Na sequência do meu último artigo sobre liderança, recebi dois emails a pedir para esclarecer o porquê do Peter Pan na liderança. Foi isso que deu origem ao escrito desta semana. Porque cada líder, e cada pessoa, deve ter o seu próprio Peter Pan. E esclareço, começando com uma pergunta.

Pergunto-me, para início de conversa, porque é que há pessoas sem uma ilha fictícia, que exista apenas e só dentro da sua cabeça? Uma Ilha do Nunca.

Pessoas que nunca pensem em criar essa ilha, esse refúgio onde não são obrigadas a crescer, onde possam guardar a criança que está dentro delas, preocupam-me.

Primeiro, porque perderam o seu Peter Pan e, depois, porque quando perdido, provavelmente não volta a ser encontrado. E quando se dá por isso já não existe, já está algures esquecido no tempo, asfixiado pelos baixos da vida.

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Enquanto alguém se leva demasiado a sério e não tem capacidade de auto-crítica e de se rir de si mesmo, mostra ao mundo que se encontra amarfanhado, contribuindo muito pouco para si próprio e muito pouco para os outros, com baixo conhecimento da natureza humana, em geral, e elevada instabilidade. Mau princípio. Mau para a vida.

Ora, se há aspeto importante nos dias que correm e nas histórias e posts que por aí se leem, sem dizer que são todos importantes – muitos deles são, na verdade, puro lixo – é, precisamente, a história de alguém enquanto gestor e enquanto líder. Pelo menos ao comando de si próprio. Ao comando da sua história de vida.   

Antecipo que esta seriedade é porque se pretende evolução. Grande evolução e grande aprendizagem. Grande crescimento e, sobretudo, grande ambição. O que nada tem de mal, em si mesma, mas muitas vezes sem caminho, sem sedimentação, pretendendo chegar ao objetivo por qualquer estrada.

Subjaz aqui, quase sempre, uma não serenidade permanente. Procuram-se benchmarks e pessoas que inspirem e posts (malfadados posts, do piorzinho no digital) que contribuam para alguém ser maior do que de facto é. Não para se superar, que isso é outra coisa e usualmente diferente do que também por aí se lê. Mas, antes, para se colocar em bicos de pés e ser o que não é, quem não é.

Mas partamos do princípio de que a ideia seja mesmo evoluir. Crescer. Aprender. Ambicionar saudavelmente. Sem que seja necessário ler os livros todos de pseudo-sábios nestas áreas, há que começar sempre pelo essencial. O próprio. O eu.

Sem grandes histórias e sem que possa haver grandes alternativas, o caminho passará sempre pelo auto-conhecimento. Sem auto-conhecimento não há auto-consideração, não há auto-conhecimento emocional, não haverá assertividade, não será possível grande empatia, grande tolerância ao stress ou a simples gestão de impulsos.

A inexistência de auto-conhecimento é como não saber as origens e não entender o princípio de nada. Só que o início está dentro de cada um de nós. E dentro de cada um de nós esteve, está (espera-se) e estará (espera-se também) uma criança. Uma criança que se usa como refúgio, como ilha e até como ethos para uma série de aspetos de vida.

A criança ajuda-nos a refletir, ajuda-nos a conhecer partes insondáveis do eu e dos outros, a ver a vida a (so)rir, apoia-nos na leveza dessa vida e na dimensão mais humana e mais imaterial do que somos e queremos ser. Ajuda-nos a encontrar os meninos perdidos, a Sininho, a tribo de índios, as sereias, o capitão Gancho e sua tripulação de piratas e, também, o crocodilo que comeu a mão do capitão.

Nada como sabermos por onde anda uma árvore do Nunca, onde fica a lagoa das sereias (e as sereias lindas e bronzeadas pelo sol), o navio do capitão Gancho, sempre ancorado, ou a aldeia de Piccanniny, da tribo de índios pele-vermelhas e, porque não, a tenebrosa ilha da Caveira.

Chegamos a tudo isto através do nosso Peter Pan. Porque, caso contrário, não chegar é não viver de forma serena com quem somos e com a criança que devemos sempre manter dentro de nós. Porquê? Porque a criança é e será sempre uma criança. Que se deve manter indelével, eterna na forma pura e ingénua de olhar para o mundo e para as coisas. Porque ela significa serenidade. E serenidade é talvez o que todos procuramos na vida embora não o saibamos.  E é a criança que está em nós que nos trás essa serenidade.

Serenidade para o caminho de vida. Serenidade face aos objetivos. Serenidade para a tão propagandeada gestão e exercício da liderança. Que mais não seja, ao comando de nós mesmos.