A recuperação vai ser em V, em U, em L ou em W? Ricardo Reis, na última edição do Expresso discute a possibilidade da recuperação ser em ABC: à forte quebra em resultado do confinamento, seguir-se-á uma recuperação parcial com a reabertura da economia. A recuperação plena do nível de actividade económica só acontecerá depois de erradicada a pandemia.

Dito de outra maneira, a recuperação plena só poderá ocorrer depois da chegada da vacina. De acordo com os especialistas, não devemos contar com a vacina antes do Verão de 2021. Não teremos, por isso, uma recuperação em V. Entretanto, vamos ter de sair para a rua. Para voltar a consumir. Para voltar a trabalhar. Este regresso será gradual. Nesse caso, teríamos uma recuperação em U. Se este processo for interrompido por novos surtos, a recuperação poderá ser em W.

Neste pára-arranca, as economias poderão manter-se com baixo crescimento e elevado desemprego durante um período muito longo. O Instituto Ifo prevê que a Alemanha não regresse aos níveis de PIB anteriores à crise antes do final de 2021. Se assim for, a recuperação terá a forma do muito temido L.

Na primeira fase da crise, os governos e os bancos centrais têm utilizado todos os instrumentos para suster o rendimento das famílias e manter vivas as empresas. Apesar dos montantes inéditos de apoios à economia, as quebras do PIB no 2º trimestre ultrapassarão os 20% na generalidade dos países desenvolvidos. Os apoios do Estado representam mais dívida pública. A quebra no PIB representa perda de receitas fiscais e mais dívida pública. Países já muito endividados, como Portugal, não aguentam esta situação durante muito tempo. A própria França anunciou ontem a reabertura da economia para evitar o ‘colapso’. Temos de começar a sair para a rua.

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Nas recessões anteriores, a chave para a recuperação estava em políticas de estímulo da procura de tipo keynesiano ou em políticas que actuassem sobre as condições da oferta, como as conhecidas reformas estruturais que visam o aumento da produtividade. Desta vez, a recuperação da procura e da oferta vão ter de andar de mãos dadas. E as políticas de estímulo à procura e à oferta têm de ser de um tipo diferente.

Do lado da oferta, são necessárias medidas para manter as empresas economicamente viáveis. As medidas de lay-off, as moratórias dos bancos e os diferimentos no pagamento de impostos devem prolongar-se por mais algum tempo. Muitas empresas vão despedir trabalhadores. Outras já estão a negociar cortes de salários.

Todas as empresas terão custos adicionais com as novas exigências sanitárias. Em sectores como o comércio, a restauração, a hotelaria ou os transportes é necessário readaptar a oferta, garantindo condições de segurança aos consumidores. Poderão ser necessários apoios para as empresas redirecionarem a produção para novos mercados – por exemplo, material médico para o mercado nacional e internacional.

As linhas de crédito com garantias do Estado têm de privilegiar as empresas com melhores condições de sobrevivência na economia pós-covid19. O sector bancário tem uma enorme responsabilidade na estrutura produtiva que resultar desta crise. A sua selecção no crédito a atribuir é decisiva. A banca tem aqui uma segunda oportunidade para se redimir dos erros da primeira década dos anos 2000.

É fundamental que as empresas estejam prontas para responder ao ressurgimento da procura. Neste momento, há muitas empresas preparadas para retomar a produção, incluindo grandes multinacionais exportadoras. Mas, com a Europa de quarentena, não há procura. O consumo está reduzido aos bens essenciais. No último mês, em alguns países, as quebras na compra de automóveis atingiram os 90%. A quebra na procura mundial de combustíveis levou o preço do petróleo a valores negativos. Países exploradores de petróleo consideram a possibilidade de parar a produção. Refinarias, como a Galp, anunciam o encerramento temporário. Em sectores como a aviação e o turismo, a procura desapareceu por razões sanitárias e por falta de confiança dos consumidores, e poderá levar anos a recuperar os níveis de 2019.

Perante a incerteza, as famílias tendem a aumentar a poupança. As perdas de rendimento decorrentes do lay-off, dos cortes salariais ou do aumento do desemprego vão também encolher o consumo. O investimento das famílias em habitação será fortemente afectado. O mercado imobiliário será afectado pela contração no sector do turismo.

Numa palavra, a máquina parou. Como é que pomos a máquina novamente a funcionar? Temos de sair para a rua. Sair para consumir. Sair para produzir. Sair para alimentarmos a procura e a oferta. E temos de sair rapidamente. Os epidemiologistas e o sector da saúde que nos informem sobre os limites da velocidade de saída.

O consumo das famílias tem de ser o grande motor da recuperação. A condição necessária para a recuperação do consumo é o restabelecimento da confiança. Esse é o grande papel do Estado: promover condições de segurança para as pessoas voltarem a consumir e a trabalhar.

Dado que a procura e a oferta de cada país dependem dos consumidores e produtores europeus, é necessária uma recuperação rápida do consumo e da produção a nível europeu. Os sucessivos anúncios de reabertura das economias europeias são uma boa notícia. Só com a recuperação do consumo a nível europeu se poderá restabelecer a produção nas diferentes economias nacionais.

Ninguém sai desta crise sozinho. A recuperação em cada país depende do aumento do consumo em todos os outros países europeus. E esse aumento do consumo depende da capacidade dos Estados em controlarem o contágio da covid19.

Uma letra não chega para descrever a recuperação da recessão causada pela covid-19. Nem duas ou três. Esta recuperação vai ser uma sopa de letras.