mundo de esperança: “o Papa Francisco assinou a declaração sobre ‘Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Vida em Comum’, em conjunto com o Grande Imã Ahamad Al-Tayyib de Al-Azar, o líder do mundo muçulmano sunita” e “celebrou a primeira Missa católica de sempre na Península da Arábia”! Já São João Paulo II, nos encontros de Assis, se empenhara em que todas as religiões, não obstante as suas diferenças, se unissem na luta pela paz. Também Francisco, o primeiro Papa que tem o nome do poverello, está decidido a prosseguir esta cruzada pela liberdade religiosa e pela paz do mundo.