Há umas horas que a Eugénia se interpõe entre mim e o que quero escrever. A Eugénia atende o telemóvel a qualquer hora (a Eugénia não tem o direito a desligar). A Eugénia enfrenta adjuntos em fúria. A Eugénia assina a fundamentação da crítica do ministério das Infraestruturas à forma como o ministério das Finanças despediu a CEO da TAP e sobretudo a Eugénia surge como a tábua de salvação de um ministro de cabeça perdida: “Liga imediatamente à Eugénia. Imediatamente.” – ordenava João Galamba ao seu adjunto com o desespero de quem antecipa que o pior está para vir. A Eugénia em questão é chefe de gabinete de João Galamba, mas, de certo modo, representa os homens e mulheres dessa massa que, para o melhor e o pior, rodeia os ministros.

Incapaz que estou de me libertar da Eugénia só me resta portanto trazer a Eugénia para dentro do meu texto. Sim, Eugénia eu ligo-te logo que possa e tu explicas-me preto no branco como pode um simples adjunto, como era o caso de Frederico Pinheiro, ter acesso a informação de tal forma reservada que se chamou o SIS para reaver o seu computador. De caminho Eugénia (desculpa que te trate por tu, mas o ministro impôs o estilo tu cá tu lá e não sou eu que o vou contrariar, conhecedora que estou da forma como nesse ministério se enfrenta quem os contraria), podes então, Eugénia. ver o que está registado no teu computador sobre o episódio do anúncio dos dois aeroportos por Pedro Nuno Santos & Hugo Mendes em meados do ano passado? Obrigada, Eugénia, há muito por explicar nesse caso e creio que me podes dar uma ajuda. E, agora, que já deves ter com que te entreter, passemos ao que me interessa e que basicamente se resume a isto: por mais negativa que seja a apreciação que se tenha sobre o desempenho do actual Governo não podemos aceitar que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa recorram à criação de um facto – a dissolução da AR – que os libertaria do confronto com as suas responsabilidades na situação que vivemos.

Não duvido que um governo de gestão e um clima de campanha eleitoral são o que de melhor se pode oferecer ao PS neste momento. Em menos de uma semana o PS estaria em estado de luta contra o fascismo por interposto Chega:  referir o atraso de ano e meio na portaria que leva José Sócrates a tribunal logo será designado como “fazer as mesmas perguntas que o Chega”. Denunciar os números da mortalidade infantil será fazer a política do Chega.  Denunciar a esmagadora carga fiscal equivalerá a ficar igual a André Ventura… Ao falhar como projecto governativo, o PS agarra-se ao paradigma da luta contra os fascismos O fascismo passado, o fascismo presente e o fascismo futuro tornaram-se vitais para o PS.

Já os estou a ver, Costa e Marcelo, libertos da rotina governativa: o Presidente ufano a dizer que usou os seus poderes. Que decidiu a dissolução da AR após três fases: reflexão, ponderação e decisão. Que na decisão havia duas hipóteses: manutenção do Governo ou dissolução da AR. Que tendo decidido pela dissolução da AR dois cenários se colocam: ou uma maioria absoluta, ou uma maioria relativa e que portanto três soluções se configuram… Sete anos de Marcelo como Presidente da República fizeram de mim uma perfeita falante de “marcelês” e uma analista imperfeita daquilo a que a leviandade pode conduzir em política: Marcelo, que não tem coragem nem vontade para exercer o seu poder como PR, ilude o seu falhanço institucional com o estrépito da dissolução do parlamento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já António Costa, mais ufano ainda que a presidencial vacuidade ao ser confrontado com os escândalos do seu governo, nessa campanha eleitoral antecipada diria de imediato  que a resposta vai ser dada pelos eleitores: a ingerência política na gestão da TAP? Os despedimentos bolivarianos de Manuel Beja e Christine Widener? O processo colocado por um seu ministro ao jornal que primeiro denunciou que não havia parecer algum?…

Antecipar as eleições seria não só a forma de livrar Marcelo e Costa do confronto com o monstro que criaram como oferecer-lhes uma segura fuga em frente. Se não acreditam em mim liguem à Eugénia.

Ps. A notícia chegou inesperada e brutal: o Paulo Tunhas morreu. Horas antes tinha ido verificar ao mail se teria ido para spam a mensagem que esperava dele.

Vi-o pelo pela primeira vez num encontro com Fernando Gil e desde então íamos mantendo uma espécie de conversa interminável. Falar com ele era fascinante, pelo muito que ele sabia mas também pela forma desconcertante com que olhava para as coisas do mundo. No Contra-Corrente em que participou várias vezes aconteceu ficarmos a ouvi-lo numa espécie de prazer antecipado de sermos surpreendidos com o seu raciocínio, com as referências que fazia…

Agora que sei que mais nenhuma mensagem vai chegar resta-me, quando voltar ao Porto, encaminhar-me para aquele restaurante onde ele às vezes ia e pedir aquele arroz de vitela acompanhado com ovo estrelado que deu sabor às nossas últimas conversas sobre o desconsolo do país.