Saiu o Plano de Vacinação Covid-19.

O plano refere que serão cerca de 1200, os pontos de toma da vacina. E adianta que coincidirão, grosso modo, com os centros de saúde existentes, linguagem minha.

O plano refere, ainda, que na primeira fase se vacinarão 950 mil pessoas.

Na segunda fase, 2,7 milhões de pessoas.

Na terceira fase, e ainda por estratificar, a restante população.

Adianta-se uma capacidade do SNS para os seus 1200 pontos de vacinação: 300 mil vacinas por semana (não pessoas vacinadas, mas antes 300 mil inoculações).

Fazendo algumas contas, de onde nasce esta capacidade de 300 mil vacinas por semana? Nasce, precisamente, de se considerar que um profissional de saúde tem, num dia de trabalho, uma capacidade média para fazer 50 vacinas, o que levaria, numa semana de trabalho, a 50 vacinas por dia vezes 5 dias por semana = 250 vacinas por semana e vacinador. Ora, 300 mil vacinas por semana a dividir por 250 vacinas por semana e vacinador dará, precisamente, os 1200 pontos de vacinação que foram propostos (centros de saúde).

Assim, deduz-se que o plano de vacinação se propõe alocar, em média, uma pessoa (em tempo integral) em permanência por cada um dos 1200 pontos de vacinação, i.e., no seu centro de saúde (vamos usar esta expressão, centro de saúde, para não confundir o leitor).

Partindo daqui, e supondo que haverá entregas por parte dos fornecedores de vacinas no primeiro trimestre e seguintes, e sempre suficientes para as tomas (estão previstos cerca de 4 milhões de doses no primeiro trimestre, dando para vacinar 2 milhões de pessoas por via da necessidade de duas inoculações), teremos que, para a primeira fase:

  • Para serem 300 mil pessoas vacinadas, são precisas 600 mil tomas (2 tomas por pessoa);
  • Para as 950 mil pessoas vacinadas da primeira fase serão necessárias 1.950.000 tomas;
  • Descontando os atrasos iniciais de set-up da máquina logística (e de rastreio das pessoas) e receção das vacinas (há atrasos com o primeiro fornecedor devido a falhas em fornecedores dessa empresa de vacinas), se tudo corresse de feição, estaríamos sem grandes sobressaltos “preparados” no final de janeiro para começar a execução em pleno;
  • Dito isto, 1.900.000 tomas ou 950 mil vacinados, e por via da necessidade de esperar 21 dias entre a primeira e a segunda toma, i.e., três semanas, só poderão ocorrer entre a sétima e a oitava semana após início e o modelo requer sempre 8 semanas por cada batch de 1.200.000 vacinados para a capacidade instalada de 300 mil vacinas por semana (vide tabela).
Semana 1 Semana 2 Semana 3 Semana 4 Semana 5 Semana 6 Semana 7 Semana 8 Totais
Toma 1 Não toma Não toma Não toma Toma 2 300 mil vacinados  Semana 5
Toma 1 Não toma Não toma Não toma Toma 2 300 mil vacinados Semana 6
Toma 1 Não toma Não toma Não toma Toma 2 300 mil vacinados Semana 7
Toma 1 Não toma Não toma Não toma Toma 2 300 mil vacinados Semana 8
  • No geral, andar-se-á sempre com uma média de 8 semanas para cada 1.200.000 pessoas vacinadas e a cada conjunto de 1.200.000 vacinados há que acrescentar novamente 8 semanas. Ora, 8 semanas após o final de janeiro e estaremos no final de março para cumprir a primeira fase e vacinar 300 mil pessoas de entre os 2,7 milhões da segunda fase.

Para a segunda fase, necessitaremos de uma composição do tipo 1 semana + 8 semanas + 8 semanas (i.e., uma semana que “sobra” do modelo anterior mais duas vezes 8 semanas), o que nos atira para, sensivelmente, mais quatro meses, ou seja, final de julho de 2021.

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Para a terceira fase, e supondo que tudo se mantém, para chegarmos a cerca de 6,5 milhões de vacinados teremos de vacinar, findas as primeira e segunda fases, mais 2,85 milhões de pessoas. Isto, partindo do princípio, que vem do que vou lendo em saúde, de que aos cerca de 60% a 65% da população imune teremos a chamada imunidade de grupo e estaremos em condições de fazer vida normal.

No fundo, teríamos de, usando o modelo proposto e com a capacidade de 300 mil vacinas dadas por semana, intervaladas as tomas por 3 semanas, chegar aos 2,85 milhões de vacinados (remanescente para os 6,5 milhões a partir dos 950 mil + 2,7 milhões das duas fases iniciais) para o que necessitamos de 16 semanas (dois batch de 2.400.000 vacinados) acrescidas de 5 a 6 semanas para os 450 mil remanescentes. Contas feitas e estaremos em final de outubro ou ligeiramente mais para a frente.

Dito isto e aqui chegados, sem tornar o texto muito complexo, a interpretação do plano e da capacidade instalada proposta leva-nos a podermos “descansar”, correndo tudo bem, em final de outubro/meados de novembro de 2021.

Assim sendo, há três blocos de questões que tenho de deixar no ar para o nosso bem pois, e bem, foi dito que o plano está em aberto e a todo o momento pode ser completado (e, por favor, que não se interprete este conjunto de questões como uma crítica, antes como algo em que todos devemos pensar para melhorar o referido plano):

  1. Estará o público em geral ciente de que estes são os dados e que, até por via das entregas dos fornecedores, i.e., 4 milhões de doses no primeiro trimestre e 7 milhões no segundo, ou seja, 11 milhões de doses nos seis primeiros meses do ano o que permite vacinar 5,5 milhões de portugueses até final de junho quando, no nosso plano, estamos a dizer que apenas vacinaremos 3,65 milhões até final, não de Junho, mas de Julho?
  2. Será que não é de fazer um esforço para, já na segunda fase, e sabendo que as vacinas que hão-de chegar mais para a frente já não requerem cadeia logística com gelo seco, chamar as farmácias comunitárias e as redes hospitalares privadas? Ou será que se prevê um alargamento da capacidade instalada do SNS com evidente prejuízo para a saúde corrente não Covid-19?
  3. Finalmente – e esta questão não resulta de quaisquer contas – será que se pretende que os vacinados façam mesmo uma pré-marcação nos centros de saúde? Se sim, central ou localmente? E se sim, com que recursos humanos e com que sistema no SNS? É que o uso de um sistema já conhecido, e comunicável, como o eleitoral – por exemplo – em que as pessoas com determinado cartão de cidadão ou número de eleitor ficam a saber, por comunicação, que terão de se deslocar a um ponto de toma indicado numa data indicada, tornaria tudo mais simples. Os que não aparecerem, serão os voluntários que não querem tomar a vacina. Isto não gera um bottleneck gigante no atendimento de marcações. Não usar um processo já conhecido, é percorrer nova curva de aprendizagem e atrasar o processo, sendo que um sistema com marcação vai originar falhas e consumir ainda mais recursos ao SNS quando é suposto, repito, não abandonarmos a outra saúde não Covid-19.