1 Parece que o Bloco Central é uma inevitabilidade. Ouvindo empresários, economistas e alguns comentadores, parece que que é mais desejável um acordo entre PS e PSD para assegurar a estabilidade política no pós-3o de janeiro, do que o regresso do vice-almirante Gouveia e Melo para colocar ordem na vacinação com a terceira dose contra a Covid-19.

Ouvimos também elogios à disponibilidade de António Costa para falar com o PSD e uma avaliação positiva (finalmente!) de Rui Rio que parece que tem os acordos com os socialistas como única proposta política desde que chegou a líder da oposição.

Claro está que o mau da fita é o chalenger Paulo Rangel — que recusa assumir a necessidade de qualquer negociação com o PS.

2 Vamos ser claros. No caso do Bloco Central, o poder económico parece a andorinha que anuncia a primavera: é um acontecimento sazonal e ocorre sempre que o PS ou o PSD correm o risco de liderar governos minoritários.

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Só para lembrar os casos mais recentes: foi assim em 2009 (porque se previa que Sócrates perdesse a maioria absoluta), foi assim em 2015 (porque o Governo Passos não conseguiu revalidar a maioria absoluta) e foi assim em 2019 (quando se percebeu que a geringonça já estava ferida de morte). É quase uma reivindicação parecida à  dos sindicatos: vazia, inócua e repetitiva

A desculpa da temporada de 2021 para se reclamar (uma vez mais) o Bloco Central (formal ou informal, bem passado ou mal passado) assenta na ideia de que a aplicação dos fundos europeus necessitam de uma estabilidade governativa para os próximos quatros anos.

O primeiro problema desta teoria resume-se numa pergunta: alguém acredita que o PS, PSD, CDS ou Iniciativa Liberal bloquearão a aprovação de alguma lei que seja essencial para a transferência de fundos europeus para Portugal, sabendo que os eleitores estão de mãos abertas aos mesmos? Claro que não.

Quem defende o Bloco Central vê a estabilidade como um fim em si mesmo, esquecendo-se que tal acordo gerará sempre o contrário: mais instabilidade.

Porquê? Porque, por um lado, os socialistas estão divididos sobre esta matéria — basta ver as reações de Ana Catarina Mendes na TVI ou da ala pedro nunista às declarações de António Costa na sua entrevista à RTP para percebermos que haverá sempre opositores no PS a uma aproximação ao PSD. O PS radicalizou-se com Costa e a nova geração de socialistas vão agravar ainda mais esse posicionamento.

E, por outro lado, seria sempre um Governo com um fim pré-determinado no horizonte a partir do momento em que um partido estivesse em condições de se destacar do outro. Em termos teóricos, com o PS a sofrer o desgaste natural de seis anos de governação, será o PSD que reunirá mais condições para ‘matar’ tal governo na altura certa.

3 Aqui pergunto ao poder económico: será preferível um Governo com uma política reformista que potencie a competitividade do país e aumente o poder de compra dos portugueses ou uma paz podre entre PS e o PSD?

O ponto essencial é precisamente esse: qualquer acordo que implique um PS liderado por António Costa (não vale a pena falar do PS de Pedro Nuno Santos que não está para aí virado) não gerará uma solução reformista para o país.

É verdade que o Bloco Central tem muito mau nome em Portugal mas aquele Governo liderado por Mário Soares (PS) e apoiado por Mota Pinto (PSD) entre 1983 e 85 foi essencial para conseguir o empréstimo da troika que evitou a bancarrota e aplicar reformas essenciais para Portugal concluir com sucesso as negociações para entrar na Comunidade Económica Europeia.

Alguém imagina que António Costa, o anti-reformista por princípio e convicção, alguma vez participará numa solução governativa com o PSD que tenha, pelo menos, um terço do ímpeto exigido entre 1983 e 85? Nunca, jamais, em tempo algum.

Finalmente, não deixa de ser uma ironia que o primeiro-ministro que fala com intenso orgulho de que trouxe dois partidos de extrema-esquerda (e com raízes histórias anti-democráticas) para o arco da governabilidade, seja o mesmo que é agora sensível aos apelos dos empresários para admitir que após 0 30 de janeiro já está disponível para falar com o PSD.

O homem que humilhou o PSD de Rui Rio vezes sem conta e desprezou por completo qualquer hipótese de negociar com aquele partido, é o mesmo que  diz agora que, afinal, a sua recusa só valia enquanto a geringonça existisse.

A realidade é clara: António Costa está agarrado ao poder e tudo fará para aí se manter.

4 Regressemos a Paulo Rangel. Faz sentido criticar o concorrente de Rui Rio à liderança do PSD por não apoiar claramente um acordo com o PS? Não, não faz.

Rangel entra na corrida eleitoral do PSD com um discurso claramente diferenciador de Rio. Quer fazer, e bem, uma oposição; quer posicionar, e bem, o PSD como o partido que vai do centro-esquerda à direita moderada e que é o líder natural do espaço ideológico do centro-direita; e tem a ambição de alcançar a maioria absoluta sozinho ou em coligação com o CDS e Iniciativa Liberal.

Rangel não pode, obviamente, admitir acordos com o PS nesta fase do campeonato. Pela simples razão de que perderia um dos principais pontos de diferenciação face a Rio. O seu posicionamento estratégico implica tirar o PSD da camisa de forças ridícula do partido “centro-esquerda” em que Rui Rio meteu o partido.

Acrescente-se que Rangel acredita que o oportunismo político de António Costa para se agarrar ao poder será castigado pelos eleitores. Será mesmo?

Mesmo assim, tem dado sinais claros (para quem os quiser ler) de que dialogará com o PS. Na entrevista ao Expresso, por exemplo, entrou no terreno comum do aumento do salário mínimo mas com a compensação para as empresas da descida do IRC e com medidas concretas para aumentarmos o salário médio.

5 É fundamental afirmar o seguinte: uma política económica centrada no aumento do poder de compra dos portugueses tem de preocupar-se essencialmente com o aumento sustentado do salário médio — e não do salário mínimo. Porquê? Porque o primeiro terá sempre um efeito de arrastão sobre o segundo (que é fixado administrativamente pelo Governo).

Quando até um economista ligado à CGTP, como Eugénio Rosa, diz que vivemos uma “distorção salarial”, temos de passar a prestar atenção a esta questão. Citando dados do Ministério do Trabalho, Rosa diz que o salário médio aumentará 96 euros entre 2015 e 2022 (o que corresponde a mais 10%), ficando-se pelos 1.048 euros, sendo que o salário mínimo aumentará 200 para 705 euros (um crescimento de 39%).

Como diz consultor da CGTP, não podemos ser um país de salários mínimos quando este salário já corresponde a cerca de 67% do salário médio. Ou seja, sempre que o salário mínimo fica mais próximo do salário médio, tal significa que o país está a empobrecer de forma generalizada.

Este empobrecimento é que é o verdadeiro pântano. E é o combate sustentado e assertivo a tal empobrecimento, que só pode ser feito através do aumento robusto do poder de compra por via do aumento da produtividade e do dinamismo económico, que deve ser o principal vetor da política económica do candidato Paulo Rangel.

PS: Pelo meio, discreta e sustentadamente, o número de casos de covid-19 vai aumentando e os especialistas já começam a reclamar novas restrições para impedir o avanço desta nova vaga — uma questão muito relevante para um primeiro-ministro que busca a reeleição numa campanha que começará a sério em dezembro. Ainda vamos ouvir falar muito de restrições e de covid-19.