1 Além da ditadura e da miséria, os regimes comunistas caracterizavam-se por uma desigualdade colossal entre os direitos da nomenklatura e os do resto da população. Enquanto o povo tinha de fazer filas para conseguir produtos de primeira necessidade como pão, carne, peixe ou até papel higiénico que a economia planificada (não) conseguia produzir em quantidade suficiente, os políticos e as respetivas famílias tinham direito a servir-se em lojas especiais sempre bem abastecidas e com produtos exclusivos — alguns até ocidentais.

Além da comida, casas, carros ou viagens, tudo era permitido à nomenklatura e muito pouco ao povo. Usando o léxico comunista, eis uma (enormíssima) imperfeição da ideologia que queria construir uma sociedade sem classes.

Certamente inspirados pelos velhos tempos da URSS e da Cortina de Ferro onde muitos dos seus dirigentes estiveram exilados durante a ditadura do Estado Novo (usufruindo dos mesmos direitos que estavam reservados à nomenklatura), o PCP ainda hoje em dia pensa que tem mais direitos do que o resto da população.

Só assim se percebe que numa altura em que Portugal passou a ser o 6.º pior país da União Europeia em termos de novos casos nos últimos 14 dias, em que os especialistas apontam para o inimaginável número de 100 mortes diárias em dezembro, em que os hospitais variam entre a saturação e o colapso e em foram anunciadas medidas mais restritivas para os próximos 15 dias —  que nesta maldita hora, dizíamos, o PCP não adie o seu congresso.

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2 Vamos dizer de outra forma. Numa altura em que o concelho onde vai ser organizado a reunião magna dos comunistas, Loures, é um dos 80 concelhos que têm risco muito elevado por ter entre 480 a 960 infetados por cada 100 mil habitantes, o PCP vai promover o transporte de 600 delegados de todo o país para a terra liderada por Bernardino Soares.

Pior: tendo em conta que Loures está sujeita a todas as medidas restritivas, nomeadamente o recolher obrigatório entre as 23h e as 5h nos dias de semana e a partir das 13h ao fim-de-semana, isto significa que a reunião dos comunistas estará fortemente condicionada. No máximo, deverão funcionar entre duas ou três horas por dia. O que leva à pergunta: por que razão tais fortes restrições não levaram ao adiamento ou à realização de uma reunião por teleconferência?

Acresce que, tal como aconteceu com as comemorações do 1.º Maio e da Festa do Avante, é impossível determinar se o Congresso irá promover novos surtos de contágio. Por exemplo, ainda hoje não se sabe se a festa anual dos comunistas foi efetivamente um evento super-propagador da Covid-19. Porquê? Porque o Governo não tem a certeza sobre os locais onde as infeções concretiza.

Tal como ficamos a saber na reunião do Infarmed da última quinta-feira, o Governo desconhece o local da infeção em 81,4% dos casos de Covid-19 detetados. Logo, ninguém sabe se anteriores reuniões promovidas pelo PCP, como a Festa do Avante, não levaram a surtos por todo o país.

Mandaria o bom-senso e a mínima preocupação com o bem estar e a saúde dos seus concidadãos que o PCP adiasse o seu congresso. Em vez disso, contudo, temos mais uma prova de como os comunistas portugueses continuam fiéis a uma lógica de autoritarismo do ‘quero, posso e mando’.

Não tenho dúvidas, contudo, de que o PCP vai pagar muito caro o preço desta arrogância nas próximas eleições legislativas. Não há nenhuma aprovação do Orçamento de Estado por parte dos comunistas que salve o partido de uma forte quebra eleitoral. Basta ver as sondagens sobre as presidenciais para visualizar o insucesso do candidato João Ferreira — os valores oscilam entre os 1,6% e os 5,5% — ou as estudos de opinião sobre intenção de voto nas legislativas: é difícil que o PCP atinja os 6,6 de votos que conseguiu em 2015.

O perigo do PCP ficar reduzido a uma seita de alucinados que ignoram que a URSS caiu há cerca de 30 anos é bem real. Uma boa notícia para a democracia, portanto.

3

António Costa e o PS também não saem bem neste filme. Obviamente que toda a gente já percebeu que o primeiro-ministro não quer dar a mínima hipóteses aos comunistas para chumbarem o Orçamento de Estado na votação final. Na prática, trata-se de um negócio em que o PCP aprova o Orçamento de Estado e o Governo permite a realização do congresso em Loures.

Como era de esperar, o primeiro-ministro voltou a tomar os portugueses por tolos. Em vez de dizer claramente que é contra o evento e que iria fazer tudo ao seu alcance para fazer com que o PCP adiasse o evento, Costa optou pelo seu habitual número de habilidoso ao brandir uma lei do Estado de Emergência de 1986, segundo a qual os congressos partidários não podem ser adiados. Contudo, nem a Constituição impede esse adiamento ou suspensão.

Não é só Rui Rio quem o diz, também constitucionalistas como Tiago Duarte o afirmam. Ou das duas uma: ou o primeiro-ministro promove uma alteração urgente da lei do estado de emergência ou a lei é interpretada com conta, peso e medida para ordenar o adiamento do Congresso do PCP.

O que o Governo não pode fazer é confundir a árvore com a floresta, como fez o ministro da Administração Interna aquando da aprovação do último Estado de Emergência. Para Eduardo Cabrita, quem se opõe ao congresso do PCP está a pensar “noutro tempo em que se proibia a ação de partidos, sindicatos e associações” — uma alusão ao tempo da Ditadura salazarista. Excessos de retórica que só provam a ausência de argumentos razoáveis.

Da perspetiva do PCP, há uma pergunta que tem ser colocada: será que os comunistas querem arriscar uma crise política que ainda poderá levar a eleições antecipadas e a uma vitória da direita? A resposta parece-me fácil: não.

4

Desde o início de outubro que a União Europeia tinha pedido aos Estados-membros que começassem a pensar num plano de vacinação que deverá passar à ação no início do próximo ano. Sabe-se agora que só a 21 de novembro é que o Governo de António Costa nomeou uma comissão especial, liderada por um ex-secretário de Estado do PS.

Portanto, o Governo demorou mais de um mês e meio a colocar em prática uma questão fundamental para o processo de vacinação contra a Covid-19. Isto quando a Espanha e a Alemanha já anunciaram que podem iniciar em janeiro o processo de vacinação.

Esta ausência de plano e o atraso na resposta à Comissão Europeia, leva-me a uma outra questão: será que não conseguimos ser os primeiros em nada?

Conseguimos em muitas áreas, em nichos de mercado com empresas competitivas que não dependam apenas da escala, na ciência e no desporto. Mas se há área em que falhamos muitas vezes é na área política. Definitivamente os políticos portugueses não se destacam pela suas capacidades de planeamento, organização e de decisão — características absolutamente essenciais que os nossos líderes deveriam ter neste combate pandémico. Infelizmente, dão-nos o oposto: incapazes de antecipar o que quer que seja, desorganizados, indecisos e ziguezagueantes. Como António Costa, Marta Temido e Graça Freitas já provaram varias vezes desde março.

Até quando?