Constituição da República Portuguesa
Artigo 13.º
Princípio da igualdade
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

Desde o momento em que o Dr. António Costa , no início do seu primeiro governo, passou o regime de trabalho da Função Pública das 40 horas para as 35 horas (exceto os médicos que tinham um ACT de 40 horas), enquanto todo o sector privado continuou com 40 horas , que sabíamos que havia portuguese mais iguais que outros.

Confesso que não estava com vontade de escrever este artigo. Contudo aquilo a que tenho assistido nos últimos tempos sobre a profunda desigualdade de tratamento entre o setor público e o setor privado inquietava-me. O Despacho 11739/2020 do Ministério da Saúde, ao mesmo tempo que na TV via o desespero daqueles a quem o Estado impôs a suspensão da atividade e a preocupada e clara exposição do Dr. Francisco Calheiros, Presidente da Confederação de Turismo, sobre calamidade do setor do turismo, foi a gota de água.

Comparem as seguintes situações:

Os proprietários de restaurantes, bares e de uma série de atividades enfrentam a falência e a perda de subsistência, não porque a sua procura tenha diminuído, mas porque o Estado os “expropriou” do direito ao exercício da sua atividade. Certo que em nome do interesse Público e da Saúde Pública. Mas por isso mesmo cabe à sociedade em geral, que é quem beneficia desta “expropriação” suportar os custos desta medida e não aos proprietários dos restaurantes e afins. E para isso mesmo a constituição consagra o direito à indemnização compensatória no seu Artigo 62º, 2 — A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização — e no Artigo 83.º — Requisitos de apropriação pública: A lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização.

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E note-se que esta necessidade de fechar se deve a três clamorosas falhas do Governo:

  • A ausência de uma profissional campanha massiva de anúncios nas Televisões apelando ao uso de máscara e demonstrando as situações de risco de contágio com simulacros de situações reais (por exemplo jantares com amigos dentro de casa, estudantes à saída das escolas, situações nos empregos…)
  • Não preparação do SNS para a segunda vaga
  • Falta de proteção nos lares

Já todo o setor do turismo sofre de uma quebra aterradora da sua atividade, reduzida a menos de 30%, muitos dos seus trabalhadores estão em lay off com redução de ordenado. E enquanto uns estão em casa, outros, o mínimo possível porque a isso obriga a necessidade de sobrevivência das empresas, estão a trabalhar a dobrar ganhando pouco mais do que quem está em casa. A cedência do Governo ao PCP consagrando via OE o direito a um lay off a 100% irá, não só por um lado acentuar esta injustiça, como será um incentivo negativo à retoma do trabalho e um estímulo às empresas para recorrerem ao mínimo possível de empregados deixando os outros por conta da segurança social.

Comparemos agora o que vimos acima com o que se passa com a Função Publica.

Os Serviços Públicos continuam tão confinados como estavam em Abril. Enquanto todo o mundo está de porta aberta, aos serviços públicos só se tem acesso mediante marcação prévia (telefónica ou por mail), e espera-se na rua , ao sol ou à chuva, até se ser chamado para se ser atendido. Mesmo na Saúde, muitos centros de saúde (não todos) estão tão confinados como estavam em Abril, apoiados num contraditório despacho da Ministra da Saúde de 7 Maio, como referido aqui e aqui, e, ao fim de 8 meses , o acesso a Consultas de MGF presencial com o Médico de Família por iniciativa do utente, fora dos programas e situações de urgência, continua, para muitos médicos, restringido à oferta de 2 ou 3 consultas presenciais por dia, sendo quase todo o trabalho feito por consultas telefónicas, o que sobrecarrega as centrais e resulta no “não se consegue falar para os centros de saúde”. Isto acontece mesmo nas Unidades de Saúde Familiar do Modelo B, as Unidades mais avançadas da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários ,onde os Médicos recebem 44 horas, para além de vários incentivos, e na sua larga maioria fazem pouco mais de 35 horas enquanto os seus colegas em Modelo A ou no modelo tradicional, com listas de utentes iguais, fazem 40 horas e ganham metade. Conforme foi denunciado aqui, e confirmado quer nas auditorias que na sequência foram feitas em todas as Administrações Regionais de Saúde, quer nos relatórios de todas as ARSs relativos à aprovação dos horários depois de uma segunda oportunidade para correção, dada pelo Despacho 5803/2019 . A única consequência foi a suspensão (definitiva?) do acesso ao Modelo B para novas Unidades. Os infratores continuam, os outros é que são prejudicados…

Mas vejamos o que se passou com a Tolerância de Ponto.

A tolerância de ponto nestas duas pontes, não foi um “direito/benesse/férias” que o Governo tenha decidido dar aos funcionários. Foi antes um “dever” com o objetivo único de tentar suster a pandemia.

Como se não bastasse, que enquanto no setor público quem cumpre a tolerância de ponto recebe por inteiro e que quem no setor privado fizer ponte vê descontado no vencimento esses dois dias, este despacho vem dizer que os profissionais de saúde que trabalharem nestes dias recebem, para além do vencimento, estes dias como horas suplementares e ainda têm o direito a gozarem estes dias de tolerância após a cessão do estado de emergência:

2 – Os dirigentes máximos dos órgãos, serviços e demais entidades referidas no número anterior devem identificar os trabalhadores necessários para assegurar o normal funcionamento dos serviços, particularmente no atual contexto pandémico.

3 – O serviço prestado nos dias 30 de novembro e 7 de dezembro de 2020 considera-se trabalho suplementar.

4 – Os dirigentes máximos dos serviços devem promover a equivalente dispensa do dever de assiduidade dos trabalhadores, em dia a fixar oportunamente, após a cessação do estado de emergência ou de calamidade.

E que depois do Primeiro Ministro ter proclamado a tolerância de ponto para toda a função pública (e na sequência os doentes terem sido desmarcados) o Presidente da ARS Norte ter afirmado que os Centros de Saúde iriam continuar a funcionar normalmente, e sido corroborado pela Ministra da Saúde , saiu este despacho acima referido que coloca nas mãos das direções dos ACES quem faz e não faz ponte, sendo afinal os parâmetros bastantes semelhantes aos usados habitualmente nas tolerância de ponto mas com a substancial diferença de que quem for trabalhar não só mantém o direito a gozar a tolerância noutros dias como o seu trabalho será remunerado como suplementar (o que é novidade!)

António Costa prometeu que com ele não haveria austeridade. O resultado de em tamanha crise não haver “austeridade solidária” como em 2012, é: para uns (função pública) conforto e regalias; para outros miséria e sofrimento.

Nota: Sou Funcionário Público