É o grande paradoxo da nossa política: o governo é mau, mas o problema é a oposição. O argumento é assim: o governo está de facto desorientado e compromete a confiança nas instituições, mas tudo continuará na mesma porque a oposição não tem candidatos imaculados, desconhecemos as suas políticas, e está dividida. Não há, portanto, “alternativa”. Se os ministros se mantêm no poder, é por causa da oposição. E eis como as culpas que deveriam caber ao governo são paradoxalmente trespassadas à oposição.

Este paradoxo faz sentido? Não, não faz. Vou agora defender que a oposição resplandece, está preparada e unida? Não, não vou. Vou notar apenas que é insensato, num país que o governo enredou em toda a espécie de dificuldades e bloqueios, fazer depender a alternância política da emergência de uma oposição que não tenha sido afectada por essas dificuldades e bloqueios. A oposição não vem de Marte ou de Vénus. Vem desta mesma sociedade que o poder socialista, ao longo de 28 anos, fragilizou e corrompeu. Se a sociedade civil está fraca, se os mais qualificados emigram, se há “mecanismos” a subverter o Estado, como é que a oposição poderia ser um exemplo de força, um caso de excelência, e um cesto de maçãs sem um único fruto podre? Às oposições, numa situação destas, quase que basta a virtude de não serem os que estão no poder. Por vezes, só mudar as proverbiais moscas, mesmo que o resto ainda fique na mesma, já fará diferença. É assim que se começa a sair de um impasse. Se a oposição servir para isso, já serve para alguma coisa.

E depois, convém dizer que muitas das censuras à oposição têm, na sua origem, alguma confusão. A oposição não tem já um programa de governo? Mas porque haveria de ter? Serviria apenas para o poder socialista desviar a atenção do governo que existe para um governo que não existe, como António Costa aliás procura fazer quando passa pelo parlamento. O debate deve estar focado no governo em funções. De resto, temos uma ideia do que a oposição representa. Em Portugal, as divisões políticas nunca foram meramente pessoais, mas ideológicas. A oposição ao actual poder socialista é liberal e conservadora. Sabemos o que irá propor. Sabemos também que não resolverá nem acertará em tudo. Mas perante a estagnação económica, a retracção demográfica e a degradação institucional, ficar onde estamos é mais arriscado do que mudar.

Dizem-nos ainda: a oposição está desunida. Sim, desde 2019 que há mais partidos à direita no Parlamento, e esses partidos, ao contrário do que aconteceu quando a direita era apenas PSD e CDS, não têm ainda tradição de aliança e compromisso. Todos parecem, pelo contrário, muito empenhados em excomungarem-se uns aos outros. No interior de cada partido, como a IL mostrou, é a mesma coisa. E é normal. O estado natural da classe política, mesmo dentro dos partidos, é a divisão e o conflito. Alianças e compromissos são impostos pelas circunstâncias. Frequentemente, só a perspectiva do poder gera sensatez e unidade, como nos Açores em 2020, onde os acordos têm durado. A oposição estará dividida até ter uma oportunidade de se tornar governo. Foi sempre assim.

Estou a dizer que não devemos esperar melhor? Não, é bom que os partidos da oposição escolham os líderes mais credíveis, consigam explicar as suas ideias, e nos convençam de que não faltarão com um governo. Mas é um pouco ridículo fazer depender qualquer alternativa da excelência da oposição. Estamos presos numa casa sem ar e sem luz. Da oposição, devemos esperar que pelo menos abra uma porta ou janela. Não precisamos que traga logo uma casa nova.

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