Quando a minha filha mais pequenina acordou e nos disse que tinha sonhado com pirilampos, estava bem longe de supor como isso se prendeu ao meu ouvido. Os pirilampos fazem das noites de Maio um lugar diferente. No escuro do campo, pululam pequenos pontos de luz que trazem uma magia difícil de descrever. Eles não têm um voo alargado, como o da águia que nos visitava, quase todos os dias, pelas seis da tarde. Nem a forma como as garças, radiantes, pousam no lago e ficam por lá. Quando estendemos a mão, os pirilampos parecem não fugir. E o seu voo delicado sugere uma espécie de saltitar que nos dá a ilusão que a magia do mundo nos procura e nos toca e, desse encanto, tudo o resto que é obscuro e que não se compreende fica reduzido ao seu anonimato. A luz ténue dos pirilampos chega para nos mover para a consciência que a beleza é o trilho que, incansavelmente, nos traz de regresso ao que nos arrebata. E confere um sentido – muito antes de um significado – aquilo para que se vive.

É verdade, que a seguir, divertida com o ar enternecido com que a escutávamos, ela afiançou que tinha sonhado, também, com cabras-pirilampo. Com pessoas-pirilampo. E com casas-pirilampo! À escala do entendimento fulgurante duma criança talvez isso queira dizer que não se entende muito bem porque é que não se procura aquilo que nos traz ao luzente. Quando tudo o pode ser! E se fica pelo lusco-fusco das coisas. Que, vendo bem, nos tornam – também a nós – parte do seu escuro.

Eu acho que sorrimos com sarcasmo com explicações como: “Isto não é aquilo que parece!”, com que alguém nos quer meter pelos olhos dentro uma leitura da realidade que ninguém leva a sério. Mas, em muitos momentos, o mundo das pessoas crescidas parece ser um permanente: “Isto só é aquilo que parece”. Como se a obscuridade com que se polvilha a cabeça das pessoas, em nome da verdade, valesse por tudo aquilo que não trazemos à luz.

Não, o problema não é não existirem casas-pirilampo. (Neste domingo, de manhã, éramos uma!) O problema é ficarmos pela obscuridade, sentindo que a nossa participação para a luz é “só” um sonho. Que não é luminescente. Que não toca as pessoas. Nem que as traz ao seu voar.

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