Já toda a gente percebeu o sentido do exercício orçamental: favorecer por todos os meios as classes ligadas ao Estado, nomeadamente funcionários públicos e reformados com pensões altas, esperando interessá-las na renovação da maioria social-comunista. As boas almas inquietam-se: e os pobres? Os técnicos duvidam das contas: e o “défice estrutural”? António Costa e a demais oligarquia, porém, não parecem preocupados. Para perceber esta descontração, há que voltar à crise de 2011 e às suas lições.
Em 2011, seis anos de governação socialista fecharam em bancarrota, depois de uma década a divergir da Europa e a acumular desequilíbrios. Pedro Passos Coelho convenceu-se de que era urgente mudar. Teve, porém, duas precauções: manter os serviços públicos e proteger aqueles que tinham menores rendimentos. Foi assim que a fiscalidade directa aumentou mais que a indirecta, e que os salários e pensões mais modestos foram poupados a mais impostos e taxas. Foi assim também que, apesar da austeridade, o desempenho das escolas, medido pelo PISA, e do SNS, avaliado em tempos de espera, melhorou.
Mas as lições que António Costa e os demais oligarcas tiraram da experiência do ajustamento foram outras. Ao contrário de Passos, perceberam que não havia qualquer vantagem em proteger os mais pobres ou o Estado social. Passos, apesar dos seus esforços, foi acusado de perseguir os pobres e de “destruir” o Estado social. Costa percebeu que por detrás da vozearia estavam, de facto, as classes médias que dependem do Estado, e que se sentiram atingidas pelo ajustamento. Quem quisesse ter um governo tranquilo precisava de focar a protecção nesses grupos, e, sendo necessário, compensar a despesa com mais impostos indirectos e “cativações” nos serviços públicos. Foi assim que a prestação do SNS piorou desde 2014. Mas com os sindicatos a negociar mais regalias e o PCP e o BE encurralados na maioria governamental, ninguém hoje fala de “destruição do Estado social”.
E quanto à produtividade, ao défice externo, e a um défice público que continua a ser dos maiores da Europa, tal como a dívida? Para contrapor a todos esses receios, a oligarquia tirou outra lição da crise de 2011: no fim, com mais ou menos drama, a União Europeia pagará sempre as contas de Portugal. Podemos chamar-lhe a segunda edição da doutrina Constâncio. Em Fevereiro de 2000, Vítor Constâncio ensinou que “sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado”. Nunca mais haveria “políticas de ajustamento”. Em Abril de 2011, tudo isto pareceu errado. Mas os sucessivos resgates da Grécia e o financiamento dos défices pelo BCE criaram uma nova segurança: a zona Euro não deixará sair ninguém, apesar dos desequilíbrios, sobretudo enquanto a UE trata do Brexit. Para os oligarcas, Constâncio voltou a estar certo. A maioria social-comunista sente-se suficientemente confiante para contemplar um “aumento do défice“. Não vale a pena falar-lhes da recomposição política na Alemanha, menos propícia ao europeísmo. Agora, são Costa, Catarina e Jerónimo quem acredita na Sra. Merkel. Nunca mais haverá crise.
É assim que Costa e a oligarquia vivem: fiados no BCE, focados nas suas clientelas, e contando com o silêncio do PCP e do BE. A oligarquia encontrou a receita perfeita para gerir o declínio gradual do país. Um dia, Portugal acordará onde hoje está Marrocos. Será demasiado tarde. Imaginem, porém, que tudo corre mal entretanto. E depois?, dirá a oligarquia: teremos mais um resgate como em 2011, com o desafortunado que estiver à frente do PSD a ficar com todas as culpas. Não é para isso que a “direita” serve?