Mais de metade dos portugueses não se importam nada com o destino que é dado a 0,5% do valor dos seus impostos e é pena. Um estudo recente, feito pela GfK – Growth from Knowledge, a pedido da Associação Nariz Vermelho e da APAV, revela que 61% dos portugueses não consigna o IRS a favor dos mais desfavorecidos. E, insisto, é pena.

Entre mortos e infetados, desempregados e isolados, são incontáveis os estragos provocados por uma pandemia que afeta toda a humanidade e está a fazer ruir toda a economia. O Covid19 é a bomba que continua a explodir em diferentes latitudes ao mesmo tempo, ameaçando populações inteiras e reduzindo a escombros empresas e negócios estratégicos.

Os mais atingidos são naturalmente os que já perderam tudo e não veem luz absolutamente nenhuma na escuridão do túnel por onde agora caminham. Muitos dos que ficaram sem emprego estão em perigo de ficar também sem casa e, se isso vier a acontecer, nem sequer podem recorrer às instituições que tradicionalmente acolhem e dão apoio.

Porquê?

Porque, como é óbvio, também estas já estão literalmente com a corda ao pescoço. Umas porque rompem pelas costuras, outras porque mesmo antes da crise tinham que gerir recursos escassos, outras ainda porque simplesmente perderam capacidade de dar resposta, dada a quantidade de pessoas em situação de aflição.

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Todos somos sensíveis aos apelos insistentes e urgentes para reforçar donativos ao Banco Alimentar, à Comunidade Vida e Paz, à CASA e todas as instituições que providenciam refeições e alimentos a quem não tem absolutamente nada para comer. Não podemos ignorar que a fome voltou a ser uma realidade dramática e sabemos que há cada vez mais ‘novos pobres’ que não têm nada para pôr na mesa.

Todo o terceiro setor foi irremediavelmente afetado porque a paisagem social se degrada dia após dia, a um ritmo brutal. Existem milhares de instituições cuja missão é socorrer, acolher, apoiar, cuidar, recuperar, formar, dar abrigo e ferramentas que permitam resgatar milhares de pessoas de todas as idades, mas, sem dinheiro, as estruturas destas organizações também vão acabar por ruir.

Os que tiveram o azar de nascer no lado mais adverso e, porventura, errado da vida (ou de ter ido lá parar por alguma razão) vão deixar de poder contar com estas instituições se não fizermos alguma coisa, já. E podemos fazer muito, aqui e agora, sem esforço absolutamente nenhum e até sem prescindir daquilo que temos. Basta canalizar melhor o que entregamos ao Estado.

Se 61% dos portugueses não consigna o seu IRS, isto quer dizer que apenas 39% dos contribuintes se dá ao trabalho de colocar conscientemente uma cruzinha num quadrado do formulário quando está a preencher os documentos para o IRS.

Detenho-me neste pequeno gesto por ser muito simples e imediato, por não implicar qualquer esforço físico, mental ou financeiro, e por ser realmente muito fácil colocar uma simples cruz num quadrado, oferecendo a quem precisa, aquilo de que mais precisa.

Basta uma cruz e uma escolha consciente de uma entre as 4.325 instituições a quem podem ser oferecidos os 0,5% dos nossos impostos (a lista completa está aqui) para contribuirmos para que essa mesma instituição receba um valor fabulosamente reparador.

Todos nunca seremos demais para dar, para doar, para contribuir para ajudar os que mais precisam. Especialmente em tempos de crise global como a que atravessamos, em que cada cêntimo conta. Todos nunca seremos demais para levantar do chão os que estão caídos, desalentados e desesperançados. Todos nunca seremos demais para devolver a dignidade, o teto e a mesa a quem os perdeu.

E porque poucos se lembram que também os músicos e os artistas de todas as artes, mais e menos performativas, deixaram de poder viver do seu trabalho, vale a pena lembrar que a consignação dos nossos 0,5% de impostos pode ser entregue a instituições culturais com estatuto de utilidade pública.

Nós, que não suportaríamos viver este tempo de confinamento se não nos fosse dado acesso quase ilimitado a livros e escritos, música e concertos, filmes e séries, nós os que não sobrevivemos sem boas leituras, televisão, rádio, internet, artes, espetáculos e cultura, temos obrigação moral de dar de volta a quem perdeu tudo e não sabe qual o dia em que poderá voltar a viver da sua arte.

O nosso dinheiro passou a poder ser atribuído a causas sociais, ambientais, culturais e humanitárias. A bibliotecas e museus, a associações que apoiam deficientes e vítimas de acidentes, a organizações que protegem bebés, crianças e jovens, a instituições que acolhem os mais velhos, a academias que promovem o estudo e o desporto entre os mais excluídos, enfim a 4.325 entidades validadas e certificadas pelo Estado.

Nunca como agora foi preciso ajudar tantos ao mesmo tempo. E nunca, como agora, este resgate humano e financeiro esteve tão ao nosso alcance. Basta que os 61% de contribuintes se mobilizem para consignar os seus 0,5% de IRS. Este, sim, é um método infalível para obter bom dinheiro para boas causas.

P.S.: Passe a ingenuidade, apetece sugerir o que já está certamente a ser pensado por este governo, para combater a crise social: se os contribuintes não se mobilizarem, que tal ser o próprio Estado a contabilizar o valor total que seria entregue por todos os que não consignaram e, em vez de ficar com este valor, o redistribuísse equitativamente pelas 4.325 organizações?