Uma das coisas de que a oligarquia nos convenceu é de que o que se passa dentro do país tem pouca importância. Por exemplo, a bancarrota de 2011. Segundo os nossos oligarcas, foi culpa do euro. E para o caso de o diabo se lembrar de aparecer por aí, já há desculpas prontas: desta vez, será culpa do BCE ou das guerras comerciais do presidente Trump. A responsabilidade, portanto, nunca é de quem governa e faz oposição em Portugal. É mesmo assim? Vamos a ver: uma economia pequena e aberta, como a portuguesa, ressentirá sempre mudanças do contexto externo. Mas se neste momento faz sentido dizer que, por exemplo, uma subida de juros do BCE provocaria uma aflição em Portugal, é porque Portugal, sempre endividado e outra vez deficitário, está especialmente vulnerável. Ora, isso não tem que ver apenas com condições externas, mas com opções internas, que têm uma razão de ser política.

Não nos podemos queixar demasiado do mundo no princípio do século XXI. Não estou a esquecer a recessão de 2008 ou as guerras do Médio Oriente. Mas as duas primeiras décadas deste século foram uma das grandes eras de convergência, isto é, um tempo em que as economias dos países mais pobres cresceram mais do que as dos países mais ricos. É por isso que, pela primeira vez desde o século XVIII, a maior parte do que se estima ser a riqueza mundial é hoje produzida fora do Ocidente. Não há muito mistério aqui: nunca, ao mesmo tempo, o crédito e a energia foram tão baratos, e os mercados mundiais tão abertos. Portugal, no entanto, não aproveitou esta oportunidade. Ao contrário do que tinha acontecido em todas as ocasiões de prosperidade desde 1945, manteve a sua distância em relação aos Estados mais ricos, e, por isso, viu um número significativo de países mais pobres, dentro e fora da Europa, aproximarem-se ou ultrapassarem-no. Mais: Portugal deu o pior sinal dos países que não conseguem sair do nível em que estão, que é, sempre que há alguma bonança, isso provocar logo desequilíbrios de contas externas, como aconteceu no último ano.

Dir-me-ão: uma sociedade tão envelhecida e tão endividada nunca teria conseguido fazer melhor. Certamente que o envelhecimento e a dívida explicam alguma coisa. Mas também precisam de ser explicados: antes de serem causa, foram consequência. Do mesmo modo, não funciona a tese de que o país não estava preparado para fazer mais do que exportar t-shirts e concentrado de tomate para a EFTA, como nos anos 60. O investimento em infraestruturas e em qualificações foi inútil?

Os argumentos fatalistas teriam talvez mais força se por acaso tivessem sido experimentadas as “reformas estruturais” que há vinte anos todos os organismos internacionais nos recomendam. Poupemos no jargão: essas reformas dizem respeito a aliviar os cidadãos do custo de sustentarem, com impostos e inibições burocráticas e regulatórias, as rendas e os estatutos daqueles que dependem do poder político. Uma receita “liberal”, dirão alguns. Talvez seja, mas receita que habilitou outros países a explorar com sucesso a integração europeia e a globalização. É óbvio que não sabemos se, no caso português, teria resultado. Mas dado o modo como empresários e trabalhadores, perante o ajustamento e as reformas de 2011-2014, se reorientaram para os mercados externos, valeria a pena ter tentado. Mas foi isso que, na medida em que põe em causa o controle oligárquico da sociedade, não se fez — nem se pode fazer.

As queixas sobre o contexto internacional são, hoje em dia, um véu a cobrir as responsabilidades do poder político em Portugal. Talvez nunca o contexto tenha sido tão propício para os portugueses passarem a outra fase do desenvolvimento, e, através dessa subida de patamar, garantirem-se contra as piores regressões. Sim, os últimos vinte anos poderiam ter sido muito diferentes, como foram para outros países. Perdemos a maior oportunidade das nossas vidas. Convinha talvez discutir e perceber o que aconteceu.

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