Devia ser preciso pedir desculpa quando se fala de arte, escreveu Paul Valéry. Já não me lembro do texto nem do contexto em que o disse, mas há, sem dúvida, uma boa razão para o tal pedido de desculpas: o facto de a verdadeira obra de arte dizer tudo sobre si mesma, tendo como consequência o discurso sobre ela ser, no melhor dos casos, sempre um pouco redundante.

Há, no entanto, casos em que o pedido de desculpas deve ser facilmente aceite. São os casos em que a obra de arte nos traz a recordação de sensações passadas por muitos partilhadas, particularmente quando essas sensações são de prazer. A arte transforma a memória dessas sensações comuns numa forma particular de conhecimento, o conhecimento estético. Nestes casos, a bem dizer, nem se deve pedir desculpa, já que as sensações em questão são sensações comuns, não as de uma subjectividade que quer, no fundo, apenas falar de si.

Não é difícil ver na pintura de Eugène Boudin uma tal forma de conhecimento estético. No seu caso, a memória que os quadros despertam é a memória das sensações que o ar do mar nas praias nos provocou. Não interessa que as praias que ele pinta sejam as praias da Normandia, particularmente a de Trouville, nem que elas estejam povoadas pelos elegantes do Segundo Império. O ar do mar é o nosso, tanto quanto o deles. Boudin dizia que gostava de pintar “enquanto respirava o ar do mar”. E a frescura do ar do mar invade a mais ínfima parte das suas telas.

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