Os portugueses são dos povos mais pobres da Europa. E, pior, estão cada vez mais pobres. O seu nível de vida, medido pelo poder de compra, é cada vez mais distante dos seus parceiros da zona Euro; e, já agora, para dar resposta aos leitores mais inclinados à autoindulgência, também do resto da União Europeia. Isso é tudo muito relativo, dirão os leitores mais cépticos. Isso não é bem assim, dirão os mais optimistas. Pois então acrescento: Portugal parece ser um país condenado a piorar a sua situação. E, acrescento ainda mais, não parece estar nada preocupado com isso.

Donde é que vêm estas afirmações?

Vamos a factos. Em 2019, apenas a Eslováquia, a Letónia e a Grécia tinham um poder de compra mais baixo que Portugal. Em 2008 estávamos melhor que Malta, Eslováquia, Estónia, Lituânia e Letónia. Fomos, portanto, em 11 anos, ultrapassados por Malta, Estónia e Lituânia. Tomando a média da União Europeia a 27 (index 100) como referência, Portugal tinha, em 2008, um PIB per capita/Padrão de Poder de Compra de 82/100; em 2019 esse mesmo indicador era de 79/100.

O que é que isto quer dizer? Simplificando muito, quer dizer que Portugal, pertencendo a um dos blocos económicos que menos cresce no mundo, consegue ainda assim distanciar-se, afundando-se, da média desse bloco no que toca a poder de compra.

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Porque é que isto vai ser pior e porque é que ninguém parece preocupado com isso? É ver as candências inócuas do espaço público e as urgências bacocas do debate político.

Os mais optimistas – avençados do poder; a lealdade partidária obriga a optimismos irritantes – dirão que vem aí uma bazuca financeira e enaltecerão o mérito do Governo nesta negociação. A mim, aquela imagem do Dr. Costa confortavelmente instalado no sofá enquanto as “coisas” se decidiam “lá dentro”, faz-me concordar; nisto, o melhor, quando não se sabe, é mesmo usar a máxima dos pinguins do Madagáscar: sorrir e acenar. E, de preferência, não estragar.

Os outros, mais cépticos, perguntar-se-ão para que é que serve a bazuca, se não sabemos a que apontá-la. E talvez tenham mais razão que aquilo que – para parafrasear Lord Acton – o álcool em estômago vazio costuma deixar ver. O álcool, aqui, é o dinheiro e o estômago vazio, um país que desistiu de si. Desde logo, porque não há redistribuição justa de riqueza sem criação prévia de riqueza. Depois, porque antes de qualquer possibilidade de reposição de rendimentos, que a geringonça quis eleger como mantra, é necessário impedir a deposição de rendimentos e isso faz-se criando condições favoráveis ao investimento, à liberdade económica e ao lucro. Qualquer outra fantasia socialista será mera fantasia. Socialista. Passe a redundância.

Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia em 1986; os GNR cantavam nessa altura o bom que era estar na CEE, “e agora, que já lá estamos / Vamos ter tudo aquilo que desejamos / Um PA p’ras vozes e uma Fender”. Percebo a tentação. E percebo o entusiasmo. Desde então, entraram 10 milhões de euros por dia vindos da Europa. Repito devagar. 10 milhões. Por dia. Desde 1986.

Olhando o país, o seu atraso estrutural, a sua baixa competitividade, a sua fraca produtividade, o seu endividamento, as suas opções faraónicas e a sua gestão provinciana, duas coisas podemos afirmar: a primeira é que por mais dinheiro que entregues a um madraço, o Dijsselbloem vai continuar, para mal dos nossos pecados, a ter razão; a segunda é que bem podemos dar graças a Deus pela UE, mas não pelo dinheiro, antes pelas baias.

Pecam por falta de ilustração estas conclusões? Sobre a incapacidade reformista e a ausência de uma ideia de país, é aproveitar os próximos tempos para olhar para as negociações do Orçamento; com os fingimentos bloquistas, as rendas cobradas pelos interesses comunistas e os arrufos públicos da relação poliamorosa do PS com a extrema-esquerda. Será em favor do país, dirão os líricos. A realidade, essa, contraporá que é antes em favor dos instalados. Nada verdadeiramente estruturante se discutirá. É o dinheiro – que venha e que venha rápido – e ainda mais o anúncio da sua vinda, que animará os pequenos espíritos.

O que choca é a falta de ambição e o conformismo do Governo. O que entristece é que a oposição, salvo raras excepções, seja incapaz de colocar estes temas no centro da discussão pública.

Quanto às graças a Deus pela União Europeia, é preciso precisar. Este país escolheu ter nos últimos 25 anos, em que as nossas aspirações de crescimento e desenvolvimento ficaram ainda mais comprometidas, o PS a governar 18. Se eu gosto de megaestruturas centralizadas em Bruxelas? Não gosto. Confio nos continentais? Não confio lá muito. Prefiro teses mais soberanistas? Prefiro. Mas conheço este país; entregues exclusivamente a nós seria uma desgraça maior. As baias que a UE nos tem imposto – e a convivência com os frugais – têm sido o garante que nos tem impedido de dar corpo à obra de Saramago. Transformarmo-nos numa jangada de pedra, separarmo-nos da civilização e partir. Rumo à Venezuela. Sem a UE e com estes governantes, estaríamos já ao largo de Caracas.