As dívidas pagam-se. Seja em dinheiro, seja através de perda de soberania, ou até mesmo em perda de credibilidade. Pedro Nuno Santos que experimente não pagar para ver se recebe mais algum. Sem dinheiro o socialismo em Portugal teria os dias contados. Por isso, e por muito que protestem, os socialistas portugueses continuarão de mão estendida a fazer fila em Bruxelas. Até lá as dívidas serão pagas para que possam ser contraídas novamente.

Para financiar o desenvolvimento do comércio e a industrialização dos EUA, Alexander Hamilton convenceu George Washington a criar um banco central que emitisse dinheiro e criasse crédito. O resultado foi o fortalecimento do governo federal. Com a instituição do Primeiro Banco dos Estados Unidos tornou-se imperioso que o poder federal emitisse dívida, cobrasse impostos e guardasse reservas. As sementes da Reserva e do Tesouro Federal estavam lançadas. O que se passou no último Conselho Europeu não foi a criação de um Banco Central Europeu (que já existe) mas das condições que poderão colmatar as suas lacunas, ou seja, o endividamento da própria União Europeia que, a longo prazo, conduzirá ao estabelecimento de impostos europeus e abrirá as portas à federação europeia.

É interessante que aquela que pode ser a consequência mais importante deste Conselho Europeu não seja muito referida. O que se compreende do ponto de vista negocial, pois que a sua discussão nesta fase quinaria qualquer possibilidade de entendimento. Já a sua exclusão na discussão dos assuntos europeus fora do Conselho não se entende. Assim sendo, o  mais certo é que quando a questão se colocar esta seja uma surpresa para os mais distraídos. Não me admira até que os socialistas venham no futuro a vilipendiar o presente acordo. Mais tarde quando não forem governo. Entretanto, serve. Há que ser pragmático. E os socialistas mostraram que o são quando se aliaram aos comunistas em Portugal e a Orbán na Europa.

E assim regresso ao princípio: ao pagamento das dívidas, à perda de soberania e da credibilidade. Com um nível de endividamento incomportável para uma economia como a portuguesa o dinheiro que aí vem virá com condições. E não será apenas o dito travão de emergência que qualquer país pode accionar para forçar o governo do estado em falta a encetar as necessárias reformas. É a política fiscal que, aos poucos, vai passar para Bruxelas. À medida que o dinheiro que nos sustenta vem da UE (porque o que os contribuintes portugueses pagam em impostos ao estado português tenderá para cobrir a dívida e pouco mais) a nossa relação, enquanto cidadãos, passará a ser com Bruxelas em detrimento de Lisboa. Ainda vamos encontrar em Lisboa muitos defensores da descentralização.

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O mais angustiante é que esta solução pode não ser a pior para nós, Portugueses. Se a soberania reside nos cidadãos de um estado e se os governantes portugueses gerem mal o dinheiro que lhes é confiado, confundem gestão do bem público com gestão empresarial, encaram a governação como um meio de traçarem um destino comum e não uma forma de protegerem as pessoas dos perigos (como a dívida e a corrupção), não ficará a soberania mais protegida em Bruxelas que em Lisboa? Um exemplo disso mesmo é o que se passa com o euro: não nos encontramos mais salvaguardados com a moeda única europeia que estaríamos com um escudo gerido pelos nossos governantes?

Visitar Amesterdão é ver o que Lisboa podia ser. De certa forma a Holanda é o que Portugal podia ser. Na nossa história falamos muito de Espanha e da Inglaterra, dos Descobrimentos e depois do Brasil. Tirando os ataques feitos às nossas praças no Oriente e no Brasil poucas referências se fazem à Holanda. É pena porque a Holanda ficou com uma boa parte do que tínhamos de melhor: gente de sabia ganhar dinheiro e, ainda mais importante, que o sabia gastar. Visitar Amesterdão é depararmo-nos com a riqueza que se tivesse cá ficado teria sido esbanjada. Como o dinheiro que veio das especiarias. E do Brasil. E também o que recebemos da União Europeia. Temos os bolsos rotos.

Foi por isso que enquanto português me fez tanta impressão assistir ao que se passou nos últimos dias em Bruxelas. Portugal de mão estendida à Holanda é um espelho da história. É o preço que pagamos pelos nossos erros continuados. Tratam-se de dois países com idêntica dimensão, de mercadores e comerciantes que, enfrentando as maiores potências, marcaram as suas posições, venderam os seus produtos e estabeleceram laços pelo mundo fora. Atenção que não pretendo criticar por criticar. Portugal tem, e fez, coisas fantásticas. Por exemplo, a língua portuguesa é das poucas verdadeiramente universais ao passo que o holandês é falado em pequeníssimas zonas fora dos Países Baixos. Mas se há algo que não fazemos bem é a gestão do estado. Não temos a percepção de que algumas das nossas faltas podem ter consequência noutros. Simplificando, a maioria não preza o bem público. No colectivo fala-se muito da solidariedade, mas individualmente, quando nos toca, quando nos custa, o egoísmo vence.

Por isso pedimos. Porque um egoísta pede e pouco ou nada dá em troca.