Foi a pior decisão desde que a Decca rejeitou os Beatles. Ou desde que os fundadores do Burundi olharam em redor e anunciaram que sim, senhor, aquilo daria uma nação próspera e impecável. Escolhi mal a semana de férias e vi-me privado de elogiar a interpretação do dr. Costa na já célebre rábula da “demissão”. Felizmente, não faltou quem elogiasse. Nas televisões, nas rádios, na “net” e, dizem-me, nos jornais tradicionais, cerca de 97% dos comentadores nativos souberam homenagear devidamente o grande estadista que nos tocou em sorte. E que sorte! Segundo a opinião geral, o dr. Costa teve uma prestação brilhante. O dr. Costa é um estratega raro. O dr. Costa frequenta a vizinhança do génio absoluto. De brinde, apurou-se que, em parelha com a risonha figura das Finanças, o dr. Costa é um modelo de escrúpulos contabilísticos.

Por sorte, o Observador é um espaço de liberdade que me permite, mesmo com imperdoável atraso, juntar a minha modesta voz a vozes respeitadíssimas do calibre de um Marques Mendes ou de dois José Miguel Júdice. Por azar, não sou capaz. A escassa atenção que dediquei ao assunto sugeriu-me que em lugares civilizados o assunto nunca passaria das secções dedicadas ao insólito, ao lado de ameixas siamesas e da velhinha que desceu nove andares pendurada em varandas: “Governante com 9 anos de idade mental presume que os eleitores têm 8”. Naturalmente, tratou-se apenas de uma golpada baixa, tosca e digna do dr. Costa, que, apavorado com as perspectivas para as “europeias” e munido do domínio da língua que Deus lhe deu e os professores (lá está) não lhe deram, convocou os “media” para fingir, muito mal, uma birra.

A patranha era a de que, em nome do rigor orçamental, o governo apresentaria a demissão se se visse obrigado a largar 800 milhões – ou 600, ou 300, que a ciência dos números é fluída – para “descongelar” professores. O dr. Costa, o exacto dr. Costa que não saiu após a derrota de 2015, dos incêndios (excepto para uma praia espanhola), de Tancos, da rede de nomeações familiares e, consta, na juventude se viu arrastado de uma associação estudantil que perdera nas urnas, iria abdicar de mandar nisto por causa de 800 milhões fatalmente roubados ao contribuinte? É menos do que, ainda há pouco, o Estado prometeu “investir” em “acessibilidades”, “passes” e transportes, incluindo bicicletas. É menos do que o custo estimado do novo aeroporto do Montijo. É menos do que o que se despeja com regularidade na banca (cujos senhores, com divertido descaramento, se apressaram a louvar a “estabilidade política” logo que os efeitos da rábula se dissiparam). E é mais, bastante mais, do que o cidadão com dois neurónios devia estar disposto a engolir.

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