Andam a classe académico-mediática e parte da classe política muito preocupadas com a “democracia iliberal” – na Hungria, na Polónia, nos Estados Unidos de Trump, no Brasil de Bolsonaro e até no Reino Unido de Boris Johnson, entre outros locais do globo, aparentemente infectados pelo novo vírus.

E como toda a “democracia iliberal” é de direita, ou melhor, de extrema-direita (ou assim o diz um coro de cidadãos vigilantes das mais diversas mas sempre democráticas proveniências), a “direita-moderada” tende a pôr máscara que a esquerda vivamente aconselha aos grupos de risco. E faz-se também vigilante; atentíssima aos virais desvios iliberais ou às ameaçadoras derivas antidemocráticas que lhe chegam sempre e só da direita.

E é bom que se faça vigilante e que esteja atenta, até porque não vivemos ainda numa democracia plena, numa democracia liberal e madura, como a da Venezuela, por exemplo. Ali, no último Domingo, 6 de Dezembro, realizaram-se eleições parlamentares. Na Assembleia legislativa, que agora terminou o mandato, a oposição tinha 112 lugares em 167; estava, portanto, em maioria, o que, não impedindo a marcha da democracia liberal chavista-madurenha, constituía um desnecessário estorvo – pelo que o Presidente Maduro, para continuar a levar por diante uma obra humanitária que já obrigou cinco milhões de ingratos venezuelanos a abandonar o país (capitalistas, reaccionários e proto-fascistas), se viu forçado a ampliar mais ainda as já amplas liberdade democráticas venezuelanas, aumentando o número de deputados para 277. E o facto de se terem abstido 70% dos eleitores só veio provar uma de duas coisas: ou que os fascistas que ainda não abandonaram o país continuam a boicotar a democracia; ou que o bom povo progressista não necessita já de ir às urnas porque deposita nas sábias mãos de Maduro a boa condução da democracia liberal.

Interrupção Involuntária da Liberdade de Expressão

Outra forma a que recorrem os direitistas iliberais, jurados inimigos da liberdade, do progresso e da humanidade, é a disseminação de fake-news e de “mensagens de ódio”. E perante isto, o que pode a Esquerda liberal fazer senão, de coração partido, optar pela Interrupção Involuntária da Liberdade de Expressão?

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Foi o que a maioria progressista que governa em Madrid se viu forçada a fazer, ao aprovar no Congresso dos Deputados uma proposta de lei do Unidas Podemos para “facilitar o controlo e a eliminação” das “mensagens de ódio” que a direita divulga nas redes sociais. Uma lei que, ao contrário do que pretende a direita do Vox, do Partido Popular e do Ciudadanos, secundada por alguns cronistas mais reaccionários, nada tem que ver com o Exame Prévio, esse nefasto instrumento da ditadura franquista e salazarista, já que é de defesa liberal da verdade contra a iliberal propagação da falsidade que se trata. E, de resto, compará-la à Censura Prévia é já pura desinformação, até porque a “expressão” – caso se afigure deficiente ou incompatível com a vida em democracia liberal – não é previamente amordaçada: só é interrompida depois de gerada ou emitida.

O mote já tinha sido dado na democrática e liberal América do Norte, quando o Twitter e o Google interromperam a circulação de certas notícias ou descontinuaram mensagens falsas e opiniões perigosas para a democracia, como as do Presidente Donald Trump e de outros iliberais. Isto sem nunca recorrer à censura prévia, já que só depois de examinados cuidadosamente os conteúdos, com isenção esclarecida e em prol da verdade, pôde o capital que hoje açambarca e domina as novas formas de imprensa proceder à interrupção da liberdade de expressão. O pragmático Lenine ter-se-ia orgulhado dos novos híper-capitalistas, festejando a janela de oportunidade aberta pelo estranho facto de parte dos arqui-milionários do high-tech padecerem agora de versões pós-modernas da “doença infantil do comunismo”.

Ideias que matam

É bom recordar Vladimir Illich Ulianov, até porque estamos num tempo em que vai ser preciso estar atento às palavras e aos seus autores. E foi o democrático Lenine, o grande reformador humanitário, que, na sua infatigável luta “por uma sociedade mais justa” escreveu que “as ideias” eram “mais letais que as armas”. Daí as suas justas e prudentes palavras sobre a liberdade: “A liberdade é uma coisa tão preciosa que devia ser racionada”. E com a sua habitual rapidez em juntar o pensamento à acção, a palavra à execução, logo tratou de a racionar nos primeiros dias após a tomada do poder na Rússia. E quanto à liberdade de imprensa, já avisara:

“A liberdade de imprensa é também uma das principais palavras de ordem da ‘democracia pura’. Os operários sabem e os socialistas de todos os países reconheceram-no milhares de vezes, que esta liberdade é um engano enquanto as melhores impressoras e os stocks de papel forem açambarcados pelos capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa”.

Foi de acordo com estes elevados princípios que, em 27 de Outubro de 1917 (9 de Novembro pelo novo calendário), dois dias depois da queda do Palácio de Inverno, o Conselho dos Comissários do Povo da República Russa emitiu um decreto sobre a liberdade de imprensa, a verdadeira liberdade de imprensa, a que devia, antes de mais, aniquilar os “inimigos da liberdade”; ou, pelo menos, retirar-lhes os seus perigosos instrumentos.

Assim o fizeram os Bolcheviques, seguindo as sábias palavras do grande combatente da verdade (recentemente, e oportunamente, lembradas à nossa, por vezes infantilizada, descuidada e distraída, esquerda doméstica). E antes que os capitalistas recorressem às suas fake news, às suas mensagens de ódio e às suas maquiavélicas artes de sabotagem, requisitaram tipografias, edifícios, máquinas e stocks de papel. Alguns jornais da oposição ainda estrebucharam, conseguindo fazer sair alguns números, mas em Julho de 1918 o assunto estava resolvido.

É claro que, como o Mal e a Reacção nunca desarmam, alguns destes capitalistas e aristocratas, juntamente com os intelectuais e jornalistas seus serventuários, escaparam da Rússia para a Europa Ocidental, onde prosseguiram as suas maquinações contra a verdadeira liberdade de imprensa e contra as outras verdadeiras liberdades que a democracia liberal soviética estava então a instalar.

Em duas semanas, a nova polícia política, a Tcheka, matou mais que a Okhrana czarista em 37 anos.