Antes de avançar para o tema propriamente dito, há dois conceitos que são necessários explicar para melhor compreensão da análise sobre o tema branqueamento de capitais.

  • Em que consiste o branqueamento de capitais;
  • O que é o crime de fraude fiscal.

Começo, à luz daquilo é a minha visão sobre a matéria, pelo conceito do que é, e qual a origem do branqueamento de capitais. É um processo pelo qual os autores de atividades criminosas encobrem a proveniência dos bens e rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, transformando a liquidez decorrente dessas atividades em capitais reutilizáveis legalmente, por dissimulação da origem ou do verdadeiro proprietário dos fundos.

No ordenamento jurídico português, o branqueamento constitui um crime previsto no artigo 368.º-A do Código Penal, punível com pena de prisão de 2 a 12 anos.

Este processo tem três fases distintas, a saber: a colocação (1), circulação (2) e integração (3).

  1. A colocação: os bens e rendimentos são colocados nos circuitos financeiros e não financeiros, através, por exemplo, de depósitos em instituições financeiras ou de investimentos em atividades lucrativas e em bens de elevado valor;
  2. A circulação: os bens e rendimentos são objeto de múltiplas e repetidas operações (por exemplo, transferências de fundos), com o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, eliminando qualquer vestígio sobre a sua proveniência e propriedade;
  3. A integração: os bens e rendimentos, já reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos, mediante a sua utilização, por exemplo, na aquisição de bens e serviços.

Assim, e de forma simplista, todos associam, e corretamente, a expressão “branqueamento de capitais” à lavagem de dinheiro, porque no fundo é disso mesmo que se trata. No entanto, para se lavar o dinheiro que está “sujo” e torná-lo imaculado aos olhos das autoridades, há necessidade de o adquirir. Isto é, há necessidade de cometer um determinado crime para obter o dinheiro que é preciso pôr na lavandaria.

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Então, a pergunta que se segue é:

Quais são as fontes do branqueamento de capitais? Isto é, como é que pode chegar às mãos de alguém o tal dinheiro “sujo”, visto que ele não cai do céu aos trambolhões.

De diversas formas. Para não ser exaustivo na lista, vai desde o lenocínio (exploração da prostituição ou incentivo à sua prática;) ao terrorismo, passando pela corrupção e também pela fraude fiscal.

É neste último (fraude fiscal) que, na minha opinião, se centra toda a questão basilar do branqueamento de capitais e por esse facto digo, que o branqueamento de capitais tem domicílio na fraude fiscal e esta, por sua vez, poderá deter várias filiais: na corrupção, no financiamento do terrorismo, etc. (as chamadas fontes atrás referidas).

Vejamos, então, como isto tudo anda ligado.

Sabendo já que o branqueamento de capitais é a tentativa de ocultar a proveniência de bens pela prática de atividades ilícitas, e sabendo igualmente que uma das suas fontes provém da corrupção e da fraude fiscal, convém também dar a correta noção de fraude fiscal:

A fraude fiscal consiste na atuação do sujeito passivo com a intenção de evadir-se à incidência tributária. Ou seja, não declarar rendimentos para não ser tributado.

Assim, conhecidas estas duas noções, de branqueamento de capitais e de fraude fiscal, podemos desde já concluir que o branqueamento de capitais poderá estar ligado ao crime de fraude fiscal.

Se, por um lado, se ocultam rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, e por outro, o sujeito passivo, não declara esses rendimentos como manda a lei (como é óbvio), estamos então na presença imediata de dois crimes: o crime de branqueamento e, como consequência, o crime de fraude fiscal, na certeza, porém, que foi necessário ir à fonte buscar o “neto” ( expressão utilizada na língua minderica que significa, dinheiro). Há quem utilize a expressão fotocópias. Modernices, é o que é.

Aqui chegados, coloquemos agora a questão noutro patamar. Haverá branqueamento sem fraude fiscal ou vice-versa? Dificilmente.

Vejamos. Se eu não declarar determinados rendimentos, estarei a praticar um crime de fraude fiscal (podendo esta ser na forma simples ou qualificada). Mas eu poderei ter, como autor de um crime, a necessidade de não declarar esses rendimentos, certo?

Porquê? Porque se eu não quero que se saiba a proveniência dos rendimentos, não os irei declarar, até para assim não levantar alguma suspeita.

Imagine o seguinte cenário:

Eu não declarei uma certa quantia de rendimentos, porque recebi de um terceiro um determinado valor para facilitar um negócio, sendo eu detentor de cargo público. Desta forma, não irei incluir no meu IRS, embora o devesse fazer, o valor que recebi da corrupção. A obrigação declarativa provém da chamada capacidade contributiva, o da legalidade e da igualdade. É nisto que assenta o princípio da tributação.

Sobre este facto, a Mui ilustre Professora Ana Paula Dourado, no seu artigo de opinião do dia 12 de abril, no Jornal Expresso, explica de forma simples que a “lógica dos impostos é diversa da do Direito Penal”.

Se eu declarar rendimentos de actividades ilícitas, então poderei estar de alguma forma a levantar a ponta de um véu e dar azo a uma qualquer suspeita. Ora, se o que eu pretendo é, na realidade, encobrir todos estes factos, tentarei branquear o dinheiro que recebi por facilitar o tal negócio, dificultando que se chegue à sua origem.

Depois do branqueamento bem sucedido poderei justificar, por exemplo, o estilo de vida que tenho, mesmo não estando de acordo com os rendimentos declarados no passado em sede de IRS. “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”, mas se a coisa resultar e o esquema for bem feito…

Caso não haja justificação e havendo então um acréscimo injustificado de património, se eu for “apanhado”, aplicar-se-á aos rendimentos que o fisco entender serem devidos de tributação, uma taxa agravada de 60% se estes forem superiores a 100 mil euros. Injustificado, quererá dizer que eu não arranjei argumentos suficientemente fortes como, por exemplo, arguir que é a minha mãe que me sustenta.

Eu posso dar essa justificação, mas é preciso que acreditem mesmo nela.

Com tudo isto, o que é eu fiz:

  1. Vendi a minha posição na qualidade de detentor de cargo público (“mercadejei-me”);
  2. Para facilitar um negócio, recebi dinheiro (corrupção passiva);
  3. Arranjei um esquema para o lavar (branqueamento de capitais);
  4. E não declarei os rendimentos ao fisco (fraude fiscal).

Assim, e dito isto, o branqueamento de capitais, que oculta rendimentos que são provenientes de vários outros crimes, tem associado o crime de fraude fiscal, na medida em que esses rendimentos resultam de um acréscimo patrimonial injustificado e não declarado.

Não pode, por isso e na minha opinião, existir um crime isolado de branqueamento de capitais sem haver crime de fraude fiscal, até porque não se lava o que está limpo. Se é para lavar, então é porque se sujou e, como é óbvio, na ótica daquele que pratica o crime, este não o irá declarar.

Mas nisto tudo o que é que está sujo?

“O dinheiro assemelha-se a um sexto sentido sem o qual não podemos fazer o uso completo dos outros cinco.” (William Somerset Maugham, A Servidão Humana)