Em Portugal, há um orgulho nacional no desenrascanço, característica virtuosa que os portugueses atribuem a si mesmos — essa capacidade para improvisar soluções, apesar das contrariedades e da constante falta de meios. Funciona praticamente como uma fé colectiva de que, apesar de quase tudo se preparar sobre a hora e em cima do joelho, no final tudo correrá bem. E, em parte, até corre. Os exemplos mais evidentes são as organizações de grandes eventos (como as próximas Jornadas Mundiais da Juventude), cujos preparativos tardios provocam atropelos institucionais, impõem erros estratégicos, aumentam os custos e exigem um desgaste brutal de quem trabalha a contra-relógio — mas, no final, corre bem. E, assim, todos celebram patrioticamente o sucesso de cada iniciativa.

Tal como uma moeda, este orgulho nacional tem um outro lado. Aquilo que se olha como uma virtude, este desenrascanço dos portugueses, foi apurado por um vício com anos e anos: a indisponibilidade para planear, para reflectir a longo prazo, para antecipar riscos e para decidir em prol de soluções robustas e estruturais. Em Portugal, olha-se para os pés, em vez de para o horizonte — só é problema o que é urgente, tudo o que não for urgente não é problema. Eis uma vergonha nacional: auto-sabotamo-nos, porque esperamos sempre que os problemas se agravem antes de os tentar resolver.

No palco da política nacional, o perdurar deste vício arrasta consequências mais profundas do que muitos imaginam. Nem é preciso teorizar, basta ler as notícias: o país lida actualmente com uma série de desafios complexos e gravíssimos que resultam directamente desta ausência de planeamento. Três exemplos da actualidade: professores, SNS e TAP. Na Educação, vive-se em emergência por faltarem professores (que, envelhecidos, estão em idade de se aposentarem), quando há (pelo menos) uma década que este problema está identificado e zero medidas foram implementadas. Na Saúde, a falta de médicos no SNS e os encerramentos de serviços eram riscos há muito discutidos, face às más condições de trabalho no sector público (atraindo muitos para o sector privado) — pouco ou nada se fez para contrariar a tendência. Nas infraestruturas, a definição da localização do novo aeroporto de Lisboa arrasta-se anedoticamente há décadas, sobrecarregando a capacidade existente e prejudicando o desenvolvimento da cidade.

Ou seja, hoje fala-se em colapso da rede pública de educação ou de falhas graves no SNS simplesmente porque, no tempo devido, estes desafios foram identificados sem que nenhuma medida fosse implementada. Um governo que está em funções há quase oito anos é obrigatoriamente responsável por esta negligente incapacidade de ver a longo prazo e antecipar soluções. Mas, em boa verdade, nisso este governo não difere dos que o antecederam — a governação do país está viciada em resolver questões imediatas e adiar com a barriga os restantes dossiers, até que o seu agravamento justifique um espaço na agenda do Conselho de Ministros.

Seria da maior importância quebrar esse ciclo vicioso num próximo governo, sobretudo se liderado por quem pretenda ser alternativa (em vez de alternância). Pensar Portugal a 20 anos tornou-se um imperativo da governação, para não se insistir em erros ou negligências que, no fim do dia, prejudicam o funcionamento dos serviços públicos, o desenvolvimento do país e o bem-estar da população. Não é preciso inventar a roda. Um passo em frente seria, por exemplo, ter um “ministério do futuro” no organigrama do governo, dedicado a estudar tendências e identificar riscos sociais e políticos, para responsabilizar e obrigar os ministros das pastas sectoriais a lidar com esses desafios previsíveis de forma atempada.

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