O título parece desadequado atendendo a que, em vésperas de férias, a Ministra da Saúde, Marta Temido, anda atarefada a analisar propostas para colmatar a falta de anestesistas. Um dos muitos problemas com que se vê confrontada e para os quais, por norma, não tem encontrado melhor solução do que aumentar o tempo de espera para as consultas e cirurgias.

Uma estratégia que está a transformar as salas de espera dos hospitais e centros de saúde em salas de desespero. A cor da pulseira não ajuda a colorir o cenário. Há doentes prioritários, designadamente do foro oncológico, que veem o sofrimento e angústia decorrentes da doença exponenciados por uma espera dolorosa e incompreensivelmente demorada e nem sempre com direito a assento. O chão como alternativa quando o corpo não aguenta mais.

Por falar em chão, não são poucos os que fazem dele o cómodo possível quando passam madrugadas à porta das lojas do cidadão na esperança de terem direito a uma senha milagrosa. A chave que lhes permitirá o acesso ao tesouro, ou seja, tratar de assuntos tão transcendentais como a revalidação do cartão de cidadão. Um tesouro só ao alcance de quem tem uma má relação com o sono.

Má relação no que concerne à relação preço/prestação de serviço é o que está a acontecer entre a Soflusa e os utentes que pretendem atravessar o Tejo. Nunca a outra margem ficou tão distante. Pelo menos a fazer fé no tempo necessário para ter direito a um lugarzinho na embarcação. Um problema em duplicado. O final de tarde com direito à repetição da espera matinal. Há anos, não faltou quem censurasse o então candidato Marcelo Rebelo de Sousa quando se atreveu a dar umas braçadas no Tejo. Vamos ver se não se tratou de um acontecimento premonitório.

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Outros exemplos poderiam ser chamados à colação, designadamente no âmbito da educação, da proteção civil e do mundo laboral, mas aqueles que foram elencados são suficientes para esclarecer a questão do título.

Assim, só num país anestesiado é que, perante os «inconseguimentos» governamentais, as sondagens atribuam, sem margem para dúvidas, a vitória nas próximas eleições legislativas ao partido atualmente no Governo. Uma vitória por margem cada vez mais alargada ao ponto de António Costa já sonhar com uma maioria absoluta que o liberte da necessidade de distribuir benesses, ainda que em parte desigual, por bloquistas e comunistas.

De igual forma, só uma elevada dose de anestesia pode explicar que a oposição, especialmente aquele que deveria ser o seu principal rosto, o PSD, não venha a terreiro desmistificar uma realidade que, apesar de pintada a cor-de-rosa, tem contornos socialmente muito cinzentos ou escuros. Uma realidade que convida a perguntar se para António Costa e para o seu Governo há vida para além do Orçamento e do controlo do défice. Ou, de uma forma mais direta, se para o PS as pessoas contam.

Aliás, não deixa de ser curioso que a denúncia de alguns desses problemas continue a ser assumida na praça pública prioritariamente pelos partidos que apoiam a solução governativa. Uma incongruência necessária para manter os respetivos eleitorados. Um desiderato que o PCP, ao contrário do Bloco, não está a atingir.

Uma anestesia que, ao contrário do que se passa nos hospitais, não tem dificuldade em encontrar quem se revele disposto para a administrar.

António Costa sabe que a altura de férias é um tempo propenso ao adormecimento e ao amolecimento. Lisboa e as cidades que contam quase que se despovoam de nacionais. Só fica quem tem de atender os turistas ou quem não consegue arrendar um apartamento para fingir ter férias quando, em muitos casos, só muda provisoriamente de alojamento.

Por isso, mantém o seu proverbial sorriso. A um país anestesiado basta acenar com o Simplex, versão revisitada. Ninguém vai questionar. A anestesia é de efeito prolongado. O problema é se o país entra em coma.

Professor de Ciência Política